Discurso durante a 18ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a reforma tributária.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Considerações sobre a reforma tributária.
Publicação
Publicação no DSF de 26/07/2003 - Página 20460
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • ANALISE, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, GOVERNO FEDERAL, CRITICA, FALTA, INICIATIVA, IMPEDIMENTO, COBRANÇA, PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL (PIS), AUMENTO, TRIBUTAÇÃO.
  • COMENTARIO, SUPERIORIDADE, BRASIL, COBRANÇA, IMPOSTOS, VALOR, TAXAS, JUROS, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, PREJUIZO, EXCESSO, TRIBUTOS, ESPECIFICAÇÃO, AUMENTO, PREÇO, PRODUTO INDUSTRIALIZADO, SONEGAÇÃO FISCAL, FALENCIA, EMPRESA NACIONAL, IMPEDIMENTO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, BUSCA, ALTERNATIVA, IMPEDIMENTO, ALTERAÇÃO, COBRANÇA, PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL (PIS), AUMENTO, TRIBUTAÇÃO, IMPORTANCIA, REDUÇÃO, IMPOSTOS, TAXAS, JUROS, PROMOÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, VIABILIDADE, PROGRAMA ASSISTENCIAL, GOVERNO.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acabei de dizer ao Senador Teotônio Vilela Filho que estou até encabulado com o meu discurso, tendo em vista a grandiosidade do tema e a forma como S. Exª expôs a questão da reforma tributária.

Gostaria de aproveitar esta oportunidade para também falar sobre a reforma tributária e, especificamente, sobre o PIS.

O sistema tributário brasileiro vive, desde muito, sob o signo de um terrível paradoxo. De um lado, todos são sabedores de que ele está velho e inadequado, verdadeiro empecilho ao crescimento e ao desenvolvimento da economia nacional. Infelizmente - daí o paradoxo -, apesar de todos saberem disso, não há intenção de tornar o sistema mais enxuto, mais ágil e mais justo. Ninguém, é claro, deseja ser prejudicado por eventual reforma tributária. As pessoas e as empresas não suportam mais tributos, mas os Estados, a União e os Municípios também não desejam perder arrecadação.

Como muito bem acabou de explicar o Senador Teotônio Vilela Filho, há, na Câmara, uma proposta de reforma tributária que, infelizmente, não resolverá essas questões; muito limitada, na verdade, não simplificará o sistema; pelo contrário, aumentará, ainda mais, a carga tributária.

O resultado desse paradoxo, Sr. Presidente, é que a tão desejada reforma nunca sai. O que temos tido, é deplorável dizer, são remendões malfeitos. O último desses, mal chamado de minirreforma, foi realizado por esta Casa em 31 de dezembro último. Todos os Senadores que aqui estavam na legislatura passada participaram desse projeto. Em princípio, o objetivo seria fazer com que o PIS deixasse de incidir, cumulativamente, em cada etapa do processo produtivo. A justificativa para essa alteração foi a de que, incidindo em cascata, o PIS torna o produto nacional menos competitivo, especialmente para aqueles setores da economia que têm cadeias produtivas mais longas, geralmente construídas de produtos mais sofisticados - manufaturas, especialmente, portanto, com maior valor agregado. Realmente, o PIS, quando incide em cadeia, prejudica as exportações.

Se a proposta de alteração da forma de cobrança do PIS parece correta, não poderia, no entanto, servir como meio para o aumento da carga tributária.

Isso, aliás, foi o que o próprio Governo garantiu que não ocorreria. Na exposição de motivos da Medida Provisória nº 66, de 2002, posteriormente convertida na Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, foi informado que a introdução da incidência não-cumulativa na cobrança do PIS seria neutra do ponto de vista fiscal, porquanto a alíquota estabelecida para esse tipo de incidência teria sido projetada para compensar o estreitamento da base de cálculo - em outras palavras, não haveria aumento da carga tributária. Uma alíquota menor que incidia mais vezes foi substituída por uma maior que incidiria menos vezes, com a alegação de que não se aumentaria, nem se diminuiria a carga tributária, apenas se mudaria a forma de cobrança para facilitar as exportações.

Isso, rigorosamente, não aconteceu. Ao contrário do anunciado da exposição de motivos, houve um amento na arrecadação com o PIS. Essa minha afirmação é calcada nas estatísticas informadas pela Secretaria da Receita Federal em seu site. Independentemente do indexador utilizado - IPCA ou IGP-DI -, verificaremos, sem a menor sombra de dúvida, que a alteração da forma de cobrança do PIS aumentou significativamente a carga tributária.

Comparando-se os quatro primeiros meses de 2002 com o mesmo período de 2003, pode-se ver que a arrecadação do PIS passou de R$3,7 bilhões para R$5,5 bilhões, portanto, em termos nominais, quase dobrou. Houve um aumento de 48,91%. Utilizando-se o IPCA como indexador, ou seja, deflacionando-se, o aumento real foi de 28,59%. 

Façamos algumas comparações. A primeira é com a arrecadação global da Receita Federal. Essa, de acordo com os dados da Receita, diminuiu, vejam bem, 1,08% em termos reais, no mesmo período analisado - evidentemente, utilizando-se o mesmo indexador. Ou seja: enquanto a arrecadação tributária global diminuiu, a arrecadação com o PIS aumentou quase 30% com o fim do efeito cascata.

Poder-se-ia alegar que a comparação é incorreta, pois a base de incidência do PIS não seria a mesma dos demais impostos. Bem, para dirimir quaisquer dúvidas, comparemos a arrecadação do PIS com a do Cofins, pois são contribuições com a mesma base de incidência.

No mesmo período em que comparamos o PIB, isto é, entre os meses de janeiro e abril de 2002 e entre janeiro e abril de 2003, podemos verificar que o Cofins aumentou a sua arrecadação, em termos reais, em 6,68%. O aumento é, pois, muito inferior àquele de 28,59% verificado em relação ao PIS. E sabemos que para o Cofins não houve mudança na forma de cobrança.

Se utilizarmos outro indexador, o IGP-DI, famoso, aliás, por conta da telecomunicação, verificaremos, da mesma forma, que o aumento real da arrecadação do PIS foi substancialmente superior ao de outros tributos. Por esse indexador, o PIS aumentou 13,65%, enquanto o Cofins diminuiu 5,71% e a arrecadação global encolheu 12,56%.

Evidentemente, este é o efeito, em cima do Cofins e do PIS também, de um indexador mais alto. O IGP-DI, como todos sabemos, sofre uma influência muito grande do dólar. E como aconteceu essa alta do dólar, na realidade, ele ficou num valor diferente do indexador anterior.

Como resultado, a participação do PIS no total dos tributos arrecadados passou de 4,82%, em 2002, para 6,08%, em 2003! Prova inequívoca de que a mudança do PIS resultou em aumento substancial da carga tributária.

Existe, porém, um outro fator que não podemos esquecer. A mudança da incidência do PIS não se deu para as empresas que declaram sobre o lucro presumido, mas tão-somente para aquelas que declaram sobre o lucro real. Essas representam aproximadamente dois terços do total. Como apenas essas últimas sofreram o impacto da mudança, pode-se perceber que o aumento da arrecadação foi de aproximadamente 50% sobre aquele informado no site da Receita Federal e que ora apresentamos aos nobres Colegas.

Isto é, como temos duas formas de pagamento, a receita, quando exibida no site da Receita Federal, é apresentada em seu total. Na verdade, essa mudança de alíquota só prevalece para aquelas empresas que pagam sobre o total apurado e não sobre o suposto lucro. Com isso, representa dois terços. Então esse aumento não é sobre o total arrecadado, é somente sobre aquela parcela para a qual houve a interferência da mudança da legislação. Isso é, o aumento é ainda maior, é cerca de 50% do aumento que está dito nos parágrafos anteriores.

O efeito da alteração na forma de cobrança do PIS foi o oposto daquilo que se esperava. Ao contrário do afirmado pelo Governo Federal, houve um aumento de arrecadação do PIS. Assim, mais uma vez, aumentou-se o chamado custo país do Brasil e diminuiu-se a competitividade da empresa nacional!

Chegamos ao ponto em que não podemos dizer mais que temos um sistema tributário. Diante da sanha arrecadadora do Governo Federal, eu ousaria dizer que temos, digna de nossos mais tristes tempos coloniais, uma autêntica derrama tributária.

E consideramos também que esse não foi o único ponto de aumento de arrecadação. Tivemos também um aumento na contribuição dos combustíveis - Cide, cujo valor, atualmente de R$0,52, poderá ir até R$0,68 a qualquer momento. Inclusive o Ministro Palocci, na conversa que teve com os Governadores que foram reivindicar a participação na arrecadação da Cide, propôs aumentar o valor da Cide, já alto - R$0,52 por litro de gasolina - e repassar esse aumento para os Governadores dos Estados, ou seja, o contribuinte pagaria mais uma vez. Sabemos que a Cide, introduzida no Sistema Tributário Nacional com a finalidade principal de financiar a recuperação das estradas, não tem sido utilizada no setor de transportes como deveria. Pelo menos até agora não o foi. Já está no seu segundo ano de arrecadação, estamos praticamente no mês de agosto e ela não foi ainda utilizada para o setor de transportes, continuando as estradas em situação bastante precária. Trata-se de um imposto aprovado para ser aplicado de uma forma e que hoje está sendo utilizado de outra.

