Pronunciamento de Hélio Costa em 23/07/2003
Discurso durante a 16ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Importância do estatuto do desarmamento, a ser apreciado hoje, no Senado Federal.
- Autor
- Hélio Costa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MG)
- Nome completo: Hélio Calixto da Costa
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SEGURANÇA PUBLICA.:
- Importância do estatuto do desarmamento, a ser apreciado hoje, no Senado Federal.
- Aparteantes
- Ney Suassuna, Roberto Saturnino.
- Publicação
- Publicação no DSF de 24/07/2003 - Página 19499
- Assunto
- Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
- Indexação
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- REGISTRO, IMPORTANCIA, VOTAÇÃO, SENADO, APRECIAÇÃO, RELATORIO, PROPOSTA, CRIAÇÃO, ESTATUTO, DESARMAMENTO, REGULAMENTAÇÃO, POSSE, ARMA DE FOGO, PROIBIÇÃO, PORTE DE ARMA, CARACTERIZAÇÃO, CRIME INAFIANÇAVEL, COMBATE, CRIME, VIOLENCIA, ZONA URBANA.
- COMPARAÇÃO, LEGISLAÇÃO, ARMA DE FOGO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), JAPÃO, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, BRASIL, EXCESSO, DESIGUALDADE SOCIAL, CONTRIBUIÇÃO, VIOLENCIA, ANALISE, IMPORTANCIA, DESARMAMENTO, BENEFICIO, SEGURANÇA PUBLICA, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO, TURISMO, AMBITO NACIONAL.
O SR. HÉLIO COSTA (PMDB - MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje à tarde, o Plenário do Senado vai votar o Estatuto do Desarmamento, que engloba todas as proposições apresentadas, tanto no Senado quanto na Câmara, com respeito à questão das armas de fogo no Brasil, responsáveis, certamente, por milhares e milhares de assassinatos em nosso País - crimes que, na visão do legislador, poderiam ser evitados se já estivesse em vigor o Estatuto que hoje está sendo submetido ao Plenário do Senado.
Recordo-me de que, nas viagens que fiz como correspondente internacional da televisão brasileira, tive a oportunidade de visitar o Japão exatamente para fazer um trabalho relacionado com a violência nas grandes cidades.
Lá chegando, fui apresentado ao chefe de polícia da cidade de Tóquio, que me forneceu dados inacreditáveis. Segundo os números apresentados, no espaço de um ano - isso aconteceu há aproximadamente dez anos -, tinha havido, numa cidade de então oito milhões de habitantes, apenas quatro assassinatos.
É evidente que estamos falando de uma cultura diferente, de um país que tem um controle rígido sobre as armas de fogo, principalmente aquelas de cano curto, que ficaram famosas no mundo inteiro com o nome de saturday night special, ou seja, o especial de sábado à noite.
Mas o fato é que esses números me deixaram profundamente impressionado, porque contrastavam com os números reais que tínhamos no Rio, em São Paulo, nas grandes cidades brasileiras. Na época, em São Paulo, havia, em média, mais de 100 assassinatos por dia, e, no Japão, em uma cidade de oito milhões de habitantes, quatro assassinatos em um ano.
As leis que foram feitas lá são simples, objetivas, claras, como aquelas que hoje o Senado da República apreciará na sessão plenária que ora se inicia.
Creio que não haja um Senador, uma Senadora, um legislador, um cidadão que não se sinta diminuído, quando vê uma pessoa ser assassinada de uma forma brutal, friamente, como acontece todos os dias nas grandes cidades brasileiras.
Entre nós, legisladores, Senadores e Senadoras, dificilmente se encontra um de nós que não conheça uma pessoa que tenha sido vitimada por essa violência, que está totalmente fora de controle nos grandes centros e que já começa, aos poucos, a chegar ao interior, até às pequenas cidades. Conheço cidades que há dez anos não tinham um único assassinato por ano e que hoje já têm um por semana; isso há apenas dez anos, numa cidade do interior. A que se deve isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores?
É claro e evidente que há uma situação econômica que pressiona, que leva a atos impensados, a constrangimentos, à falta de absolutamente tudo, às diferenças entre classes sociais. Todos os temores, toda essa violência são decorrentes, evidentemente, da situação econômica lamentável que vivemos em nosso País há vários anos.
