Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao governador do Estado de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, por este ter renunciado aos recursos que a União deveria repassar como ressarcimento ao Estado pela manutenção de rodovias federais.

Autor
Juvêncio da Fonseca (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Juvêncio Cesar da Fonseca
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES. ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), GOVERNO ESTADUAL.:
  • Críticas ao governador do Estado de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, por este ter renunciado aos recursos que a União deveria repassar como ressarcimento ao Estado pela manutenção de rodovias federais.
Publicação
Publicação no DSF de 17/07/2003 - Página 18381
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES. ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • CRITICA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), DESCENTRALIZAÇÃO, REDE RODOVIARIA, TRANSFERENCIA, ESTADOS, DOMINIO, RODOVIA, CONTRAPRESTAÇÃO, OBRIGAÇÃO, MANUTENÇÃO, CONSERVAÇÃO, AUMENTO, DESPESA, GOVERNO ESTADUAL, PREJUIZO, FEDERAÇÃO, RENUNCIA, RESSARCIMENTO, INDENIZAÇÃO.
  • CRITICA, GOVERNADOR, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), RENUNCIA, CREDITOS, EXCEDENTE, UNIÃO FEDERAL, PROCESSO, TRANSFERENCIA, DOMINIO, RODOVIA, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA.
  • REITERAÇÃO, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS).

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, tenho relutado em trazer a esta tribuna mazelas da administração do meu Estado. Quando se fazem denúncias de dificuldades da administração, no campo de uma gestão transparente, naturalmente acabamos por deslustrar o próprio Estado, trazendo-lhe uma imagem negativa. No entanto, esta minha conduta de pouco falar aqui sobre as mazelas do meu Estado não pode significar ignorância daquilo que se passa na administração do Estado de Mato Grosso do Sul.

Na semana passada, abordamos aqui o parecer do Tribunal de Contas do Estado, que apontou quatorze irregularidades nas contas de 2002, com vinte recomendações a serem acatadas pelo Governo para que suas contas não fossem rejeitadas.

Trago hoje um assunto interessante.

O Governo Federal, por meio da Medida Provisória nº 82, pretendeu transferir, a título de descentralização da sua malha rodoviária, a seu exclusivo critério, o domínio de até 18 mil quilômetros da malha rodoviária federal.

A Medida Provisória nº 82 estabelece que a União transferirá às unidades da Federação, à conta de dotação orçamentária própria, recursos oriundos da CIDE, e que o valor do repasse será de R$130 mil por quilômetro de rodovia federal objeto do termo de transferência de domínio.

A assinatura do termo de transferência de domínio e o repasse de que trata essa medida provisória ficam condicionados a quê? Declaração pelo Estado, na forma estabelecida pela Advocacia-Geral da União, de que todas as despesas realizadas em rodovias federais, direta ou indiretamente, sem convênio ou com convênio em desacordo com o plano de trabalho e aplicação de recursos, efetuados por sua conta e ordem, não constituem obrigação da União. Ou seja, a União estava transferindo a obrigação aos Estados de fazer a manutenção das suas próprias estradas federais, como se isso fosse um ressarcimento das despesas que os Estados fizeram nas estradas federais, à sua própria conta - os Estados como credores da União.

Ora, quem é que paga uma conta, obrigando-se a pagar outras contas?

A Medida Provisória nº 82 é uma contra-senso, um presente de grego, uma falta de respeito às unidades da Federação, uma falta de coerência inclusive com o espírito federativo da nossa República. O Estado está credor da União, fez 500 quilômetros de estradas federais às suas custas, tem um crédito contra a União. E a União agora vai pagar transferindo tantos mil quilômetros de conservação dessas estradas, e o Estado fica encarregado de produzir todos os trabalhos necessários para a conservação das estradas, e a União vai pagar R$130 mil por quilômetro dessas estradas transferidas para os Estados. Ora, R$130 mil por quilômetro seria o caso de dizer que, sobrando R$100 mil por quilômetro, talvez sobrasse alguma coisa para recuperar as despesas feitas pelos Estados. No entanto, não é bem assim, porque as estradas são transferidas em péssimas condições, às vezes sem pavimentação, e o Estado fica com todas as obrigações de sua recuperação.

