Discurso durante a 13ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Conclama maior altivez brasileira durante as negociações nos fóruns econômicos internacionais. Propostas do Clube de Engenharia visando o fortalecimento do Mercosul.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). POLITICA EXTERNA.:
  • Conclama maior altivez brasileira durante as negociações nos fóruns econômicos internacionais. Propostas do Clube de Engenharia visando o fortalecimento do Mercosul.
Aparteantes
Eurípedes Camargo.
Publicação
Publicação no DSF de 18/07/2003 - Página 18672
Assunto
Outros > MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • NECESSIDADE, CONVICÇÃO, POSIÇÃO, BRASIL, DEFESA, INTERESSE NACIONAL, PARTICIPAÇÃO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, NATUREZA ECONOMICA.
  • APRESENTAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, PROPOSTA, AUTORIA, CLUBE, ENGENHARIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), SUGESTÃO, CONDUTA, BRASIL, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), REFORÇO, AMPLIAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), CRIAÇÃO, ACORDO, CONTRATO BILATERAL, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, RUSSIA, INDIA, CONTINENTE, EUROPA, DEFESA, MERCADO INTERNO, RETOMADA, DESENVOLVIMENTO, DEFINIÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, LIMITAÇÃO, NEGOCIAÇÃO.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, pela manhã, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, recebemos vários embaixadores de países da África, que nos apresentaram um grande programa de desenvolvimento daquele continente, um continente massacrado pela exploração, pelo esvaziamento humano, uma exploração histórica, que fez com que esse continente inteiro ficasse fora daquilo que foi acordado em Washington, ou seja, da globalização dos nossos mercados.

O Consenso de Washington vai completar 14 anos e, ao longo desse período, o que podemos constatar é que esse é um consenso entre os países ricos. Segundo dados que tenho em mão, que não vou apresentar aqui porque nos cansaria, intensificou-se a relação Norte-Norte, entre a Europa dos Quinze, a Europa do Euro, e os Estados Unidos.

Ao analisarmos o nível de investimento da Europa no nosso Continente, verificamos que só no Estado do Texas a Europa investe mais do que em toda a América do Sul. Em um único Estado americano se investe mais do que em toda a América do Sul. Quando comparamos os acordos, o Nafta, por exemplo, firmado pelo México, Canadá e Estados Unidos, constatamos que o grau de crescimento da economia mexicana, o PIB mexicano não atingiu 1% ao longo dos últimos nove anos.

Portanto, o Consenso de Washington é o consenso dos ricos. Nesse aspecto, a política externa brasileira caminha na direção de estabelecer o consenso dos pobres do Sul, para retomar a discussão e o processo de globalização de mercados, porque não podemos ficar isolados desse processo.

Parlamentos do mundo todo, Senador Mão Santa, mobilizam-se para participar ativamente do debate, da discussão sobre a globalização. A sociedade civil brasileira também não está alheia aos impactos provocados por esses anos de globalização de nossos mercados, de “ajuste estrutural”, que provocou a redução do Estado brasileiro e, na verdade, sucateou a máquina pública, os serviços públicos, privatizou e desregulamentou a nossa economia. Quando avaliamos esses anos, chegamos à conclusão de que houve alguns avanços. Por exemplo, é bem verdade que hoje temos um número maior de pessoas com acesso à telefonia. No entanto, em algumas cidades, mais de 50% dos telefones já não funcionam porque as pessoas não podem pagar o correspondente à tarifa telefônica em dólar. Ao mesmo tempo em que trouxeram uma ampliação do serviço, começam a reduzi-lo porque o cidadão brasileiro não tem poder aquisitivo para manter o pagamento desse serviço.

Até o final do ano, temos uma agenda pressionada pelos países ricos, definida por instituições encarregadas de fazer avançar o processo de globalização dos mercados, fundamentado na abertura do comércio, no levantamento de barreiras tarifárias, no fim dos subsídios para o nosso produtor. Logo em setembro, teremos a reunião ministerial, em Cancun, da Organização Mundial do Comércio. Nós devemos nos fazer presente. O Parlamento brasileiro deve se fazer presente.

