Discurso durante a 14ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância do microcrédito. Depoimento do ex-Presidente do Banco Central, Gustavo Franco, amanhã, na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga evasão de divisas pelo Banestado de Nova York.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • Importância do microcrédito. Depoimento do ex-Presidente do Banco Central, Gustavo Franco, amanhã, na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga evasão de divisas pelo Banestado de Nova York.
Publicação
Publicação no DSF de 22/07/2003 - Página 19372
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DISPONIBILIDADE, GOVERNO FEDERAL, CREDITOS, PROPRIETARIO, MICROEMPRESA, PEQUENA EMPRESA, CONTRIBUIÇÃO, REDUÇÃO, DESEMPREGO, FAVORECIMENTO, RETORNO, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, BANCO ESTADUAL, ESTADO DO AMAPA (AP), DESENVOLVIMENTO REGIONAL, FACILITAÇÃO, ACESSO, POPULAÇÃO, SERVIÇO BANCARIO, FINANCIAMENTO.
  • CRITICA, GUSTAVO FRANCO, EX PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), DETERMINAÇÃO, FECHAMENTO, BANCO ESTADUAL, ESTADO DO AMAPA (AP), PREFERENCIA, AUXILIO, BANCO PARTICULAR.
  • REGISTRO, PREJUIZO, POPULAÇÃO, ESTADO DO AMAPA (AP), FECHAMENTO, BANCO ESTADUAL.
  • EXPECTATIVA, DEPOIMENTO, GUSTAVO FRANCO, EX PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, APURAÇÃO, EVASÃO DE DIVISAS, BANCO DO ESTADO DO PARANA S/A (BANESTADO), ESCLARECIMENTOS, FAVORECIMENTO, BANCO PARTICULAR.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o povo brasileiro é criativo e empreendedor. No entanto, para que possamos concretizar nossos projetos, nossos empreendimentos, necessitamos de crédito. E V. Exª foi Governador do Piauí e sabe muito bem da importância do microcrédito, o crédito para os pobres, porque os ricos deste País sempre tiveram acesso ao crédito, mas nem sempre honraram seus débitos.

Portanto, eu queria falar da importância do microcrédito e citar, particularmente, dois exemplos: um positivo e outro muito freqüente na história do Sistema Financeiro Nacional, que passa por uma fase de descoberta de situações irregulares, que até poderíamos classificar, talvez mais à frente, de criminosas, como, por exemplo, a evasão de divisas em Foz do Iguaçu, provocada pela liberalidade do Banco Central.

Queria citar aqui que, em abril de 2000, depois de pelo menos dois anos de pesquisas, de treinamento e de capacitação, formamos uma equipe para montar uma agência de fomento, um banco do povo para operar o microcrédito. Além de capacitar a equipe, também introduzimos princípios de ética e o compromisso com o sucesso do empreendimento, para demonstrar que é possível que o Estado, por meio de políticas, pode operar uma agência de crédito, uma agência de investimento com sucesso.

O nosso objetivo, na verdade, era provar que podemos fazer política com correção, em vez daquilo que conhecemos, segundo o conceito por que o cidadão comum define a política e os políticos, e que a política pode ser um indutor, uma luz e um caminho construtivo para a sociedade.

Ora, nesses dois anos - exatamente de abril de 2000 a abril de 2004 -, implantamos e operamos essa agência de investimento, tomando uma medida importante: colocamos um placar capaz de prestar contas diárias do número de financiamentos e de inadimplentes. Lembro-me, ainda hoje, de alguns dados de abril de 2002, há mais ou menos um ano. Em dois anos de operação, fizemos pouco mais de 7 mil empréstimos, num total de R$12 milhões, gerando e mantendo 8 mil empregos. Foram pequenos créditos.

Imaginem um jogo em um estádio de futebol. Um cidadão desempregado, como milhares neste País, podia acessar um pequeno crédito para vender bebidas na porta do estádio. Foi com esse tipo de crédito de liberação imediata e sem burocracia que trabalhamos durante dois anos. O resultado foi que, além dos 8 mil empregos gerados em uma população de 500 mil habitantes, o projeto teve sucesso.

