Discurso durante a 14ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Solicitação de políticas públicas para evitar o êxodo rural e acampamentos.

Autor
Leomar Quintanilha (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Leomar de Melo Quintanilha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Solicitação de políticas públicas para evitar o êxodo rural e acampamentos.
Aparteantes
Paulo Octávio.
Publicação
Publicação no DSF de 22/07/2003 - Página 19361
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, AUMENTO, NUMERO, ASSENTAMENTO POPULACIONAL, FORMA, REIVINDICAÇÃO, AGILIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, FAMILIA, LOCAL, AUSENCIA, ASSISTENCIA MEDICA, SANEAMENTO BASICO.
  • CRITICA, FORMA, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, BRASIL, INSUFICIENCIA, ALCANCE, EXPECTATIVA, ESPECIFICAÇÃO, INCAPACIDADE, CONTENÇÃO, EXODO RURAL, CONTRIBUIÇÃO, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, CIDADE, REDUÇÃO, QUALIDADE DE VIDA.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ELABORAÇÃO, POLITICA, APOIO, TRABALHADOR RURAL, OFERECIMENTO, CREDITOS, CONDIÇÕES DE TRABALHO.

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PFL - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos fins de semana, principalmente desde o início do meu mandato, tenho percorrido os Municípios tocantinenses e, nos últimos meses, pude notar uma mudança no cenário geográfico do meu Estado. À margem da Belém-Brasília, em vários trechos, e em outras rodovias estaduais, em algumas estradas vicinais surgiram de repente inúmeros acampamentos, construções simples, casebres de palha, parede e cobertura, abrigando inúmeras famílias em condições as mais precárias e adversas, pois falta tudo. O abastecimento de água é difícil. Não há alimentação. É preciso trazê-la de fora. Assistência médica, nem pensar! Também não há energia elétrica. Enfim, há acampamentos rústicos ao longo das estradas. Na Belém-Brasília, existe um risco maior: a rodovia experimenta um tráfego intenso, e os acampamentos ficam exatamente naquela margem de segurança que fica entre a pista de rolamento e a cerca que divide a rodovia das propriedades privadas. Ali homens e mulheres de todas as idades e muitas crianças, às vezes, de forma desavisada, atravessam a rodovia, colocando em risco não só as próprias vidas, como também a dos usuários dos veículos que trafegam ali em alta velocidade. Esses cidadãos, repito, são expostos diariamente a riscos enormes em razão dos acampamentos irregulares que têm surgido ao longo das rodovias federais e das estradas vicinais do meu Estado. E qual é a causa do surgimento desses acampamentos, Sr. Presidente? É a esperança, que está levando milhares de brasileiros sem norte, uma ordem de rotos e famintos, desorientados, às vezes, a esses acampamentos na expectativa de obterem um pedaço de terra para trabalhar. Eles se apegam à notícia - não sei de onde partiu, se do Incra ou do Ministério do Desenvolvimento Agrário - de que somente serão assentados aqueles que estiverem acampados. Os que não estavam correram para os acampamentos exatamente para terem oportunidade de serem assentados. Esses acampamentos se multiplicaram no Estado do Tocantins e se multiplicam pelo Brasil afora numa forma transversa - no meu entendimento sem sucesso - de realizar a reforma agrária.

Não podemos nos ater à estatística de que milhões de hectares foram desapropriados e milhares de famílias assentadas. Isso não traz resultado àqueles que pretendem encontrar um lugar de onde possam tirar o sustento próprio e o de sua família nem àqueles que alimentam a esperança de poder construir o seu próprio futuro a partir da obtenção de um pedaço de terra.

A reforma agrária da maneira como está sendo implantada no Brasil não dá certo. Salvo raríssimas exceções, os assentamentos não têm trazido resultados positivos para os assentados. Na grande maioria das vezes, os assentados são levados de determinadas regiões para os municípios sem a combinação prévia com o prefeito municipal ou, ao menos, questioná-lo se no orçamento dele há suporte para receber, abruptamente, centenas de milhares de famílias que, uma vez assentadas sem as mínimas condições básicas para a sobrevivência, correm atrás do prefeito, querendo atendimento de suas demandas de saúde, de educação, de abastecimento de água, de moradia digna, de energia elétrica, de transporte, enfim, atendimento das condições básicas que qualquer cidadão está a exigir.

Sr. Presidente, preocupa-me a forma como está sendo conduzida essa política. Ela não trará os resultados esperados. Já tivemos exemplos melhores. Imagino que precisamos voltar aos bons exemplos.

Nos últimos cinqüenta anos, o País tem experimentando um fenômeno social de largas conseqüências: o êxodo rural, que mudou o perfil da população, há cinqüenta anos, 70% dela morava no campo e apenas 30% morava na cidade. Hoje os índices estão totalmente mudados, sendo que apenas 18% da população brasileira está no meio rural.

