Pronunciamento de Fátima Cleide em 16/07/2003
Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Análise das desigualdades sociais no País.
- Autor
- Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
- Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA SOCIAL.
EDUCAÇÃO.:
- Análise das desigualdades sociais no País.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/07/2003 - Página 18447
- Assunto
- Outros > POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.
- Indexação
-
- COMENTARIO, DADOS, BRASIL, RELATORIO, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), INDICE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, GRAVIDADE, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, POSSE, TERRAS, DESIGUALDADE SOCIAL, MISERIA.
- ANALISE, DADOS, EDUCAÇÃO, BRASIL, AUMENTO, MATRICULA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, QUALIDADE, ENSINO.
- COMENTARIO, PROPOSTA, CRISTOVAM BUARQUE, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), AUMENTO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS, VALORIZAÇÃO, SALARIO, EXERCICIO PROFISSIONAL, PROFESSOR, BUSCA, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL.
A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil, mais uma vez, é retratado como um País que apresenta formidável desigualdade. Divulgado terça-feira última, o Relatório do Desenvolvimento Humano Mundial, edição 2003, mostra que a renda dos 10% mais ricos do Brasil é 65,8 maior do que a dos 10% mais pobres.
Na lista dos desiguais, o Brasil está em nona posição, ficando atrás apenas de pobres países como a Namíbia, Lesoto, Honduras, Paraguai, Serra Leoa, Botsuana e Nicarágua.
A concentração de renda é um indicador que preocupa, e muito, porque a cada edição do relatório verificamos que os ricos continuam mais ricos. A iniqüidade é tamanha, que apesar do percentual de pobreza ter caído, os bolsões de miséria e a privação pelas quais passam milhões de famílias persistem.
Retratado por vezes como o País das diversidades, dos contrastes, da integração multirracial, cordial e colorida, o Brasil, na verdade, é um inferno de desigualdades, desigualdades construídas ao longo de 500 anos.
Alguns milhares de proprietários detêm 80% das terras, enquanto milhões de pequenos proprietários resistem bravamente no percentual restante.
Banqueiros e empresários são donos de bilhões de reais em patrimônio, enquanto milhares moram em favelas, cortiços, a reboque de uma vida de miséria e desalento, chegando a 9,9%, proclama o relatório, o percentual da população que vive com menos de l dólar por dia.
Menos de 1 dólar por dia, Srªs e Srs. Senadores!... Isso significa pouco mais de 2 reais ao dia, o que, desgraçadamente, para essas pessoas, não permite alimentar sua numerosa família.
Os mais ricos, sempre mais ricos, comem o que querem, esbanjam, trocam de carro todo ano, por modelos mais e mais sofisticados, enquanto outros milhares, que também têm o direito de ir e vir, com suas roupas rotas e sandálias surradas, equilibram-se em velhas bicicletas, por este País afora.
Essas desigualdades são terríveis, perversas, mas têm limites, sendo preciso lutar para que a pobreza diminua com maior rapidez, com investimentos mais largos em políticas que possam superar as desigualdades. E tenho a firme convicção de que o Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva se empenhará para isso.
Há entretanto uma desigualdade que gera mais desigualdade, que limita o crescimento do ser humano, que destrói a capacidade de tomar decisões durante a vida. Falo da desigualdade do saber, a desigualdade da educação, que gera ainda mais desigualdades, aprofundando a distância entre ricos e pobres.
O Índice de Desenvolvimento Humano conferido ao Brasil, no relatório da ONU, melhora a posição do País, que em 26 anos de existência do ranking ganhou 16 posições, saindo da octogésima primeira (81ª) posição para a sexagésima quinta (65ª).
Segundo o estudo, essa posição deve-se à elevação da taxa de matrículas no ensino básico e à melhoria no índice de alfabetização, além de alguns indicadores na área de saúde.
