Discurso durante a 15ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o modelo de saúde pública no Brasil.

Autor
Mão Santa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
Nome completo: Francisco de Assis de Moraes Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Considerações sobre o modelo de saúde pública no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 23/07/2003 - Página 19409
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, SAUDE PUBLICA, BRASIL, POSTERIORIDADE, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), DADOS, PRECARIEDADE, FUNCIONAMENTO, HOSPITAL, REDUÇÃO, NUMERO, LEITO HOSPITALAR, DESEMPREGO, DIFICULDADE, SISTEMA, SUPLEMENTAÇÃO, CONVENIO, PLANO, SAUDE, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, MODELO, SISTEMA, SUPLEMENTAÇÃO, SAUDE, DETALHAMENTO, RECLAMAÇÃO, USUARIO, EMPRESA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, CONVENIO, MEDICO, REGISTRO, REAJUSTE, INFERIORIDADE, INFLAÇÃO, AUTORIZAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR (ANS), CRITICA, VETO (VET), GOVERNO FEDERAL, EXTENSÃO, SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES DAS MICROEMPRESAS E DAS EMPRESAS DE PEQUENO PORTE (SIMPLES), SETOR, EXPECTATIVA, REAVALIAÇÃO, POSIÇÃO.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Luiz Otávio, do PMDB do grandioso Estado do Pará, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, brasileiras e brasileiros aqui presentes e aqueles que acompanham esta sessão pela TV Senado ou pela Rádio Senado, volto a esta tribuna para falar de saúde, área a que, desde a minha mocidade, tenho dedicado atenção especial. Os melhores dias de minha adolescência foram gastos na busca da ciência, para, com ciência e consciência, servir ao Piauí e ao Brasil.

A Organização Mundial de Saúde reza que saúde não é apenas a ausência de enfermidade ou de doença, é o mais completo bem-estar físico, social e mental. Para o bem-estar social, orienta-nos a combater a miséria, o pauperismo, a fome e o desemprego.

Sem dúvida nenhuma, essa definição é o motivo pelo qual muitos profissionais de saúde, médicos, ingressam na política. O maior exemplo desses políticos, em 502 anos de Brasil, foi Juscelino Kubitschek de Oliveira. A Medicina é a mais humana das ciências, que faz de um médico um grande benfeitor da humanidade. Aqui no Senado somos seis médicos: os Senadores Antonio Carlos Magalhães, Tião Viana, Augusto Botelho, Papaléo Paes, Mozarildo Cavalcanti e este orador.

Ao buscar a saúde, que constitui o bem-estar social, encontramos na política e suas ações o instrumento por meio do qual podemos levar saúde ao povo.

O problema da saúde no Brasil é grave. Se fizermos uma pesquisa, Sr. Presidente, Senador Luiz Otávio, que corresponda a um diagnóstico real, veremos que as três maiores doenças deste País são o desemprego, a violência e a saúde.

No caso da saúde, os nossos governantes, com muita sensibilidade, criaram o Sistema Único de Saúde. Foi um avanço muito grande, porque antes só tinham direito aos serviços de saúde pública aqueles que tinham a carteirinha dos antigos institutos de previdência: o IAPC, dos comerciários; o IAPB, dos bancários; o IAPFESP, dos ferroviários; e o IAPI, dos industriários. O primeiro governo da Revolução, de Castello Branco, unificou todos esses institutos e criou o gigante INPS, mas o acesso à saúde pública continuava restrito aos que tinham a carteirinha. Foi no Governo do Presidente Sarney que se instituiu o SUS, cuja intenção era ser como o sol, igual para todos.

Mas, neste momento, é grave a situação da saúde. Mesmo em Brasília - esta cidade poderosa, a Capital do País, a ilha da fantasia e da riqueza - o sistema de saúde está deficitário, passando por dificuldades, haja vista as críticas que diariamente lemos na imprensa sobre o Hospital de Base. Imagine, então, Sr. Presidente Luiz Otávio, o que se passa com os hospitais das quase seis mil cidades brasileiras, do longínquo Pará ou do interior do Piauí!

O sistema de saúde como um todo no Brasil, infelizmente, caminha para o sucateamento, apesar de responder atualmente por 6,5% do PIB, o que equivale a cerca de R$70 bilhões e gera nada menos que dois milhões de empregos diretos, além de outros cinco milhões de postos indiretos de trabalho. Além do aspecto social, a saúde é uma das mais importantes fontes de geração de empregos em nosso Brasil, Senador Paulo Paim: sete milhões.

Os estabelecimentos de saúde vêm contabilizando sucessivas perdas, desde a desvalorização do real diante do dólar em 1999, e a grave crise que se abateu sobre o segmento a partir de então acabou resultando no fechamento de várias unidades hospitalares, na redução do número de leitos e na demissão de funcionários. Segundo dados do IBGE, na última década, a rede privada - que responde por 70% dos leitos disponíveis no País - perdeu nada menos do que oitenta mil leitos hospitalares nesses dez anos.

Ora, uma vez que o Estado não consegue prover assistência médico-hospitalar à população, boa parte dela passa a depender da rede privada conveniada ao SUS e do sistema suplementar, por meio das operadoras de planos de saúde que atendem hoje cerca de 35 milhões de brasileiros.

