Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea que faz projeções sobre o aumento do número de homicídios no Brasil caso o governo não promova investimentos sociais e em segurança pública.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Considerações sobre estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea que faz projeções sobre o aumento do número de homicídios no Brasil caso o governo não promova investimentos sociais e em segurança pública.
Aparteantes
João Batista Motta, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 17/07/2003 - Página 18374
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, VINCULAÇÃO, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, DESIGUALDADE SOCIAL, INJUSTIÇA, EXCLUSÃO, DESEMPREGO.
  • COMENTARIO, ESTUDO TECNICO, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), PREVISÃO, AUMENTO, HOMICIDIO, NECESSIDADE, REDUÇÃO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, AMPLIAÇÃO, RENDA PER CAPITA, INVESTIMENTO, SEGURANÇA PUBLICA, PROTEÇÃO, POPULAÇÃO.
  • EXPECTATIVA, COMPROMISSO, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, INVESTIMENTO PUBLICO, INFRAESTRUTURA, RETOMADA, CRESCIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, REPUDIO, LIBERALISMO, ECONOMIA, SAUDAÇÃO, ATUAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), PLANEJAMENTO, PARCERIA, ESTADO, INICIATIVA PRIVADA.
  • ANALISE, LIDERANÇA, BRASIL, APRESENTAÇÃO, ALTERNATIVA, ECONOMIA INTERNACIONAL.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos sabem que o fenômeno do crescimento da violência, das manifestações de violência e criminalidade em todas as nossas grandes cidades, tem uma causação múltipla, é resultado de diversos fatores que se compõem para produzi-lo. Entretanto, todos sabem que esse fenômeno tem muito a ver com o quadro social do Brasil de hoje. Uma coisa é certa: esse fenômeno tem a ver com a degradação dos padrões, das condições de vida de uma parcela enorme da população brasileira, de dezenas de milhões de brasileiros, da falta de condições de vida digna, de emprego, e o próprio sentimento de injustiça está enraizado no coração desses brasileiros excluídos.

Sr. Presidente, agora vem à luz um estudo técnico, específico, do Ipea, a respeito dessa questão, que O Globo, na sua edição de 10 de julho último, noticiou. Segundo o estudo, o número de homicídios, no Rio de Janeiro, poderá aumentar em até 66% até 2006, caso as condições socioeconômicas do País e os investimentos em segurança pública permaneçam como estão hoje.

As projeções fazem parte de um documento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, publicado esta semana. Segundo o estudo, o número de vítimas saltaria de 9.365, registrado em 2002, para 15.555, no fim de 2006, concluindo os pesquisadores que, se o País conseguir diminuir em apenas 2% ao ano a concentração de renda e aumentar a renda per capita em 4% ao ano - o que é um nível até modesto - e elevar os investimentos em segurança pública em 10%, haverá uma redução de 76% nos assassinatos.

Sr. Presidente, eu, evidentemente, como toda pessoa de bom senso, coloco essas projeções numéricas, quantitativas, em dúvida. Como eu disse, a causação é de múltiplos fatores, o que torna impossível determinar, matematicamente, crescimentos. Mas o fato é que o Ipea dedicou-se ao assunto, estudou, procurou quantificar de alguma forma e concluiu que o fator decisivo são os investimentos sociais, a melhoria das condições de vida das populações urbanas, aliados, obviamente, aos investimentos em segurança. Do contrário, esse fenômeno não se abrandará; ao contrário, se agravará.

Todos os dias, tem-se notícia dessa situação. Ainda ontem, foi assaltado mais um desembargador no Rio de Janeiro, mais um magistrado foi atingido, não obstante haver a legislação que agora agrava os crimes cometidos contra magistrados.

Será incontrolável essa explosão de violência se não houver uma regressão, uma regressão substancial, no quadro de desigualdades e de injustiças sociais neste País, que exige, antes de tudo, a retomada do crescimento da economia brasileira, porque todos sabemos que redistribuir renda e riqueza, numa economia parada, é algo praticamente impossível.