Mas o primeiro passo para se corrigir essa questão tão grave está sendo dado hoje, no Plenário do Senado, quando será apreciado o relatório sobre o Estatuto do Desarmamento, que propõe medidas sérias, posições firmes da parte das autoridades com relação ao porte e à posse de arma, principalmente abolindo o porte de arma, tornando-o, inclusive, um crime inafiançável e autorizando, com exceções evidentemente, a posse, que é ter uma arma em casa. É importante que se faça essa distinção entre o porte e a posse.
O porte não é permitido em país nenhum. Em qualquer país do mundo a que se vá - na Europa, na própria América, nos países de Primeiro Mundo, civilizados -, não se permite que um cidadão caminhe na rua com uma arma na cintura; isso é coisa do oeste americano, há duzentos anos. E, mesmo no oeste americano, já havia sido abolido o porte de arma. Acho que não é preciso lembrar aqueles velhos faroestes, em que alguns xerifes já não permitiam sequer que os bandoleiros chegassem às pequenas cidades e entrassem com a arma no coldre, na cintura; isso há duzentos anos. E ainda há leis, no Brasil, que permitem o porte da arma. Qualquer cidadão vai à autoridade competente, tira um porte, compra uma arma, coloca-a na cintura e está pronto para se envolver em qualquer ato que pode levá-lo a praticar uma violência. E quantas e quantas vezes, nós mesmos vivemos situações em que, se tivéssemos uma arma, teríamos cometido um impropério.
Confesso que, durante algum tempo, fui favorável ao porte e posse da arma, porque vivi situações extremamente difíceis. Durante muito tempo, fui apresentador de um programa de televisão que, toda semana, levantava crimes bravos, graves, bárbaros, em todo o País. E, por essa razão, tinha até que andar com segurança armada. Mas, aos poucos, fui-me convencendo de que não é necessariamente o porte de armas que dá a segurança. Não é, obrigatoriamente, ter uma arma na cintura que lhe dá a certeza de que está protegido, até porque as estatísticas são muito claras: 85% das vítimas de crimes cometidos com armas de cano curto no País - que chegam a 61% de todos os assassinatos praticados - são surpreendidas pelo assassino. O assassino não pára sua vítima e anuncia que lhe dará um tiro para matá-la. Não. Ele chega de surpresa, de forma inesperada, dá o bote. A vítima nunca sabe que ele está para cometer o crime, muitas vezes pelas costas, de longe; porque a arma de fogo permite isso, que a vítima esteja longe do seu agressor.
Esses números são muito graves, Srªs e Srs. Senadores; colocam o Brasil numa situação lamentável. Conforme disse o Líder do PMDB no seu discurso, esta semana, neste plenário, o Brasil representa 2,3% da população do mundo e representa 10% dos crimes praticados com arma de fogo no planeta. Isso é um absurdo, isso nos tira todas as possibilidades, todas as chances de projetar o Brasil em um setor internacional de turismo, para mostrar as suas belezas, as belezas do Pantanal, da nossa Amazônia, as belezas de Foz do Iguaçu, dos nossos pampas do Rio Grande, das nossas cidades históricas de Minas Gerais, da nossa capital Brasília, do nosso Nordeste, do nosso Rio de Janeiro, de São Paulo, que é a locomotiva econômica deste continente. Porque as pessoas têm medo de vir ao Brasil. Qualquer turista que esteja pensando em vir ao Brasil, tem de tomar uma decisão, porque ele pode ir à Grécia com a certeza de que não será molestado; pode passar até pelo Oriente e não ser molestado. Mas, quando o turista tem a opção de vir ao Brasil, primeiro passa pela sua cabeça a possibilidade de ser vitimado nas ruas do Rio de Janeiro, São Paulo ou de qualquer capital brasileira. Recentemente, houve assassinatos de turistas nas principais cidades brasileiras.
O turismo representa hoje a mais importante indústria mundial. O Brasil participa dele com o mínimo: 1,8%. Lamentavelmente, a violência impede o País de ser receptor de milhares e milhares de europeus, americanos, latino-americanos, orientais, que gostariam de vir ao Brasil, mas que se sentem amendrontados com a violência que aqui existe.
Voltando aos números: 2,3% da população mundial e 10% dos crimes praticados com armas de fogo. Só no ano passado, perdemos 50 mil vidas pelas armas de fogo. Srªs e Srs. Senadores, isso equivale a 10 anos de guerra no Vietnã, período em que morreram 50 mil americanos. Em um ano, no Brasil, morreram 50 mil pessoas nas ruas das nossas cidades vitimadas por armas de fogo. É uma guerra!