As populações que migraram das diversas regiões do País para as cidades foram atraídas pelas facilidades da vida urbana, tendo em vista o abandono a que eram relegadas. O homem do campo, muitas vezes despreparado, sem cultura, sem conhecimento, sem esclarecimento, vem para a cidade enfrentar um mercado adverso, com muitas dificuldades. Ele não tem qualificação profissional para disputar o mercado na cidade com aqueles que tiveram oportunidade de estudar e de se qualificar.

Os migrantes se acotovelam, criando bolsões de miséria nas periferias das cidades, ocupando os equipamentos públicos existentes a serviço da população - hospitais, escolas, transporte coletivo -, que, sucateados, não conseguirão atender à demanda das populações urbanas porque elas crescem em progressão geométrica.

Não vejo, tanto nos assentamentos como nos acampamentos com vistas a assentamento, uma forma de inverter esse fluxo migratório do interior para as cidades. Isso não será possível enquanto as elites brasileiras não perceberem a necessidade de dar um mínimo de apoio ao homem do campo. O programa de apoio levado ao homem do campo tem sido muito tímido enquanto o cidadão que mora na cidade tem todo tipo de apoio - rua pavimentada, iluminação pública, transporte coletivo, hospital, escola para os filhos, financiamento para casa própria. O homem do campo, repito, além de enfrentar as adversidades do interior, não tem esse tipo de apoio. Tem que lutar com as próprias forças, de sol a sol, para, com as próprias mãos, tirar da terra o seu sustento e o de sua família. Quando produz alguma coisa, ou quando tem necessidade de ir à cidade, muitas vezes, enfrenta caminhos vicinais que ele abriu numa picada com facão e machado. Não dispõe de uma estrada pavimentada, não tem uma estrada adequada, conveniente, não tem o transporte coletivo. Quando alguém adoece no campo, é um drama. Se o tratamento conhecido, com chás de ervas, não resolver, se a doença for grave e o enfermo tiver que correr para a cidade, pela falta de assistência e pela falta de condições adequadas de se locomover por estradas ruins e por não haver transporte adequado, seguramente ele chegará atrasado.

V. Exª, Sr. Presidente, que é médico, já deve ter visto no seu Estado esse quadro que se repete na grande maioria dos Estados brasileiros.

O Sr. Paulo Octávio (PFL - DF) - V. Ex.ª permite-me um aparte?

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PFL - TO) - Ouço V. Ex.ª com muito prazer, nobre Senador Paulo Octávio.

O Sr. Paulo Octávio (PFL - DF) - Senador Leomar Quintanilha, V. Ex.ª representa muito bem o novíssimo Estado do Tocantins, que é uma grande realidade brasileira. Fiquei impressionado com o pronunciamento de V. Ex.ª ao dizer que dedica todos os fins de semana a idas ao campo para conhecer o Brasil e visitar os cidadãos mais necessitados. Afinal de contas, essa é a missão do homem público. Comungo, em gênero, número e grau, com o seu pensamento quanto à falta de assistência do Governo brasileiro a quem vive no campo. Há quarenta anos, 80% da população brasileira vivia nas pequenas cidades e no campo, mas essa posição inverteu-se totalmente. Hoje, nem 20% da população brasileira está no campo por não ter assistência nem incentivo. Por isso, existe a insegurança nas grandes cidades brasileiras, que estão inchadas e acomodam muito mal a população, pois não estavam preparadas para o grande êxodo rural ocorrido nos últimos anos. Sem dúvida, uma política muito inteligente seria a de ajudar o homem do campo, dando-lhe condições de crescer, criar empregos - o que é muito difícil - e ativar a economia no campo, porque o Brasil é um País agrícola. A nossa grande riqueza - demonstrada com o aumento da safra ano a ano - está justamente no campo, na produção agrícola. Precisamos dar ao homem que vive no campo condições de produzir mais. Cumprimento V. Ex.ª pelo brilhante pronunciamento, pelo seu desprendimento como homem público e pelo excelente trabalho realizado em prol da população do Estado de Tocantins. Meus parabéns!

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PFL - TO) - Nobre Senador Paulo Octávio, obrigado pelas gentis palavras. V. Exª é testemunha viva das conseqüências do êxodo rural.

Brasília foi concebida para ser uma cidade meramente administrativa. Não se imaginava que, num futuro tão próximo, a cidade chegasse a ter uma população tão grande. Há vinte anos, Brasília era exemplo de qualidade de vida. Os serviços públicos da cidade eram dos melhores do País, as escolas públicas, o transporte urbano e os hospitais eram da melhor qualidade. Hoje, em razão da migração em progressão geométrica e num volume que serviço público nenhum consegue acompanhar para atender com dignidade o usuário, Brasília experimenta dificuldades, assim como também atravessam dificuldades as grandes metrópoles brasileiras.