Temos também uma previsão na reforma tributária de uniformizar as alíquotas do ICMS e sabemos que essa uniformização vai ser para cima. Isto é, se há um Estado que cobra 15% sobre um determinado produto e outro que cobra 5%, evidentemente, quando a alíquota for uniformizada, o que se dará pelo próprio Conselho de Secretários de Fazenda e não pelo Senado Federal, como deveria ser, ela não ficará em 5%, mas em 15%, exatamente no patamar daquele Estado que cobra mais. Com isso, teremos um grande aumento de arrecadação, também no ICMS, em cima do contribuinte.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, a carga tributária brasileira é uma das mais altas do mundo: 37%, aproximadamente, no ano passado. No primeiro trimestre deste ano, passou de 40%. A contrapartida oferecida pelo Estado em seus serviços está entre as piores, com um sistema educacional frágil, um sistema de saúde frágil, e assim por diante. Existe, pois, um claro descompasso entre aquilo que o Estado arrecada e os serviços que oferece. Além disso, uma taxação excessiva significa que o Governo está retirando recursos da economia. Temos, como produto dessa ação mal direcionada, o crescimento da informalidade da economia, o aumento da sonegação tributária, o empobrecimento dos assalariados e a falência das empresas.

Esta semana, o Governo diminuiu 1,5% a taxa básica de juros - era de 26% e baixou para 24,5% -, que ainda é uma das mais altas do mundo. Se não me engano, é a segunda, perdendo apenas para a Turquia. Então, na realidade, com uma taxa de juros desse valor, é muito difícil que o País cresça. Portanto, o País não cresce, e o desemprego está aumentando.

Entretanto, o problema não é somente a taxa de juros. No momento em que essa taxa de juros baixar para um nível razoável - essa última baixa foi muito pequena e não vai, evidentemente, trazer nenhum efeito mais importante -, teremos que cuidar também do sistema tributário, porque, com um sistema tributário que represente 40% do PIB, na verdade, sobra pouco espaço para que o País possa voltar a crescer.

Na realidade, programa social importante é criar emprego. Programas como o Fome Zero, o Bolsa-Escola, todos são importantes, no sentido de captar aquela parte mais pobre da população, de pobreza absoluta, vamos dizer assim, mas isso representa, vamos supor, 10% da população, um pouco mais. E os outros 90%, que não são assim tão pobres, mas que necessitam trabalhar e ter o seu sustento, mesmo porque foram preparados para isso? Precisamos, então, não só cuidar desses problemas sociais, mas cuidar para que o País volte a crescer, e para isto temos que mexer nos juros e na carga tributária, além de outras questões.

Por fim, creio que devam ser estudadas, com seriedade, duas medidas para atenuar o impacto negativo da alteração do PIS. A primeira - talvez a mais importante - é a redução da alíquota dos atuais 1,65% para um percentual menor, a fim de assegurar que a arrecadação do PIS retorne aos níveis registrados antes da implementação da Lei nº 10.637, de 2002. Esse percentual pode ser facilmente encontrado pelos técnicos da Receita Federal.

Por que isto, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Sr. Senador Mão Santa, Srª. Senadora Iris de Araújo?

Este aspecto é bastante importante porque quando o Governo enviou este Projeto para o Senado o fez com a condição - isto estava na sua Justificativa - de racionalizar a arrecadação do PIS, atendendo, inclusive, a um apelo dos exportadores, e não para aumentar a arrecadação. E o que define se haverá aumento da arrecadação ou se apenas racionalização? É exatamente a alíquota. Se com uma alíquota de 1,65% racionalizamos e aumentamos a arrecadação do PIS, só basta ajustar esta alíquota para um valor específico que resulte na soma zero, que permita que se racionalize, mas que não aumente a carga tributária. Se colocarmos, por exemplo, uma alíquota de 1,5%, provavelmente vamos ter uma situação em que o PIS será racionalizado sem que se aumente a carga tributária.

Estabelecida essa alíquota - seria a segunda sugestão -, pensamos na viabilidade da devolução ao contribuinte do que foi arrecadado a maior desde o início da cobrança, entre 1º de janeiro de 2003 até o momento em que for implementada a nova alíquota. Essa segunda sugestão é mais difícil de ser implementada, tendo em vista que implicaria uma devolução. De qualquer maneira, seria justa, já que quando nós, parlamentares aqui no Congresso Nacional, aprovamos a alteração da alíquota no PIS o fizemos acreditando que, com essa alíquota, seria neutro o sistema, isto é, a arrecadação seria a mesma, e seria mais racionalizada.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/07/2003 - Página 20460