O índice de inadimplência foi surpreendente: nunca maior do que 2%. Esse fato reafirma o que V. Exª mencionou em um dos seus pronunciamentos, ou seja, que os pobres deste País são honestos e pagam suas contas.

Esta agência de fomento do Amapá, que é o Banco do Povo do Amapá, é sucedânea do Banco do Estado do Amapá. Quero fazer um breve histórico do que aconteceu com este banco.

Em setembro de 1997, o Banco do Estado do Amapá foi liquidado extrajudicialmente por determinação do Banco Central. O fato que motivou o fechamento foi uma tentativa de fraude não consumada. O Banco do Amapá emitiu certificado de custódia de títulos de propriedades de terras rurais privadas na Amazônia, por um absurdo valor de R$6 bilhões. Ao serem traduzidos para o inglês, os certificados de custódia foram transformados em “certificados de garantia”, com a aquiescência do banco local, agravando e aumentando as suspeitas sobre a operação.

Ao tomar conhecimento dessa operarão bizarra, mandei cancelá-la - eu era Governador do Amapá - e comuniquei o fato ao Banco Central, mandando instalar uma sindicância e pedindo à polícia para proceder às investigações. O Banco do Estado não havia liberado nenhum recurso, portanto, o erro podia ser reparado sem prejuízos para a instituição. Mas a resposta do Banco Central foi a liquidação extrajudicial do banco - em outubro de 1997 -, a qual foi imposta por intermédio das armas da Polícia Federal.

Publicamente a ação foi justificada por meio dos mesmos argumentos - pasme, Sr. Presidente! - que o Banco Central empregou para outorgar US$1,6 bilhão a dois bancos privados - usaram os mesmos argumentos. Para fechar o Banco do Estado do Amapá, o Banco Central usou o mesmo argumento para liberar US$1,6 bilhão. O Banap - Banco do Estado do Amapá - estaria colocando em risco a estabilidade da moeda e o sistema financeiro do País. Só que, no Banap, havia apenas R$11 milhões de dívida, duas agências e 50 mil pequenos correntistas, com R$100,00, R$200,00 etc. Na verdade, o Banap apresentava déficit crônico, resultante de créditos que favoreciam pessoas e instituições insolventes, fundamentado no clientelismo e no apadrinhamento político, que é uma regra no País, infelizmente.

Entretanto, o que efetivamente contesto é a forma truculenta, intempestiva e desavisada como o Banco Central tratou a questão do Banco do Estado Amapá, sem levar em conta as graves conseqüências econômicas, financeiras e sociais que a liquidação extrajudicial acarretaria a um Estado pobre.

Embora pequeno, o Banco do Estado do Amapá exercia papel importante na economia local. A maior parte dos pagamentos e recolhimentos efetuados pelo Estado, bem como contratos e convênios, transitava pelo banco. Além disso, quase 10% da população dependia diretamente da instituição para suas operações cotidianas, fato que não pode ser ou não poderia ter sido negligenciado.

Com essas medidas extremas o Banco Central provocou uma verdadeira desordem econômica e financeira no Amapá. Os correntistas tiveram suas contas bloqueadas durante quase um ano, todos os contratos e convênios do Estado com a sociedade civil, Governo Federal e organismos internacionais ficaram bloqueados. O que se esperava numa situação dessa é que as autoridades monetárias - ou seja, o Banco Central - assegurassem um mínimo de equilíbrio e ordem econômica, principalmente em regiões desfavorecidas e que procuram alternativas para sair do subdesenvolvimento.

Mas não foi o que aconteceu. O Banco Central, na época presidido pelo Sr. Gustavo Franco, tomou uma atitude arrogante e desproporcional à situação apresentada. No caso do Banco do Estado do Amapá (Banap), bastaria uma intervenção que assegurasse aos correntistas a liberdade de movimentar seus ativos, evitando-se assim a paralisia da economia local, mesmo numa hipótese de fechamento da instituição bancária.

O tratamento dado aos Bancos Marka e FonteCidam, de triste memória, foi também desproporcional, muito embora em situação oposta ao tratamento dado a um pequeno banco estadual. Porque eram aventureiros e privados receberam um aporte de recursos equivalente ao Orçamento de três Estados da Região Norte do Brasil - imagine esses US$1 bilhão e 600 milhões aplicados no Piauí, Sr. Presidente.