Em novembro é a vez do encontro ministerial da Alca, e no intermédio dessas reuniões, os grupos negociadores estão permanentemente reunidos.

Eu gostaria de manifestar a minha preocupação sobre as decisões que pude observar no Comitê de Negociações Comerciais da Alca, pois elas são fechadas e tomadas em relação às questões econômicas e sociais dos nossos países que mexem com nossas vidas, portanto precisamos acompanhar isso de perto.

Eu queria aqui registrar a posição do Clube de Engenharia. O Senador Geraldo Mesquita recebeu uma comunicação deste clube, que me foi repassada, e estive conversando com S. Exª, que sabe da nossa preocupação em relação às negociações do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas. O Clube de Engenharia todos conhecemos, é uma instituição centenária, congrega engenheiros, arquitetos, agrônomos e demais profissionais da área de tecnologia, e é também uma das mais tradicionais e atuantes entidades de representação civil do País e vem discutindo a adesão do País à Alca - aqui a palavra adesão foi mencionada dessa forma.

Na realidade, eu gostaria de esclarecer que quando o Presidente Lula, numa entrevista à BBC de Londres, repetiu a necessidade de se cumprir os prazos até 2005, para fechar o acordo global da Alca, Sua Excelência reafirmou a necessidade de se cumprir os prazos, mas ao mesmo tempo declarou que precisamos fazer a Alca possível. Há muitos temas nos borradores da negociação da Alca, e há mais temas entre colchetes do que temas já resolvidos. Milhares e milhares deles estão pendentes. O Presidente está dizendo para todos que, se não for possível avançar, fechemos um acordo dentro do que é possível e não vamos esticar prazos quando não se consegue convencer os americanos, por exemplo, de retirar US$16.8 bilhões de subsídios às exportações. Só esse volume de dinheiro é maior do que os 32 bilhões que temos para financiar o conjunto da nossa agricultura. Só o subsídio americano é maior do que tudo o que temos para financiar a produção agrícola no nosso País. Se essa negociação não pode caminhar, é necessário que definamos com clareza uma data e, daí para frente, o que não for possível resolver no âmbito da Alca que se remeta à OMC, que se continue negociando na OMC.

O Sr. Eurípedes Camargo (Bloco/PT - DF) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Com a palavra o Senador Eurípedes Camargo.

            O Sr. Eurípedes Camargo (Bloco/PT - DF) - Senador João Capiberibe, V. Exª coloca a situação que hoje foi falada por nós sobre a audiência pública proposta pela Senadora Ideli Salvatti com os países que, como nós, são emergentes nesse processo e vítimas dessa colonização. Essa parceria precisa ser estabelecida. Essa participação que V. Exª conclama em Cancun é uma forma para que possamos, então, ver que acesso teremos nessa discussão global. E só podemos fazer essa discussão no fórum apropriado para isso, pois é lá que serão tomadas as decisões desse processo. Acredito que a nossa participação estará nessa busca de ver qual a possibilidade, como podemos negociar o nosso acesso nesse mercado de troca comercial, que é esse que mobiliza as Nações. Não há outro caminho. E temos que fazer prevalecer o nosso direito enquanto Pátria, enquanto Nação. Não podemos ir para negociar a partir da imposição que eles nos colocam, mas para a negociação possível sem abdicarmos da nossa soberania. É com altivez, com proposta e com articulação que podemos fazer, e por isso é importante o fortalecimento de outros países de outros continentes, que vivem a mesma situação que a nossa, para que possamos, em bloco, fazer frente a esse mercado, a essa tentativa de nos sufocar por meio da economia. É participando que encontramos nossas realidades, é a possibilidade de acesso a essas riquezas que são produzidas pelo mundo todo e cujas migalhas nos são colocadas. Temos que resistir e resistimos a isso participando. Concordo com V. Exª, Senador João Capiberibe. V. Exª expõe isso com muita propriedade. Foi colocado na audiência pública pela manhã e volta ao tema com muita propriedade. Parabéns pela preocupação e contribuição que V. Exª nos traz nesse pronunciamento sobre economia mundial.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Muito obrigado, Senador.