Portanto, investimentos sociais e investimentos em segurança dependem, intrínseca e fundamentalmente, de crescimento econômico, que, por sua vez, depende essencialmente de investimentos públicos em infra-estrutura, notadamente. Os próprios investidores privados, os que tomam decisões de investimento no Brasil e fora do País, orientam-se pelo comportamento governamental, pelo comportamento do Estado, no que tange a esses investimentos essenciais em infra-estrutura. Essa é uma relação histórica no Brasil.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Com prazer, concederei o aparte a V. Exª.

Trata-se de uma ligação histórica, cultural, enraizada na cultura do País. A sinalização é o investimento governamental.

É claro que, se o Brasil fizer as reformas e melhorar a sua credibilidade, se o índice de risco-Brasil cair, os investimentos podem-se fazer com maior ou menor intensidade. Porém, assim como a violência tem uma causalidade múltipla, mas com raiz na desigualdade social, também a retomada dos investimentos e do dinamismo da economia brasileira tem uma causação múltipla. Mas o fundamental está na realização de investimentos públicos maciços em infra-estrutura, os quais, historicamente, nos períodos de crescimento avantajado, em que o Brasil teve êxito na sua política de desenvolvimento, sempre estiveram próximos a 8% ou 10% do PIB. Essa relação significa a vontade política do Governo e da Nação de crescer economicamente traduzida em investimentos públicos, que hoje se situam em menos de 2% do PIB. O investimento público, no Brasil, nos últimos dez anos, caiu verticalmente e, hoje, está numa posição ridícula de 1,5% a 2% do PIB, o que é absolutamente insuficiente para se pensar sequer numa retomada do desenvolvimento econômico. Sem isso, fica difícil realizarem-se investimentos sociais e investimentos em segurança para melhorar a situação de insegurança que vive o nosso povo.

Antes de continuar, concedo o aparte ao Senador Romeu Tuma, um dos Senadores mais preocupados com o assunto e que tem saber acumulado no que se refere à segurança.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senador Roberto Saturnino, interrompo V. Exª num discurso importante e que, em alguns aspectos, está bem relacionado ao sistema de segurança. Quando se faz uma pesquisa, a metodologia varia de um instituto para outro, mas o âmago da questão é o que V. Exª está apresentando: o aumento de investimentos, para que, realmente, sejam melhoradas as condições de vida do cidadão. Apesar de ocorrer situação semelhante em São Paulo e em outros Estados, no Rio de Janeiro os bolsões se identificam pelos morros, onde praticamente as favelas cresceram. Nelas, há uma miscigenação entre a criminalidade e os jovens que nascem e criam-se admirando como herói o marginal. Dou a V. Exª um exemplo muito claro e desgostoso para nós, policiais: quando um traficante desce o morro e encontra um policial que lhe paga dinheiro em vez de coibir a ação criminosa - e esta seria a obrigação do policial -, quem é o herói daqueles meninos que estão no morro? É o policial ou o marginal? Para eles, o criminoso é o policial. A corrupção atinge uma minoria, mas tem trazido sofrimento para a sociedade. Assim, precisamos voltar a controlá-la, porque ela é um mal que destrói, e, para isso, é necessário que se invista mesmo, melhorando a situação da população. Quando o Estado responde à altura das suas necessidades, o cidadão não vai bater à porta de um marginal para lhe pedir um favor, como hoje ocorre. Quando se estudou a máfia da Colômbia, observou-se que os traficantes e os produtores de droga eram os “donos do pedaço”. Os cartéis dominaram a sociedade, criaram escolas e deram atendimento às populações menos favorecidas. Então, eles foram se fortalecendo e, hoje, concorrem com o Estado de direito que lá se instalou. Naquele país, hoje se luta como se fosse uma guerra. É isso que V. Exª está expondo, para evitar que aconteça o mesmo no Brasil. Assim, cumprimento V. Exª e solidarizo-me, para que continue nessa jornada de busca de mais investimentos, a fim de que possamos, realmente, melhorar a situação da segurança pública, que é um desejo individual de cada cidadão.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Obrigado, Senador Romeu Tuma. Agradeço a participação de V. Exª, sempre muito bem-vinda em qualquer circunstância, mas muito especialmente quando desta discussão sobre segurança pública.