O dinheiro entregue aos dois bancos privados em um só dia seria suficiente para construir uma estrada do Oiapoque ao Chuí, mais de quatro mil quilômetros de estrada. Foi esse o montante de dinheiro que o Banco Central, por intermédio do seu Presidente Gustavo Franco - que amanhã vai depor na CPI do Banestado, que trata da evasão de divisas -, liberou para o Banco FonteCindam, ao mesmo tempo em que decretou a liquidação extrajudicial, com polícia armada na porta, de um pequeno banco com 50 mil correntistas que tiveram seus recursos presos durante mais de um ano. E muito desse dinheiro estava previsto para custear tratamentos de saúde ou até para compra de alguns equipamentos fundamentais na vida dessas pessoas.

Observem o tratamento desigual: enquanto dois bancos conduzidos por aventureiros - um deles está foragido e nunca mais retornou ao Brasil - receberam US$1,6 bilhão, o banco do meu Estado recebeu uma punição. E, pasmem: o Banco Central já tinha conhecimento. Estávamos investigando. A minha interrogação é que essa operação de tentativa de fraude tinha acompanhamento do Banco Central. Fechou-se um banco de Estado em uma região em que quase não existem bancos. As pessoas hoje passam horas na fila para conseguir qualquer serviço das agências bancárias, que eram pouquíssimas. O banco do Estado tinha essa função de prestar serviços à comunidade, e ficamos sem as duas agências que representavam praticamente 30% de um total de seis ou sete agências no máximo. Havia duas agências do banco do Estado e pelo menos três ou quatro de outros bancos - Banco do Brasil, Banco da Amazônia e outros dois bancos. E o Banco Central, de uma forma insensível, discriminatória, arrogante, fecha esse banco, ao mesmo tempo em que abre as porteiras para a evasão de divisas em Foz do Iguaçu. E o Banco Central sabia dessa evasão de divisas; sabia da grande lavanderia em que se transformou Foz do Iguaçu. Qualquer cidadão que acumulou dinheiro de forma ilegal neste País transferiu recursos para os laranjas em Foz do Iguaçu e de lá para o mundo.

Portanto, amanhã o Sr. Gustavo Franco deverá explicar por que de um lado tomou decisões tão draconianas em uma situação em que isso não seria cabível; foram decisões desrespeitosas, considerando-se as diferenças regionais deste País. Em um Estado como o Amapá, na margem esquerda do rio Amazonas, um Estado isolado, quase caribenho, quase no platô das Guianas, ele tomou a decisão de fechar o banco, com polícia na porta. Com relação aos bancos de aventureiros, ele toma a decisão de investir bilhões para salvar o sistema financeiro nacional. Um deles devia 10 milhões de reais, dinheiro esse que nós estávamos viabilizando, não havia dificuldade porque todos os depósitos do Estado eram feitos no banco. Assim, esse déficit de 10 milhões desapareceria em função dos depósitos feitos pelo Estado; não haveria problemas, não ocorreria calote em ninguém, pois o banco estava equilibrado. Da mesma forma que, mais tarde, concebemos, implantamos e fizemos um banco de investimento de tamanho sucesso. É evidente que o sucesso do nosso banco se deve à condução política, porque hoje a instituição convive com a inadimplência porque saíram da linha correta dos pequenos investimentos para os pobres e concentraram e se concentraram novamente, guardadas as devidas proporções, em grandes investimentos. Por isso o banco de investimento do Amapá, hoje, vive situação de dificuldade e já não pode emprestar aquilo que é decisivo para o desenvolvimento. Mais de 50% da economia brasileira vive na informalidade. O nosso banco tinha exatamente a finalidade de emprestar para os empreendedores que estavam na informalidade, a fim de fazer com que eles entrassem na formalidade, registrassem as suas empresas e daí para frente tocassem os seus negócios no marco da legalidade. Portanto, fica aqui essa tentativa de rememorar um pouco a história do sistema financeiro nacional, que além de injetar bilhões e bilhões para salvar bancos falidos, puniu, em uma tentativa de mostrar que estava moralizando, um banco pequeno, de uma região profundamente necessitada, ao mesmo tempo em que desviava a atenção da fuga de divisas de Foz do Iguaçu.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/07/2003 - Página 19372