E estabelece mais: é obrigatória a renúncia em juízo, a pretenso ou alegado direito em que se funda a ação, se houver, contra a União em que se pretenda o ressarcimento ou indenização por despesas incorridas com rodovias federais.

O recebimento do repasse a que se refere esse artigo implica renúncia a qualquer pretensão ou alegado direito que possa existir relativamente ao ressarcimento ou indenização por eventuais despesas feitas em rodovias federais.

Aqui no Senado Federal, lembro perfeitamente bem que contrariamos essa medida provisória e conseguimos, com a inteligência do Senador Sérgio Cabral, Relator do projeto de conversão, estabelecer nesse projeto que o recurso que entraria para os Estados não representaria uma receita líquida corrente, evitando que, sobre esses valores repassados, além de pequenos, ainda incidisse a percentagem de amortização da dívida dos Estados para com a União. E S. Exª também inseriu uma emenda dispondo que o Estado credor da União que ainda permanecesse com crédito contra a União não precisaria renunciar ao crédito restante para receber aquela importância. O projeto de conversão foi aprovado com essas duas ressalvas importantíssimas, evitando mais prejuízos para os Estados.

No entanto, Sua Excelência o Presidente da República vetou integralmente o projeto que foi convertido em lei aqui, porque não aceitava, de forma alguma, que esses valores tivessem natureza de receita líquida corrente. O Presidente queria, sobre esses valores que repassa, ainda deduzir o valor da cota-parte do ressarcimento da dívida dos Estados para com a União. Vetou a não renúncia dos Estados a seus créditos excedentes. Por essas duas razões, vetou integralmente o projeto.

Mas como a União havia assumido o compromisso de repassar aqueles recursos aos Estados, e para Mato Grosso do Sul ela entendia que tinha que repassar o valor de R$89,128 milhões, referente às estradas que transferiu àquele Estado, enviou ao Congresso a Medida Provisória nº 119, abrindo crédito extraordinário naquele valor para ressarcir o Estado da importância.

Observem que continua a pretensão da transferência das estradas, continua a pretensão de ressarcimento dos R$89 milhões, mas o Governo vetou a medida provisória que disciplinava esse ato. Continuava também a pretensão de exigir de Mato Grosso do Sul a renúncia dos créditos excedentes. Também exigia do Estado, pelo que está na medida provisória, que não reconhecesse uma receita líquida corrente. E no valor repassado, de ressarcimento das estradas, também incidiria a cota da dedução da dívida do Estado de Mato Grosso com a União.

Essa medida provisória - muito bem relatada pelo nobre Senador Luiz Otávio -, transformada em lei, abriu crédito suplementar. Com isso, a União está pronta para assinar o convênio de repasse dessas estradas para Mato Grosso do Sul, e o Estado pronto para renunciar, em primeiro lugar, a seu crédito de R$370 milhões, e a assumir a conservação, construção, manutenção, enfim, todas as obrigações de centenas e centenas de quilômetros de estradas federais.

A Senadora Iris de Araújo, tendo assumido a tribuna há poucos minutos, mostrou-se perplexa com as invasões de terras produtivas neste País, o que intranqüiliza a democracia brasileira. Mas atos como o da Medida Provisória nº 82 e o da Medida Provisória nº 119, em que há contradição absoluta entre os interesses da União e do Estado, falseando-se, inclusive, um processo de ressarcimento de crédito do Estado de Mato Grosso do Sul, bem mostram como estamos sem rumo no Executivo. Não sabemos o que queremos ou, se sabemos, não mostramos o caminho correto e lógico das ações que têm que ser definidas para a elucidação de questões certamente importantes para este País.

E o que acontece? O Governador do meu Estado, Mato Grosso do Sul, satisfeito com a iniciativa da União, que coloca em seu colo grandes obrigações, a manutenção de centenas de estradas federais, e com a alegação de que se tratava de ressarcimento de uma dívida da União, e pagando com novas obrigações, com novas despesas, concordou com tudo. Ele concordou com tudo.