Esta é a guerra que está sendo enfrentada hoje no plenário do Senado da República, quando vamos aprovar o Estatuto do Desarmamento, que leva, sim, em consideração as pessoas de bem que precisam ter uma arma em sua residência, em sua propriedade, que vivem em lugares ermos, distantes, que se sentem mais protegidas - e neste caso há até uma lógica aceitável - com uma arma em casa. O Estatuto prevê isso. O Estatuto não é vertical em estabelecer que é absolutamente impossível ter-se uma arma de qualquer forma na cintura ou em casa. Não! Ele proíbe o porte, torna-o um crime inafiançável, mas permite a posse em casa, desde que o dono da arma a tenha registrado, desde que ele tenha passado por um teste psicológico, desde que ele tenha mostrado às autoridades a sua ficha, desde que tenha uma biografia limpa na polícia, desde que saiba manejar uma arma.
O Senador Romeu Tuma sabe como é importante saber manejar uma arma. Não adianta ter uma arma na cintura e achar que está protegido, porque qualquer bandido, em qualquer rua, sabe atirar. E o cidadão que acha que está protegido com uma arma na cintura ainda morre com a arma na mão.
Então, o Estatuto prevê isso, o minimum minimorum de instrução de como usar uma arma de fogo, conforme o relatório aprovado na semana passada na comissão mista criada pelo Presidente José Sarney para apreciar todas as matérias aqui relacionadas e da Câmara dos Deputados sobre a questão do armamento das armas de fogo. O Estatuto prevê inclusive um plebiscito, um referendo, daqui a três anos, para saber se devemos proibir a venda de armas, porque foi retirada do texto essa parte.
É evidente que o Relator levou em consideração o fato de que a indústria de armas de cano curto principalmente, sediada no Rio Grande do Sul, emprega cerca de 45 mil pessoas. Temos de levar isso, sim, em consideração. Sabemos que a produção de armas no Brasil é quase toda dedicada à exportação, mas é fundamental que se evite o retorno dessas armas por meios ilícitos nas fronteiras dos países vizinhos do Brasil, porque isso acontece todos os dias, Sr. Presidente. V. Exª, como grande especialista nesta área, sabe que, infelizmente, qualquer cidadão que atravessar a fronteira com o Paraguai volta de lá com uma arma e tem pouquíssimas possibilidades de ser barrado na alfândega e impedido de ingressar no País com uma arma de fogo.
O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Posso aparteá-lo?
O SR. HÉLIO COSTA (PMDB - MG) - Perfeitamente, Senador Saturnino.
O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Quero cumprimentar V. Exª e corroborar as razões que apresenta sobre a ilusão que permeia muitas opiniões de que o cidadão armado está mais protegido contra o crime do que o cidadão não armado. Sabemos que há muitas condições que apontam até o contrário. Quem está armado sofre um risco maior: primeiro, porque pode não saber usar a arma tão bem quanto o bandido; segundo, porque, como V. Exª disse, na maioria das vezes é apanhado de surpresa e, se tem uma arma, pode ser alvejado com mais probabilidade; terceiro, porque em geral o bandido não age sozinho, ele tem dois ou três que o protegem e são dois ou três armados contra um. Ou seja, o risco de sofrer ferimento e morte é muito maior quando a pessoa está armada. A ilusão de que o cidadão armado está mais protegido precisa ser combatida. Não é verdade, pois as estatísticas apontam exatamente o contrário. É preciso esclarecer para que, neste plebiscito a que V. Exª está se referindo, a população venha, consciente desse fato, a se pronunciar corretamente.
O SR. HÉLIO COSTA (PMDB - MG) - Muito obrigado pelo seu aparte, Senador Saturnino. V. Exª, que já dirigiu uma das mais bonitas e importantes cidades do País, o Rio de Janeiro, sabe das conseqüências lamentáveis que a violência traz ao turismo, à presença naquela cidade de importantes empresas e, evidentemente, ao cidadão comum que tem que se deslocar da sua residência todos os dias até o seu local de trabalho.
Quero cumprimentar o Senador César Borges pelo seu relatório e o Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, que condensou todas as propostas, juntamente com o Senador César Borges. Precisamos, nesta tarde, encontrar o caminho e darmos o primeiro e decisivo passo em direção não do controle das armas de fogo, mas o primeiro passo para acabar com a violência nas pequenas e grandes cidades, a violência urbana, a violência que todos os dias está nos jornais, nas primeiras páginas, na televisão, roubando a tranqüilidade de cada um de nós.