            Eu gostaria de poder esclarecer como nós brasileiros e esse consenso dos pobres do Sul podemos sentar numa mesa de negociação com altivez, defendendo nossos interesses.

            Lerei aqui algumas propostas do Clube de Engenharia, com as quais concordo e me parece algo consensual dentro da nossa sociedade.

            O Clube de Engenharia diz:

Como a política dos Estados Unidos em relação à América Latina só atende aos interesses das companhias americanas, cabe a nós, defender uma nova política latino-americana, centrada na defesa dos interesses dos nossos povos. Podemos destacar os pontos mínimos de uma tal política:

1. um esforço pela consolidação do Mercosul;

            Esse é o ponto número um. Mas eu queria aqui me ater a esse enunciado das proposições do Clube de Engenharia, quando diz que a política americana é em defesa das companhias americanas. Repete exatamente o que o Presidente Lula afirmou na Inglaterra, dizendo que a política americana, os americanos e o Governo americano pensam primeiro nos americanos, segundo nos americanos, terceiro neles e, em quarto lugar, se sobrar tempo, continuam pensando neles. Ora, isso é um elogio, porque demonstra claramente que a sociedade americana tem um projeto nacional e em todos os momentos só pensa nesse seu projeto nacional e soberano.

            O primeiro ponto é um esforço de consolidação do Mercosul. Isso a política externa brasileira contempla e implementa neste momento.

2. a necessidade de que o grupo de países do Mercosul tenha uma posição de unidade em todas as questões relativas aos interesses comuns, em todos os fóruns econômicos mundiais. Ou seja, insiste no fortalecimento do Mercosul;

3. ampliação do Mercosul para os demais países latino-americanos, como, por exemplo, os países andinos: a Bolívia, a Colômbia, a Venezuela e o Equador;

4. a criação de acordos bilaterais do Mercosul com a China, Rússia e Índia, que têm interesses comuns conosco, que nesta ordem podem ser os mercados consumidores e fornecedores de que necessitamos em muitos produtos;

5. a criação de acordos bilaterais do Mercosul com a União Européia, criando novos canais comerciais e estratégicos;

6. a defesa do mercado interno com o fundamento econômico central de uma retomada do desenvolvimento;

7. a definição pelo Congresso de limites para os negociadores, da mesma forma que o Congresso americano estabeleceu limites para negociadores americanos, defendendo os interesses específicos dos seus representados;

            O Clube de Engenharia faz algumas considerações específicas sobre a Alca. É evidente que é uma demonstração clara de consciência da sociedade civil brasileira, depois de analisar o ajuste estrutural e de todas as políticas de liberalização do mercado, que tem ampliado as desigualdades sociais em nosso País, reduzido a qualidade de serviços e colocado a economia brasileira em uma situação de grande fragilidade diante da especulação.

Temos um diagnóstico e uma análise que vão nos ajudar a nos posicionar com a altivez necessária para defender os interesses da nossa sociedade, os interesses nacionais e do povo brasileiro.

     Portanto, eu queria que constasse como parte integrante do meu discurso tanto a carta quanto as propostas do Clube de Engenharia.

Eu queria falar também sobre a formação da Rede Parlamentar Internacional.

Ora, não se pode fundamentar a globalização apenas nos mercados. Precisamos, sim, nos integrar a esse processo, mas é necessário construirmos um novo modelo de globalização. E para isso é necessário que os nossos parlamentos passem a interagir, a manter contato uns com os outros para que tenhamos um parlamento planetário, onde possamos estabelecer uma grande discussão e, quem sabe, dar um pouco mais de legitimidade ao processo de negociação comercial.

            Tenho aqui a declaração sobre a V Conferência Ministerial da OMC, que deverá ser realizada entre os dias 10 e 14 de setembro de 2003.