Esse sistema suplementar envolve uma complexa engrenagem composta por usuários, prestadores e tomadores de serviços (operadoras, seguradoras, cooperativas médicas e empresas de medicina de grupo). No entanto, nenhuma das partes demonstra satisfação com o modelo atualmente praticado no País. Os usuários reclamam do aumento das mensalidades e das restrições contratuais; os prestadores já amargam seis anos de congelamento nos seus preços; os planos alegam dificuldades advindas da obrigatoriedade de ampliação das coberturas; e os médicos vêm sofrendo com as reduções de seus honorários.

Vale lembrar que o setor de saúde é o único da economia que ainda tem os seus preços controlados pelo Governo. Mesmo sem receber qualquer reajuste em suas diárias, taxas e coeficientes de honorários médicos desde 1997, os estabelecimentos e serviços de saúde vêm arcando com o aumento constante dos seus custos: aumentam os tributos, aumentam as tarifas públicas, aumentam a energia, aumentam a água, aumentam o telefone, reajustam os preços de insumos e materiais, além da dolarização dos preços de equipamentos médico-hospitalares.

Com as unidades credenciadas ao SUS, a situação também não é diferente, pois estão há oito anos sem receber reajustes compatíveis com a realidade dos valores da maioria dos seus procedimentos. Em contrapartida e, por força da natureza de sua atividade, as unidades hospitalares não podem se furtar a continuar investindo em tecnologia e modernização, adquirindo equipamentos de ponta e arcando com o treinamento e reciclagem dos seus profissionais.

Como se não bastassem todas essas dificuldades, o segmento de saúde acaba de ser bombardeado por mais duas péssimas notícias: a sua exclusão do Simples (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições) e o aumento máximo de 9,270%, a partir de maio, autorizado pela ANS, às operadoras, quando os índices de inflação oficiais apontam percentuais bem superiores (cerca de 19%).

Convém ressaltar que a Agência Nacional de Saúde (ANS) é a única agência reguladora a fixar seus reajustes em percentuais bem abaixo dos índices de inflação, não repondo as perdas do período, o que só vem agravar ainda mais a crise no setor. Com um reajuste abaixo das expectativas e reais necessidades, conseqüentemente todo o sistema será afetado.

O veto do Governo à extensão do Simples à área da saúde - um antigo pleito das entidades representativas dos prestadores de serviço - foi mais um golpe sofrido pelo segmento. Num primeiro momento, a inclusão deste e de outros setores, como casas lotéricas, franquias de correios, creches e auto-escolas no Simples estava prevista na Medida Provisória nº 66, conhecida como mini reforma tributária. No entanto, foram todos vetados quando da sua conversão no Projeto de Lei nº 10.637/02. Porém, agora, o Governo volta a sinalizar no sentido de contemplar a maioria desses setores, exceto o da saúde, uma área vital e responsável pelo atendimento de milhões de pessoas, inclusive por meio do SUS.

Não é possível conceber tal diferenciação - e por que não dizer discriminação - a um setor já tão castigado e penalizado pela ausência de uma política econômica que zele pela sua sobrevivência. Se o receio do Governo é ver sua arrecadação diminuir, atentamos para o fato de que, com a extensão do Simples à saúde, todos sairiam ganhando, uma vez que, ao se ter uma alíquota menor, a capacidade de recolhimento por parte dos estabelecimentos seria naturalmente maior e, conseqüentemente, o índice de inadimplência cairia. Hoje, 80% da rede credenciada ao SUS é formada por pequenos hospitais, localizados nas regiões mais longínquas do País e com faturamento mensal inferior a R$100 mil - 80% dos hospitais têm o seu orçamento menor que R$100 mil! -, que não têm como arcar com a alta carga tributária que lhes é imposta.

Já o índice de reajuste recém-anunciado às operadoras também afetará os prestadores. Embora tenha ficado muito abaixo dos índices pleiteados, a verdade é que, de 1999 para cá, as operadoras foram agraciadas com mais de 40% de reajuste autorizado pelo Governo, enquanto que absolutamente nada deste montante foi repassado aos prestadores, inviabilizando a sobrevivência do segmento como um todo.

Os estabelecimentos de saúde, como qualquer outra empresa, precisam gerar resultados para honrar seus compromissos. O setor urge por uma reavaliação dos valores hoje praticados. Esperamos que o Governo consiga restabelecer uma relação sadia entre as empresas tomadoras, os serviços prestadores e usuários, a fim de que as dificuldades possam ser superadas e que o paciente, objeto maior da nossa existência, seja bem atendido e tenha acesso a uma medicina de alto nível, como lhe é de direito. Do contrário, muitas outras unidades poderão vir a ser fechadas e profissionais dispensados, comprometendo o atendimento à população.

Sr. Presidente, está a encerrar o nosso tempo, mas é tempo de entendermos, Senador Arthur Virgílio, que, no sistema de saúde, a maior autoridade não é o Presidente da República, muito menos o Ministro da Saúde, mas, sim, o doente.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/07/2003 - Página 19409