Mas é preciso refletir sobre essa análise, sobre os indicadores subjacentes, e não perder o senso crítico para que toda a sociedade, não somente o Governo, possa se debruçar na tarefa de trabalhar para qualificar a educação pública brasileira.
Em matéria que teve repercussão em programa televisivo de grande audiência, recentemente veiculada, as crianças do Brasil foram reprovadas em matemática e leitura.
Nossos meninas e meninos têm dificuldade para fazer cálculos e para interpretar textos. De que adiantou, então, incluir milhares de novos alunos no ensino fundamental, aumentar as taxas de matrícula?
Assistimos a um sem número de crianças que na escola se espremem em salas de aula com 50 a 60 alunos, ao passo que os filhos dos 10% mais ricos gozam de toda uma estrutura educacional que os torna mais aptos a enfrentar a vida.
Conforme disse, a desigualdade do saber aprofunda a distância entre as classes sociais. Ter oito anos de ensino fundamental já é possível para qualquer brasileiro, entretanto uns aprendem e outros não. O acesso ao ensino superior é elitizado, e a taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais é de 12,7%, segundo o relatório da ONU.
Herdados pelo ministro Cristovam Buarque, os números da educação pública estão longe de causar orgulho aos cidadãos brasileiros. O próprio ministro os apresentou aqui nesta Casa. Eis alguns deles: apenas 19,3% dos jovens com 18 anos terminam o ensino médio; 59% dos alunos da 4ª série não lêem; 73,1% dos brasileiros não têm o ensino médio; 57% das crianças com 10 anos não sabem ler e 23% não lêem nada.
Não tenho dúvida do esforço e do compromisso do ministro em melhorar o ensino público brasileiro. É tarefa a que está integralmente debruçado, e toda razão tem ele quando reclama por mais recursos para a educação.
É possível ampliar os recursos para a educação na fatia do PIB brasileiro, hoje em apenas 3%. Mas é preciso, também, analisar de que forma estão sendo distribuídos os investimentos, tanto nas esferas de poder, quanto nas famílias, para traçar as metas de mudança.
Isso é importantíssimo. Os gastos de uma família pobre com educação em comparação com os de uma família rica, de classe média alta, são ultrajantes. A diferença é de 40 vezes, e considerando os casos em que a criança pobre não ultrapassa a quarta série do ensino fundamental e o adulto rico que conclui pós-doutorado a diferença é de 100 vezes.
Outra medida igualmente importante, e sei que o ministro Cristovam Buarque pretende mudar isso, é melhorar o salário do professor. Na ocasião em que conosco esteve, o ministro disse que 75% dos professores ganham em média, no País, R$370.
Não é a toa que, com este salário, tenha se detectado, em estudo apresentado recentemente pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), após pesquisa em diversos Estados do País, a falta de atração para a carreira de magistério. Com isso, avalia-se que, se não houver uma rápida campanha de valorização profissional, a educação brasileira entrará em colapso.
Com este discurso, Srªs e Srs. Senadores, quero enfatizar que, a despeito da pesquisa da ONU ter feito referencia elogiosa ao País por ter ampliado o acesso a escola, levando em conta, desta vez, os números apresentados pelo governos referentes às matrículas efetuadas, sem subtrair os alunos com mais de 14 anos que não saíram do ensino fundamental, é preciso abraçar de verdade, usando todas as potencialidades já existentes, a causa da educação.
Reverter a evasão escolar, a repetência, o fraco desempenho de nossas crianças e jovens, oferecer a mesma qualidade de educação a que tem acesso os alunos abastados são medidas vitais para a superação das desigualdades, registradas no documento da ONU.
Este é, sem dúvida, um grande desafio. Mas é um desafio que nos anima e nos enche de entusiasmo ao ver reveladas, em cada rosto infantil, de cada rincão de terra por mim visitado, a curiosidade e vivacidade próprias do querer aprender, querer inventar, querer saber, querer estudar, para mudar, para vencer.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigada.