Discurso durante a 18ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à reforma tributária do governo federal.

Autor
Teotonio Vilela Filho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AL)
Nome completo: Teotonio Brandão Vilela Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Críticas à reforma tributária do governo federal.
Aparteantes
José Jorge, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 26/07/2003 - Página 20456
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ANALISE, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, GOVERNO FEDERAL, INEFICACIA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, PROMOÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL.
  • CRITICA, INSUFICIENCIA, ALTERAÇÃO, COBRANÇA, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), FALTA, CORREÇÃO, DESEQUILIBRIO, NATUREZA FISCAL, AGRAVAÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL.
  • COMENTARIO, INICIO, PERIODO, CONCENTRAÇÃO, INVESTIMENTO, INCENTIVO, REGIÃO SUL, REGIÃO SUDESTE, PREFERENCIA, INSTALAÇÃO, INDUSTRIA, REGIÃO, OFERECIMENTO, INFRAESTRUTURA, PRODUÇÃO INDUSTRIAL, TRANSPORTE, MÃO DE OBRA ESPECIALIZADA.
  • SOLICITAÇÃO, EMPENHO, SENADO, ALTERAÇÃO, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, FAVORECIMENTO, CRESCIMENTO, ECONOMIA, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE.

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna do Senado, nesta manhã, para tratar de tema que é hoje motivo de fundadas preocupações para todos nós, nordestinos. Trata-se da proposta de reforma tributária encaminhada ao Congresso Nacional, cujo relatório preliminar foi divulgado anteontem na Câmara dos Deputados.

Com um ritual e um aparato de marketing como há muito não se via no País, o Presidente da República trouxe ao Congresso Nacional, há quase noventa dias, o texto de suas reformas, a da Previdência e a tributária. Em relação à reforma da Previdência, o Governo patrocinou uma exagerada, massiva e até compreensível campanha de televisão. O Presidente e o seu Partido, afinal, não têm como esconder o remorso de haver impedido, boicotado e torpedeado, no Governo de Fernando Henrique, as reformas, que eles próprios, hoje, reconhecem como tardias, inadiáveis e imprescindíveis para o Brasil.

A reforma tributária, no entanto, teve tratamento diverso, talvez porque o texto, como chegou ao Congresso, mal disfarça o que parece ser o objetivo maior e, infelizmente, único: aumentar ainda mais a carga tributária, que já beira os 37% do PIB e, com a reforma proposta pelo Governo, pode chegar a quase 40% do produto.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo perde uma chance histórica de transformar a reforma tributária em instrumento de desenvolvimento nacional e correção de graves desigualdades regionais. O Governo, em verdade, parece querer apenas um palanque para dizer que reforma - no fundo, quer deixar tudo como está. Aliás, os jornais de ontem noticiaram que o Governo está procurando uma forma de não fazer a reforma tributária. Basta ver quando entram em vigor as mudanças propostas pela PEC do Governo Federal. Só duas regras têm vigência imediata: o aumento da CPMF, no próximo ano, de 0,08% para 0,38%, e a vedação da concessão de novos incentivos fiscais pelo ICMS.

Nunca Fernando Henrique Cardoso teve coragem de propor um imposto permanente sobre o cheque. Sempre defendeu que essa era uma solução de emergência até que a verdadeira reforma fosse feita, e foi o PT que defendeu a redução para 0,08% em 2004, e a sua extinção em 2005, para obrigar o Governo que fosse eleito a fazer uma mudança estrutural e abrangente no sistema. A primeira coisa que fizeram, agora no Governo, foi justamente transformar em permanente tal imposto, negando tudo o que sempre defenderam.

Nada muda, por exemplo, Sr. Presidente, em relação ao local da cobrança do ICMS federalizado: rejeitou-se o princípio do destino, a cobrança continua repartida, com um a dois terços cabendo ao Estado de origem. Quer dizer, continua a distorção fiscal que concentra 73% do ICMS arrecadado no País em apenas sete Estados do Sul e do Sudeste. Os outros vinte Estados da Federação arrecadam apenas 27% do bolo do ICMS.

A reforma proposta traz, ainda, uma diferença substancial, que agrava o quadro presente de profundas desigualdades: com a federalização do ICMS, acaba a possibilidade de os Estados concederem quaisquer subsídios e incentivos fiscais para a atração de novas empresas, e não se colocam no lugar mecanismos e políticas suficientes para fomentar o desenvolvimento das regiões menos desenvolvidas. O Governo mantém intocada a perversidade do quadro atual: o Sul e o Sudeste retêm 50,4% dos incentivos fiscais concedidos pelo Governo Federal em todo o País. O Nordeste fica com apenas 9,6%.

Os Estados produtores e mais ricos poderão saudar esse arremedo de reforma, dizendo que acabou a guerra fiscal. Começou, na verdade, Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, o esmagamento fiscal. O que acabou foi a chance de se criarem, nos Estados mais pobres, vantagens comparativas atraentes para grandes e médias empresas. O que acabou foi a chance de se produzir no Brasil a desconcentração do desenvolvimento.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. TEOTÔNIO VILELA FILHO (PSDB - AL) - Com muito prazer, nobre Senador José Jorge.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Sr. Senador Teotônio Vilela, gostaria de aproveitar esta oportunidade para me solidarizar com o pronunciamento que V. Exª está realizando nesta Casa neste momento. Realmente, a reforma tributária que o Governo Federal enviou para a Câmara não ataca os três principais problemas tributários que o País tem: a concentração dos incentivos fiscais, o fato de que temos um sistema tributário bastante complexo, que dificulta às empresas o pagamento regular de seus impostos, e também os altos valores desses impostos, chegando a quase 40% do PIB no primeiro semestre. Particularmente para o Nordeste, principalmente neste dia em que se recria a Sudene, vamos criar, praticamente, um fantasma. V. Exª sabe, melhor do que eu, que aquela antiga função que a Sudene exerceu, de coordenação do Governo Federal, de coordenação dos Governadores, que na época não eram eleitos, isso não pode ser mais feito hoje. O País, hoje, é outro, tem muitas outras organizações. Então, para se criar a Sudene é preciso lhe dar novas atribuições e a reforma tributária poderia ser esse caminho. Mas tenho certeza de que, no Senado, conjuntamente, vamos modificá-la, para que ela possa se adequar aos anseios não só do Nordeste, como do Brasil. Muito obrigado.

O SR. TEOTÔNIO VILELA FILHO (PSDB - AL) - Muito obrigado, nobre Senador José Jorge. Incorporo com muita honra o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento. E, como V. Exª acaba de dizer, esta Casa, que é chamada Casa da Federação, sem dúvida nenhuma irá meter a mão na massa para que a reforma tributária tenha a sua finalidade principal, a de corrigir as desigualdades regionais e criar condições para o desenvolvimento do Brasil, atingida.

Como dizia, Sr. Presidente, com a proposta de reforma fiscal enviada pelo Governo, o que acabou foi a esperança de se diminuírem as desigualdades regionais, criadas no nosso País até pelo tratamento desigual dispensado ao longo do tempo às diversas regiões.

As diferenças socioeconômicas entre o Nordeste, o Sul e o Sudeste não se devem ao clima, embora não falte quem prefira essa explicação tão simplista quanto inconsistente. A verdade é que o Nordeste foi alijado ou marginalizado dos projetos de desenvolvimento da maioria dos governos nos últimos cem anos, especialmente na última metade do século passado.

No Governo Vargas, a industrialização brasileira, baseada na intervenção do Estado, se concentrou no Sudeste, onde ficaram as sedes das grandes estatais, como a Companhia Siderúrgica Nacional, a Vale do Rio Doce, a Petrobras, o BNDES, entre outras. A essas empresas voltadas para a produção, somaram-se outras estatais, igualmente concentradas no Sudeste, como DNER, Embratur, Eletrobrás, Nuclebrás, Telebrás, Portobrás. Todos os grandes centros de ensino e pesquisa concentraram-se também no Sudeste - e é emblemático que, atualmente, por exemplo, o Sudeste retenha 74% de todas as bolsas do CNPq.

Os Governos concentraram no Sul e Sudeste a maior parte da infra-estrutura dos grandes portos, dos maiores aeroportos, das redes ferroviária e rodoviária, dos metrôs e usinas nucleares, das hidrovias e das grandes usinas hidrelétricas. Os investimentos estatais em infra-estruturas e serviços foram majoritariamente direcionados para as regiões mais ricas, de tal forma que o Sul e o Sudeste estavam preparados para o processo de industrialização, pelo maior dinamismo da economia, impulsionado pelos investimentos; pelo poder de compra e pela geração de empregos das grandes estatais; pela maior qualificação de sua mão-de-obra, garantida por universidades e pela escola pública também concentrada.

As perspectivas, Sr. Presidente, são, infelizmente, sombrias. As privatizações beneficiaram, sobremaneira, os Estados-sedes das grandes estatais - nenhuma no Nordeste. Os fundos de pensão, os grandes motores do moderno capitalismo, investem nas regiões já industrializadas. E a onda concentradora do sistema financeiro obviamente beneficia os Estados mais ricos.

Até por natural e compreensível inércia, o processo só tende a se aprofundar e cristalizar. A indústria, o comércio, os serviços, a infra-estrutura e os investimentos tendem a se concentrar. Que grande empresa, afinal, trocará, hoje, Ribeirão Preto ou as cidades do interior de São Paulo, dotadas de infra-estrutura e próximas dos grandes centros consumidores, pelo agreste de Alagoas ou pelo sertão de Pernambuco, do Senador José Jorge? Qual pólo industrial será hoje mais atraente, o de Arapiraca, em Alagoas, o de Itabaiana, em Sergipe, o de Campina Grande, na Paraíba, ou os de Campinas e Ribeirão Preto?

Sr. Presidente, só políticas públicas, só decisões de governo podem quebrar a inércia desse processo concentracionista.

O Presidente da República tem razão, e muita razão, quando constata, em Aracaju, quando lá esteve, que o Nordeste já foi rico. É verdade. Infelizmente, faltou à análise do Presidente perspectiva histórica para perceber que o Nordeste empobreceu não por que alguns empresários saíram da região em busca do Sudeste ou do Centro-Oeste...

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Teotônio Vilela, gostaria de participar do pronunciamento de V. Exª.

O SR. TEOTÔNIO VILELA FILHO (PSDB - AL) - Nobre Senador Mão Santa, com muita honra concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Desde ontem, atentamente, eu e todo o Brasil ouvimos os pronunciamentos de V. Exª, por ser esta uma oportunidade de revivermos a imagem do grande líder da redemocratização e da coragem, o Senador Teotônio Vilela, seu pai, líder maior da história do meu Partido. O Senador Marcelo Crivella, que há pouco ocupava a tribuna, sabe que árvore boa dá bons frutos. Isso está no Livro de Deus. V. Exª é esse fruto de Teotônio Vilela. Quis Deus que, neste momento, estivesse presidindo o Senado um médico, o Senador Augusto Botelho. As leis genéticas, de Mendel, também justificam a inteligência de V. Exª. Ontem, a inteligência de V. Exª despertava para um assunto igualmente importante. Aprendemos com o filósofo Sófocles que muitas são as maravilhas da natureza, mas a maior delas é o ser humano. Como médicos, o Senador que preside esta sessão e eu queremos dizer a V. Exª que, numa criança que pesa dez quilos, oito quilos são de água, ou seja, 80%. Em um adulto, como nós, que pesa 100 quilos - para facilitar a conta -, 60 quilos são de água. Portanto, V. Exª, em seu discurso anterior, trouxe-nos a preocupação com o papel da água, que acredito ser o mais importante. Mas Shakespeare dizia que não existe bem ou mal; tudo depende do momento. Portanto, essa água pode ser boa, como V. Exª quer, fiscalizada adequadamente para ser consumida pelo ser humano - o que é uma grande maravilha -, ou pode ser um instrumento de desgraça, que leva ao aparecimento de doenças como a cólera, a febre tifóide e outras. Hoje, V. Exª traz um outro tema importante, do qual ninguém pode fugir, porque está no Livro de Deus. Citamos a passagem em que perguntaram a Cristo se seria justo pagar imposto a César. E Cristo, na sua sabedoria, disse: “De quem é a imagem cravada na moeda? É de César. Então, dê a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. E, hoje, somos nós, os filhos de Deus, o povo, que pagamos impostos! E nós, nordestinos, também somos filhos de Deus, cristãos. Isso é uma injustiça! Correspondemos a 30% dos brasileiros e só contamos com 10% de investimentos. Essa é a grande realidade. E o imposto? Não copiamos tantas coisas dos Estados Unidos? Temos a democracia, a liberdade, a igualdade. Aqui há o sistema bicameral, como lá também existe. É lá, é no destino, é o comprador. Não é onde nasce o produto. Aqui, não! São Paulo quer levar tudo. Para isso, surgiu o sistema bicameral. A Câmara dos Deputados é constituída, proporcionalmente, pelos representantes da população; nós, aqui, representamos os Estados. Juntos, temos que acompanhar V. Exª nessa luta. V. Exª não precisa buscar inspiração em outros países, em outras passagens da História, em outros Estados, porque teve na sua própria casa o exemplo: a luta de Teotônio Vilela, seu pai, um grandioso líder deste País.

O SR. TEOTÔNIO VILELA FILHO (PSDB - AL) - Muito obrigado, nobre Senador Mão Santa.

Vamos nos unir, nós, representantes dos Estados mais necessitados, mais pobres da Federação, sob o aspecto econômico, para, no momento da discussão e da votação da reforma tributária, podermos fazer justiça aos nossos Estados, aos nossos povos, criando condições para um desenvolvimento com menos desigualdade.

Como eu dizia, Sr. Presidente, faltou à análise do Presidente da República perspectiva histórica para perceber que o Nordeste empobreceu não por que alguns empresários saíram da região em busca do Sudeste ou do Centro-oeste, como pretendeu justificar, pois essa migração natural é conseqüência e não causa: eles foram atrás de infra-estrutura, dos mercados, dos corredores de exportação e dos incentivos que se concentram no Sudeste e que foram, ao longo dos anos, negados ao Nordeste. Na ótica presidencial, o Nordeste ainda é culpado por sua própria pobreza. À discriminação econômica, soma-se agora a condenação política. Pobre Nordeste! Nem seus filhos mais ilustres hesitam em trocar a lógica da História pela retórica de palanque.

As desigualdades, Sr. Presidente - como, fora do palanque, todos podem ver e comprovar -, têm razões históricas, não começaram ontem, desenvolveram-se durante décadas, mas se agravaram com o atual modelo fiscal e tributário.

Esse modelo, saído da Constituição de 1988, impôs a mais da metade do Brasil, formada pelos Estados consumidores e mais pobres, uma sentença extremamente cruel: quanto mais eles consomem, mais aumenta a distância entre eles e os Estados mais ricos. É uma lógica colonialista muito perversa. Quanto mais a colônia consome, mais a metrópole enriquece.

Como foi proposta ao Congresso Nacional, a reforma tributária foi, infelizmente, reduzida a uma disputa entre Estados consumidores e pobres e Estados produtores e ricos. Infelizmente, o Governo desconheceu que a reforma tributária pode ser, e era o que esperávamos, um valiosíssimo instrumento de redução de disparidades regionais, o Brasil se reencontrando consigo mesmo, numa estrada comum de desenvolvimento para todos, num cenário comum de cidadania para todos.

Esperava-se, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores - e esperamos em vão -, que a reforma fosse uma senha para um futuro já nem diria de mais justiça para os Estados brasileiros, mas de um futuro de mais equanimidade para a Federação, sem esmagamentos ou sobreposições.

A cada dia o Brasil pobre mais se distancia do Brasil rico: não estamos pedindo subsídios, incentivos ou taxas de equalização, por mais que pudesse haver justiça num pedido dessa natureza. Tudo o que esperávamos era que o Nordeste pudesse se beneficiar mais efetivamente dos impostos gerados na própria região; que o Nordeste, como o Norte e Centro-Oeste, pudesse ter a maior parte dos impostos dos produtos que consome.

A História nos permite revisar agora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um modelo tributário que a prática mostrou ser perverso e cruel. O Congresso e o Brasil não têm alternativas: ou mudamos esse modelo, para começar a diminuir as disparidades entre as regiões e permitir um Brasil único, sem Estados de primeira ou de segunda, sem cidadãos de segunda e de terceira, ou vamos aumentar essas diferenças, aprofundando ainda mais o abismo que já separa o Brasil rico do Brasil que não come, que não tem serviços, que não tem cidadania. Ou mudamos esse modelo, ou assumimos perante o futuro e a História todas as conseqüências de um apartheid social que se prenuncia inevitável, com todos os seus desdobramentos absolutamente imprevisíveis.

Com a reforma que apresentou ao País, o Governo preferiu abrir mão de suas responsabilidades perante a unidade e a integração do País. Mas o Congresso, esta Casa, não pode abdicar de sua obrigação para com o futuro e a História.

É lamentável o que os jornais registram. Quando os Estados consumidores e pobres reclamam da crueldade da reforma proposta, como fez o Governador de Sergipe, o próprio Presidente da República reduz todas essas legítimas aspirações a uma questão de classes, debochando dos Estados mais pobres com a ironia inoportuna de que as elites do Nordeste ganham tanto quanto as elites do Sul. O Governo deveria saber que as elites no Brasil e no mundo sempre ganham - e ganham muito. Para isso e por isso é que defendemos Estados suficientemente fortes para mediar conflitos, para distribuir renda entre pessoas, sobretudo entre regiões. Quando existe, como no Brasil, a concentração de renda imoral de pessoas e de regiões é que o Estado falhou e falha, privatizado por suas elites ou omisso, profundamente omisso por suas lideranças e por seu governo.

Mais do que lamentável, é absurdo que o Executivo brasileiro nem perceba o papel verdadeiro do Estado e, em vez de redistribuir, concentre rendas e riquezas em algumas regiões. Em vez de aproximar, distancie as regiões. Em vez de integrar econômica e socialmente o País, institucionalize a miséria dos que consomem, em benefício da opulência dos que produzem.

Por último, Sr. Presidente, gostaria de destacar que o desafio de diminuir as distâncias entre as regiões no País não passa apenas por uma postura mais corajosa e ousada na reforma tributária, melhor distribuindo as receitas estaduais, especialmente as do ICMS, entre as unidades federadas, como também envolve a imperiosa revisão das transferências da União para os Estados e Municípios.

Nem é preciso dizer que, nos últimos anos, por uma série de circunstâncias, o Governo Federal precisou elevar a arrecadação das contribuições não repartidas via Fundos de Participação, como o fez criando a CPMF e aumentando a Cofins. Porém, agora, quando se diz que faria uma verdadeira reforma fiscal, é fundamental também colocar tais tributos na mesa das discussões. Os Estados e os Municípios reivindicam isso, com justa razão.

Primeiro, porque é necessário melhorar e ampliar as compensações financeiras para os Estados e Municípios exportadores, mas não qualquer exportador e sim aquele que exporta minerais, mesmo produtos agrícolas e pecuários, que não geram o mesmo impacto na economia local que a exportação de um produto industrializado - e geralmente pertencem às regiões menos desenvolvidas do País os Estados que mais perdem ICMS com tais exportações. Eles não querem voltar a cobrar tal imposto, que seria uma aberração econômica, mas querem e precisam receber um tratamento diferenciado do Governo Federal, que simplesmente ignorou o fato quando escreveu a sua proposta, à revelia inclusive do que negociara com os governadores.

Segundo, porque é necessário dar à chamada Rede de Proteção Social, montada pelo Governo Fernando Henrique, as mesmas garantias de financiamento e operação dada aos Fundos de Participação, porque representam uma transferência de renda crucial para as regiões menos desenvolvidas. É preciso assegurar a fonte de financiamento, manter a parceria com os governos locais e sustentar tal relacionamento apenas em critérios técnicos, e não em componentes políticos, avaliações subjetivas, do tipo contrapartida social. Para o Nordeste, em particular, tão ou mais fundamental do que uma reforma tributária descentralizadora é, de imediato, elevar o poder de compra do salário-mínimo, corrigir o valor do bolsa-escola e aumentar a complementação do Fundef, entre outras promessas eleitorais do Presidente Lula. Se a fome deve ser atacada, por outro lado, é inaceitável assistir na TV a crianças voltando aos lixões de uma grande capital nordestina, porque o atual Governo parou de repassar os recursos do Peti.

Pois bem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, defendo que uma verdadeira reforma tributária, que olhe pelos Estados mais pobres do País e, especialmente, pelos mais pobres que ali moram, deve adotar uma solução radical e revolucionária: as mesmas garantias de vinculação e de repasse automático e regular de recursos que valem para o FPE e para o FPM também deveriam ser estendidas para os programas da Rede de Proteção Social. É preciso que o Bolsa-Escola, o Bolsa-Alimentação, o Peti, a merenda escolar, destinados aos milhões de pobres nordestinos e de outras regiões, bem como programas como o de Saúde da Família e o Fundef tenham a mesma importância, a mesma garantia de pagamento e de transferência para os Estados e Municípios.

Tudo isso esperávamos do Governo e, mais ainda, do Presidente-retirante, como os jornais definem o Chefe do Executivo, que, melhor do que ninguém, poderia entender o apartheid que se prenuncia e evitar a tragédia social que se anuncia. Infelizmente, a acomodação parece ter vencido a esperança e a necessidade de mudar.

Até por seu passado, até por sua coragem e coerência, o Presidente Lula não merece passar à história como o nordestino em cujo governo o Nordeste mais se distanciou do Brasil rico; em cujo governo mais se acentuaram as desigualdades regionais e se cristalizou e institucionalizou o fosso entre o Brasil produtor e rico e o Brasil consumidor e pobre.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha)

O SR. TEOTÔNIO VILELA FILHO (PSDB - AL) - Já vou terminar, Sr. Presidente.

O Presidente não merece esse castigo, mas, se Sua Excelência aceita, em sua biografia, a mancha dessa vergonha, o Nordeste repele essa discriminação e condena esse estigma.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/07/2003 - Página 20456