Como eu disse, a Nação está ansiosa e exigindo mesmo a retomada dos investimentos públicos com um percentual numa presença, numa densidade próxima da que existiu no passado, quando o Brasil alcançou taxas de crescimento entre as maiores do mundo.

Sr. Presidente, tenho informações de que essa decisão estará sendo tomada nos próximos dias, nesta semana, na volta do Presidente Lula de sua viagem. Será tomada a decisão de investir, de destinar recursos ao Estado, ao setor público, ao Governo. Esses recursos, obviamente, terão que ser disponibilizados, para que haja a retomada do investimento público no nível, pelo menos, de 50 bilhões por ano, nos próximos anos, especialmente em infra-estrutura de transporte e de energia e, é claro, também em investimentos sociais, para produzir aquele tipo de crescimento que é um compromisso do Governo atual.

Ainda ontem, na Inglaterra, o Presidente Lula declarou que o desafio maior da Esquerda, no mundo, é precisamente o da retomada do crescimento econômico, porque todas as forças políticas que outrora pontificaram com os seus projetos sociais encontram-se, hoje, presas numa armadilha, ditada pelas forças econômicas do mercado internacional financeiro, que impede o crescimento ou que, quando o possibilita, abre espaço para crescimentos medíocres de 2,5%, 3% ou 3,5%. Não é disso que o Brasil precisa. O Brasil precisa crescer 6% ou 7% ao ano, na suas taxas históricas, e para isso é preciso que se invistam 8% ou 9% do PIB no setor de infra-estrutura, o qual comanda exatamente a reação e a decisão de investimentos dos empresários privados brasileiros e estrangeiros.

Essa história de se dizer que o capital estrangeiro depende do comportamento do País, segundo os parâmetros do FMI, não convence ninguém, porque o Brasil, a Argentina e outros países adotaram esse comportamento e não tiveram resposta alguma. A resposta vem daquela sinalização fundamental e essencial: a de o Governo bancar os investimentos fundamentais em infra-estrutura. Dessa forma, a economia ganhará fôlego e o Brasil voltará a ter o desempenho que já teve em outros momentos. Aí sim, haverá condições - e acredito completamente, firmemente, que isso será feito nos próximos três anos do Governo Lula - de cumprir os compromissos fundamentais dessa candidatura que arregimentou o sentimento de todo o Brasil, e não apenas do Brasil, mas do mundo, Sr. Presidente. Como disse, o mundo está preso na armadilha neoliberal, portanto, é preciso o Brasil mostrar que não é mais neoliberal, que o BNDES está aí para coordenar e capitanear um programa de investimentos públicos, participando com boa parte dos recursos, mas, com a sua presença e a sua capacidade de demonstração e racionalização, arregimentar recursos de outras fontes, como fundos de pensão e investidores nacionais e internacionais que acreditam no Brasil, desde que se rompa essa armadilha do neoliberalismo, na qual estivemos presos. Agora, estamos dela nos libertando, com os compromissos do Governo Lula. Para isso, Sua Excelência foi eleito, e isso Sua Excelência cumprirá, porque essa responsabilidade está na essência da sua atuação política, é o compromisso essencial de Sua Excelência, é o compromisso que o faz vivo e acreditado no mundo inteiro.

Srªs e Srs. Senadores, fui um daqueles que disseram - e eu disse com muita ênfase - que acreditavam que o Presidente Lula mudaria o Brasil, e, conseqüentemente, o mundo. Quero repetir esta crença com muita ênfase: acredito que isso é o que vai suceder. Hoje, outras pessoas com muita representatividade estão dizendo isso. O Sr. Anthony Giddens, Diretor da London School of Economics e líder da teorização da socialdemocracia européia, disse isso com todas as letras: que Lula pode mudar o mundo! Pois é claro que, rompendo com as amarras do neoliberalismo, como está começando a ter condições de fazer agora, superada a crise de transição dos primeiros seis meses, Sua Excelência dará...