São vinte milhões de armas de fogo que existem no País, e os números são muito claros: apenas um milhão e meio dessas armas são legalizadas. Temos, portanto, dezoito milhões e meio de armas ilegais que já mataram, que continuam matando e que estarão matando se não forem enquadradas nesse estatuto que se propõe a ser o primeiro passo da contenção da violência no País.
Importantíssimo lembrarmos que ele propõe, sim, o fim do porte de armas, tornando-o inafiançável: quem for apanhado com arma a partir da sanção da lei pegará de dois a quatro anos de prisão. Isso, porém, é pouco. Digo isso porque vivi em Nova Iorque como correspondente internacional e sei que, naquela cidade, quem for apanhado com uma arma, com qualquer arma, qualquer cidadão, é automaticamente preso por dois anos sem direito a qualquer recurso.
Ao apresentar esse estatuto, ao aprovar esse sistema de leis, estamos dando uma chance às pessoas para que deponham as suas armas. A lei é feita para o cidadão comum e não, lamentavelmente, para o bandido. O bandido tem que entender que a sociedade vai estar agora, mais do que nunca, preocupada em impedir as suas ações. A sociedade vai cortar todos os caminhos que ele usa para obter uma arma, para atuar com essa arma, portar essa arma e usá-la contra um cidadão comum.
Senador Ney Suassuna.
O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Eu queria me solidarizar com V. Exª, porque, com toda certeza, esse é um assunto no qual o Brasil todo pensa a toda hora, a todo instante. Já sofri na pele assalto, já levei tiro em assalto, perdi a minha primeira mulher em assalto e sei o quanto é doloroso não poder se defender. No entanto, sei também que quem vai se defender não conta com o fator surpresa que o bandido tem a seu favor e muitas vezes não tem o treino nem o equilíbrio que o bandido lamentavelmente tem, pelo uso constante da arma. Preocupa-me muito que um cidadão possa andar armado pelas ruas, mas eu acho que, nas residências, nós não podemos abrir mão de ter arma, pelo menos para nos defender. Quanto ao porte de arma, eu concordo inteiramente com V. Exª. Não é à-toa que vemos, nos filmes de várias nacionalidades, que a primeira coisa que o bandido faz é jogar a arma fora, porque portá-la representa prisão certa - pode o resto todo não contar, mas o porte da arma representa prisão certa. Acho que, com o tempo, podemos até promover o desarmamento. Aliás, acho que V. Exª está sendo otimista quando acha que são apenas dezoito milhões e meio de armas ilegais, pois acho que há muito mais. A pouca vigilância em nossas fronteiras e nossos próprios militares se encarregaram - bem entendido, os maus militares - de repassar uma grande quantidade de armas. Ultimamente, aumentou esse contingente com os assaltos aos quartéis. Por tudo isso, esse é um assunto que interessa a todos nós; é preciso que se faça uma cruzada para valer para acabar com a violência. Insisto, porém, que se deve permitir arma em casa, arma devidamente registrada, legal. Quanto ao porte de arma nas ruas, eu concordo em gênero, número e grau com V. Exª: não há por que permiti-lo, pois sabemos que, quando se perde a cabeça, numa hora de irritação, fica muito fácil cometer um crime se o cidadão estiver armado. Parabéns a V. Exª.
O SR. HÉLIO COSTA (PMDB - MG) - Muito obrigado pela observação de V. Exª, Senador Ney Suassuna.
Encerrando, Sr. Presidente, volto a citar o fato mais importante da manhã de hoje: a aprovação do Estatuto do Desarmamento. É o primeiro passo, é o passo decisivo, é o caminho para se conter a violência que, lamentavelmente, está ficando generalizada nas grandes e nas pequenas cidades. Certamente, medidas dessa envergadura ajudarão muito a diminuir a violência no País. Não temos dúvida, porém, de que a verdadeira solução da questão passa, também, pelo social. Perseguirmos uma melhor distribuição de renda no País, oferecendo oportunidades à nossa gente, possibilitando às populações mais carentes o mínimo para o seu sustento e dignidade são, também, medidas imprescindíveis para se conter a violência.
Muito obrigado, Sr. Presidente.