E o que faz o Governador? Renuncia aos créditos excedentes, pois o Estado não precisa de R$370 milhões. O Governador perdoa a União os R$370 milhões e concorda em receber apenas R$89 milhões, porque com esse montante reequilibraria o Estado financeiramente. Essa necessidade imediata de reequilíbrio, essa necessidade imediata de caixa fez que o Governador do Estado do Mato Grosso do Sul renunciasse a R$370 milhões em favor da União. E ele assinou o documento.

A Medida Provisória nº 82 não foi convertida em lei, porque o projeto de conversão aprovado aqui, no Congresso, foi vetado integralmente pelo Presidente da República. Em seguida, a medida provisória que abre crédito suplementar de R$89 milhões é aprovada no Congresso. No entanto, antes mesmo da sua aprovação pelo Congresso, já estava nas mãos do Governo Federal uma declaração do Governador do meu Estado, dizendo o seguinte:

O Estado de Mato Grosso do Sul, por intermédio do seu Governador, José Orcírio Miranda dos Santos, nos termos do § 3º, inciso III, e do § 4º do art. 2º da Medida Provisória nº 82, de 2 de dezembro de 2002, tendo firmado o termo de transferência de domínio de rodovias federais, declara que não possui qualquer demanda judicial contra a União envolvendo pedido de ressarcimento ou indenização por despesas realizadas em rodovias federais, direta ou indiretamente, com ou sem convênio, renunciando a qualquer pretenso direito, uma vez recebida a importância a que se refere o mencionado termo de transferência.

Essa renúncia não tem autorização da Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul. E pergunto a V. Exªs: pode um Governador de Estado perdoar, ou fazer a remissão, ou devolver, ou entregar R$370 milhões, de graça, à União, sem que haja lei autorizativa para isso?

Na semana passada, desta mesma tribuna, de posse de um parecer do Tribunal de Contas do Estado, denunciamos que o Governador de Mato Grosso do Sul, no ano passado, cancelou R$63 milhões de dívida ativa do Estado sem justificativa. É como se o Estado estivesse nadando em dinheiro. Também deixou de aplicar R$44 milhões na educação no meu Estado e não aplicou outros valores, obrigatórios constitucionalmente, na saúde. E o que é pior, Srªs e Srs. Senadores, como já expliquei na semana passada, também houve empenho de milhões de reais sem a correspondente dotação orçamentária.

Vemos, portanto, a inversão total e completa de toda a legislação que disciplina a contabilidade de um Estado. A Lei de Responsabilidade Fiscal não vale nada no meu Estado! A Constituição não vale nada no meu Estado! Não há obrigação de o Governo do Estado aplicar as verbas constitucionais nos seus valores respectivos. Até empenho sem dotação orçamentária se faz. E perdão de créditos que tem, com a União, de R$370 milhões.

Acredito que estamos vivendo um instante, em Mato Grosso do Sul, que poderíamos chamar de “síndrome da impunidade”. E quando um chefe de Estado, um governador, um executivo qualquer se sente impune para praticar o ato que bem entender e nenhuma mão o alcança - seja a mão da Justiça, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da Constituição -, começa a cometer atos de leviandade. E isso está acontecendo no meu Estado, infelizmente.

Peço perdão ao meu povo sul-mato-grossense, meu querido Presidente, por fazer denúncias como esta, porque isso não eleva o nome de Mato Grosso do Sul. E nos traz muita preocupação quanto aos destinos do nosso Estado, que é promissor, potencialmente rico, e está pronto para o grande desenvolvimento, principalmente na área do agronegócio: temos o maior rebanho de gado de corte do País, entre 23 e 25 milhões de cabeças. Existe uma infra-estrutura necessitando de investimento para que a riqueza possa fluir, ainda mais no meu Estado, neste querido Centro-Oeste, que é o futuro promissor deste País.

Portanto, faço esta denúncia - mesmo porque tenho obrigação de fazê-la -, mas fico constrangido, porque o meu Estado não merece notícias como esta e um Governo com a “síndrome da impunidade”, como está acontecendo no Estado de Mato Grosso do Sul.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/07/2003 - Página 18381