O Sr. João Batista Motta (PPS - ES) - Senador Roberto Saturnino, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Já ouvirei V. Exª, com muito prazer.

...dará condições a que o Brasil se expanda economicamente, mostrando ao mundo uma economia e uma diretriz de política econômica que não é liberal, mas tem a presença forte e substancial do Estado, por intermédio do planejamento e da execução de investimentos fundamentais em infra-estrutura. O Presidente Lula estará mostrando ao mundo um novo caminho e, por conseguinte, libertando toda a esquerda mundial deste drama, desta prisão em que se viu metida nos últimos 25 anos, um quarto de século, por essa afirmação neoliberal.

Com muita satisfação, ouço o Senador João Batista Motta.

O Sr. João Batista Motta (PPS - ES) - Senador Roberto Saturnino, gostaria de parabenizá-lo pelo discurso e dizer que essa é uma preocupação de todos nós, principalmente daqueles que estão na base do Governo. Acredito também que deve ser feito algo no sentido de um dever de casa, pois não podemos conviver com anomalias vividas no passado. Temos um problema que não é tão difícil para o Governo resolver, e, acredito, nos renderia mais empregos e maior crescimento econômico. Trata-se daquele probleminha, que é um problemão, do depósito compulsório, que retira 70% do dinheiro do mercado. Isso está fazendo com que não tenhamos crescimento naquilo que diz respeito à geração de emprego e de renda. Portanto, o Governo tem que ficar atento, senão continuará cometendo os mesmos erros do passado. Era esse o alerta que queria fazer a V. Exª.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Agradeço a V. Exª. Não há como não concordar com V. Exª.

Entendo que as questões de política monetária como as de política fiscal são importantes. Reduzir juros vai aumentar o ritmo da economia; reduzir o compulsório vai liberar mais recursos para o crédito e dinamizar a economia. Tudo isso é certo, há uma relação causal evidente. Entretanto, repito, o fator essencial - e o Presidente Lula tem dito isto e comandou uma prospecção interministerial neste sentido - é a realização de investimentos públicos maciços em infra-estrutura. Nós vamos ter, nesta semana ainda, notícias importantes nesse particular advindas do BNDES, que retomou sua condição de banco de desenvolvimento - finalmente! - para dizer ao mundo: “Olha, isto aqui não é mais neoliberalismo. Agora existe a presença do Estado planejando e investindo”, claro que em parceria com a iniciativa privada. Todos os empreendimentos e a diretriz de economia mista são grandes descobertas do mundo, das quais o Brasil participou com muito êxito e com muita presença.

De forma que isso está acontecendo. A viagem do Presidente Lula foi importante para o reconhecimento dessa necessidade, importante para as afirmações que fez, importante para as afirmações que ouviu, importante para mostrar ao mundo a saída do neoliberalismo. Se Lula mudar o Brasil, o Brasil muda o mundo! Não tenho nenhuma dúvida quanto a isso, dada a dimensão, a importância e a flagrante posição de liderança que hoje o nosso País já desfruta no cenário internacional!

Assim, Sr. Presidente, queria dar essa notícia basicamente. Sei que vai haver essa retomada de investimentos, que é fundamental, e isso é um fator decisivo. Claro que os juros vão cair, os depósitos compulsórios vão ser aliviados, haverá outras medidas de contribuição para esse fenômeno, mas o fator decisivo é este: a decisão de investimento público maciço nos próximos meses, decisão essa que só vai produzir resultados daqui a alguns meses. Não vamos esperar resultados da redução dos juros, que vai acontecer na semana que vem, com certeza, mas tudo isso só renderá resultados a partir do fim deste ano e do início do próximo.

Este é o caminho certo que tem que ser trilhado, e trilhado de forma decisiva e definitiva para reconstruir, no Brasil, o espírito de progresso e o espírito de justiça social, fazendo crescer a economia, mas em outros padrões, com uma distribuição mais justa e mais equânime entre todos os brasileiros.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/07/2003 - Página 18374