Será que estávamos cegos, com os olhos tapados e insensíveis para não perceber, ao longo desses 50 anos, esse fenômeno social tão forte e com conseqüências tão graves? Será que, ainda hoje, somos impotentes para procurar soluções num País de extensão territorial tão grande quanto o Brasil? Será que não há espaço suficiente para abrigar os brasileiros? É claro que há.

O problema são as políticas equivocadas. Políticas públicas de apoio ao homem do campo praticamente inexistem. Por esse motivo, homens e mulheres do meio rural brasileiro, atraídos pelas luzes e pelas melhores condições da cidade, deixam seu rincão natal, tendo lá, às vezes, condição melhor de vida e vêm para as grandes cidades arriscar um futuro. Muitos deles nos deixam com o coração travado, com mágoa profunda, ao vermos multiplicarem-se pessoas nas ruas em busca de uma oportunidade para sobreviver condignamente, e outras, já com mais dificuldade, até revirando latas de lixo para pegar sobras de alimento para se sustentar.

Não é possível que, num País rico como o Brasil, tenhamos que conviver com essa realidade. O nobre Senador Paulo Octávio confirmou que a vocação natural da economia brasileira está no setor primário, na produção de alimentos, e a ONU já identificou o coração do Brasil como a última fronteira agrícola do planeta. Somos vocacionados a ser o grande celeiro capaz de mitigar a fome, não só de nossos irmãos brasileiros, mas de pessoas que nasceram em outros continentes. A ciência e a tecnologia a serviço de nossa agricultura tem-nos propiciado saltos de qualidade na nossa atividade, que tem trazido muita alegria e um resultado extremamente positivo ao povo brasileiro. Em diversas quadras do Brasil, inclusive agora, quando a economia é constrangida, vê-se decrescer a indústria, a atividade do comércio, até da prestação de serviços, mas, também, vê-se crescer a agricultura brasileira e de uma forma interessante: cresce em 40% a sua produção, numa expansão diária de apenas 12%. Então, a vocação natural de nossa economia está centrada no setor primário e tem na agricultura seu carro-chefe.

Como é que estamos permitindo que os homens que nasceram no local próprio e adequado para desenvolver essa atividade agropastoril estejam sendo atraídos para a cidade? Pelas vantagens que nós próprios estamos lhes oferecendo. Por que não damos as mesmas variedades de financiamento, de apoio às atividades do homem do campo como oferecemos aos da cidade?

É preciso que revejamos isso e que comecemos por dar atenção à questão dos assentamentos, aos acampamentos e ao Movimento dos Sem-Terra, que têm trazido algum dissabor. Às vezes a causa é justa, mas o método é equivocado. Não podemos permitir que ilícitos sejam praticados em razão de uma causa justa. Não podemos continuar assistindo passivamente a homens que precisam realmente de uma oportunidade para trabalhar, armados de foice, facão e machado, quebrando cercas, adentrando propriedades privadas, abatendo animais de terceiros para mitigar a sua fome, e isso não seja tratado como um ilícito. É ilícito e não podemos permitir. É preciso que tracemos o norte e o rumo correto para os sem-terra porque, daqui a pouco, isso vira moda e os sem-teto também podem começar a adotar procedimento igual: saqueando caminhões, invadindo lotes na cidade urbana, querendo um pedaço do terreno e falando: sou sem-teto, não tenho onde morar e vou construir aqui o meu abrigo em um pedaço do seu terreno.

Entendo que o direito de propriedade, uma das cláusulas pétreas da Constituição, tem que ser respeitado para que o Estado de direito seja mantido neste País. Todo cidadão tem que ter o tratamento de respeito e igualdade. Penso que o direito de propriedade é irmão gêmeo do direito de liberdade. O cidadão tem que ter o direito de ir e vir e o direito de conquistar a sua propriedade e não tomá-la à força.

Por isso, Sr. Presidente, preocupou-me sobremodo, ao verificar na Belém-Brasília, em vários trechos no Estado do Tocantins, em estradas estaduais e em algumas estradas vicinais próximas às propriedades rurais, a multiplicação de acampamentos, gerando uma expectativa falsa. É preciso que orientemos esses brasileiros que estão ali, querendo apegar-se a uma chama de esperança, mas que, na sua grande maioria, talvez não tenham nenhuma aptidão, não saibam como lidar com a terra, não saibam como tirar da terra o seu sustento e o da sua família. Estão ali alimentando a esperança de que podem ter um pedaço de terra e o apoio do Incra para sobreviver por determinado tempo.

O que está acontecendo com a grande maioria dos assentamentos são os assentados, depois, vendendo as suas propriedades e indo buscar oportunidade de ser assentado em outro local, num círculo vicioso que não contribui para o seu desenvolvimento, levando à instabilidade, à intranqüilidade ao meio rural brasileiro e não trazendo, para a sociedade brasileira, o tratamento de igualdade que esperamos possa ter todo cidadão, quer do campo, quer da cidade.

Era o que eu tinha a dizer, nesta tarde, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/07/2003 - Página 19361