A Rede Parlamentar Internacional foi criada no âmbito do Fórum Parlamentar de Porto Alegre. Essa frente está empenhada com a idéia da criação de um outro paradigma econômico e social. E, nesse aspecto, estamos nos mobilizando para criar essa possibilidade.

Acreditamos que a atual ordem econômica e mundial, com o Acordo de Bretton Woods (logo depois da Segunda Guerra, Sr. Senador), que direciona as temáticas econômicas e sociais, e a Organização Mundial do Comércio - OMC -, não permite alcançar o referido objetivo (ou seja, esse novo paradigma econômico e social). Desde a criação da OMC, em 1995, o abismo que separa ricos e pobres aprofundou-se dramaticamente. A Agenda de Desenvolvimento de Doha, resultante da IV Conferência Ministerial, em novembro de 2001, na capital do Qatar, não merece sequer tal nome.

Na perspectiva da V Conferência Ministerial, que terá lugar em Cancun (México), de 10 a 14 de setembro de 2003, nós, Parlamentares, propomos um mínimo de medidas que pretendemos ver incluídas na agenda da conferência. Comprometemo-nos a apoiar essas propostas nos debates parlamentares e nas resoluções que vão ser adotadas antes da Conferência e a defendê-las no decorrer da mesma.

            São dez pontos que a Rede Parlamentar Internacional propõe. O primeiro ponto é “Garantir o controle democrático”; o segundo, “Concluir primeiro os assuntos pendentes e construir consensos”; o terceiro, “Manter e fortalecer a cobertura dos serviços públicos”; o quarto, “O acesso aos medicamentos deve ser garantido, a saúde pública é a prioridade”; o quinto, “Não às patentes sobre a vida”; o sexto, “Proteger a independência dos Acordos multilaterais Ambientais (AMA); o sétimo, “Reforçar a perspectiva de multifuncionalidade da agricultura no mundo”; oitavo, “Responder às necessidades dos países em vias de desenvolvimento - abolir os subsídios para a exportação”; nono, “Melhorar os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras” e décimo, “Aplicar sistematicamente os princípios de precaução e de sustentabilidade”.

Ora, esses são os dez pontos que a Rede Parlamentar Internacional pretende que sejam incluídos em pauta e defendidos durante a V Conferência Ministerial da OMC.

Eu vou me ater ao primeiro ponto: “garantir o controle democrático”, e solicito que seja transcrito o conjunto dos pontos que citei aqui. O processo de negociação da OMC - precisamos insistentemente repetir - carece de legitimidade democrática. Não podemos permitir que as decisões que se aprofundam nas vidas das sociedades nacionais sejam tomadas sem a presença do Parlamento. Esse aspecto me parece definitivo e fundamental. Peço aos Srs. Senadores que nós nos demos as mãos na Frente Parlamentar Internacional e que estejamos presentes à V Conferência da OMC, para que possamos debater o assunto com mais afinco nesta Casa, que vai futuramente definir se o Brasil deve ou não integrar a Alca ou outro bloco de nações.

Confesso que há complexidade de negociações e falta de comunicação e de informação. Posso testemunhar que, na XIV Reunião do Comitê de Negociações Comerciais da Alca, não havia ninguém da imprensa nacional. Não havia um jornalista capaz de transmitir os embates. Vejam que lá foi lançada uma proposta pelo Presidente do Mercosul. O Presidente do Mercosul lançou a proposta na Conferência de Miami - em Miami, em novembro, será realizada a Conferência Internacional da Alça - que a nossa América seja declarada região fora de subsídios à agricultura, principalmente à agricultura de exportação - declarada região isenta de subsídio.

Imagino que isso cria um embaraço muito grande para as agriculturas protegidas, principalmente a dos Estados Unidos e a do Canadá.

Se tivéssemos uma relação de igual, a globalização, evidentemente, iria nos beneficiar, mas esta assimetria, essa desigualdade entre as nações pode provocar mais pobreza para o Hemisfério Sul e mais concentração de riqueza no Hemisfério Norte.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR JOÃO CAPIBERIBE EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/07/2003 - Página 18672