Discurso durante a 20ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Repúdio a operação militar francesa que violou a soberania brasileira e as questões internas colombianas.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Outros:
  • Repúdio a operação militar francesa que violou a soberania brasileira e as questões internas colombianas.
Aparteantes
Íris de Araújo.
Publicação
Publicação no DSF de 30/07/2003 - Página 20560
Assunto
Outros
Indexação
  • ANALISE, POLITICA INTERNACIONAL, CRITICA, INTERVENÇÃO, PRIMEIRO MUNDO, DESRESPEITO, SOBERANIA, PAIS ESTRANGEIRO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CARTA CAPITAL, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, OPERAÇÃO, AERONAVE ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, TERRITORIO, BRASIL, DESRESPEITO, SOBERANIA NACIONAL, LEITURA, CRITICA, NOTA OFICIAL, ITAMARATI (MRE), NEGLIGENCIA, TRATAMENTO, ASSUNTO.
  • DEFESA, POSIÇÃO, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, SENADO, REFERENCIA, SOBERANIA NACIONAL, COMENTARIO, NOTICIARIO, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando se trata de soberania, de integridade do território e de defesa dos interesses nacionais, temos visto que as grandes potências são bastante zelosas no que tange a esses temas. Basta lembrar, por exemplo, a guerra que a Inglaterra promoveu para recuperar as Ilhas Malvinas, próximas da Argentina, país que as reivindica como seu território há muito tempo. Também a França, um país que pugna pela liberdade, cujo lema é justamente “liberdade, igualdade e fraternidade”, até hoje mantém uma colônia na América do Sul, a Guiana Francesa, defendendo o princípio de soberania, de integridade do território francês e dos interesses nacionais daquele país. Os Estados Unidos, recentemente, foram à guerra numa ação preventiva em defesa dos cidadãos americanos “ameaçados” pelo terrorismo internacional, que, segundo eles, estava localizado no que eles chamaram de eixo do mal, que era o Iraque, a Coréia do Norte e o Irã. E, por isso, invadiram o Iraque, mesmo não contando com o aval da maioria dos países que compõem o Conselho de Segurança da ONU.

Pois bem, Sr. Presidente, no que tange ao Brasil, parece que esses temas estão muito frouxos. Na verdade, há muito tempo, o Brasil vem relaxando na defesa da soberania e da integridade do território nacional e, portanto, dos interesses do País sobre o seu território. Basta que vejamos o recente episódio - e há muitos outros, de toda natureza - que demonstra como essa questão da soberania e da integridade nacional vem sendo relaxada, principalmente na Amazônia. Agora, a revista Carta Capital, em dois números seguidos, dá uma ampla cobertura a um fato que, no mínimo, demonstra como é que os países desenvolvidos lidam com a questão da soberania e da integridade territorial dos países ditos não desenvolvidos.

A França resolveu fazer uma operação militar e, utilizando um avião Hércules C-130, com onze pessoas a bordo, incluídos os tripulantes e um graduado funcionário do Ministério das Relações Exteriores daquele país, pediu permissão para pousá-lo em Manaus para reabastecer, dizendo que ele estava se deslocando para Caiena. O Governo brasileiro, obviamente, concedeu a permissão, como concederia, creio, qualquer país civilizado.

Ora, Sr. Presidente, o que me estranha é exatamente esse argumento. Se o avião vinha da França para Caiena, os aeroportos mais próximos para um reabastecimento seriam os de Macapá e de Belém, e não o de Manaus. Quer dizer, o avião passou do seu objetivo, Caiena, pousando em Manaus.

No entanto, o mais interessante é que, concedida a licença para o pouso, eles pediram permissão para permanecer por dez dias no aeroporto de Manaus. Depois, pediram permissão para mudar a posição do estacionamento da aeronave, colocando-a próxima ao hangar de uma empresa de táxi aéreo da região, uma linha aérea regional. Depois, quatro componentes da comitiva alugaram um avião dessa empresa e se deslocaram para um Município do interior do Amazonas. Na verdade, o que eles foram fazer lá? O resgate da ex-senadora e ex-candidata a presidente da República da Colômbia, Ingrid Betancourt, uma cidadã com dupla nacionalidade: colombiana e francesa. Nesse deslocamento, no entanto, houve um desencontro e não foi possível trazê-la. Voltaram a Manaus, ficaram hospedados no Hotel Tropical por dez dias e negaram permissão à Polícia Federal para inspecionar o avião.

Somente depois que a revista Carta Capital denunciou o fato é que houve uma ação do Governo brasileiro para efetivamente tomar conhecimento da operação, que violou, sob todos os aspectos, a soberania do Brasil e ingeriu nas questões internas da Colômbia, uma vez que envolvia a negociação direta com uma guerrilha - as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - para resgatar a ex-senadora e ex-candidata a presidente da República da Colômbia.

A operação mostra-se ainda muito nebulosa, porque, ao não permitir a inspeção do avião, demonstra que algo estava ali escondido e não deveria ser visto pelas autoridades. Se essa era uma ação humanitária, que pretendia resgatar a ilustre ex-senadora e ex-candidata a presidente da Colômbia e salvar-lhe a vida, deveria ter sido feita de comum acordo com o Brasil e a Colômbia e não por intermédio de uma operação clandestina.

Fico a me perguntar: se o nosso Governo fizesse uma operação dessa natureza e um avião brasileiro pousasse em território francês, será que essa aeronave teria sido liberada? No entanto, o avião francês foi liberado sem ser vistoriado e sem que nenhum policial federal pudesse ter acesso ao interior da aeronave, ou seja, sem que tivéssemos maiores detalhes.

Sr. Presidente, quero, neste momento, louvar a revista Carta Capital por ter sido, na verdade, o único órgão da imprensa nacional a denunciar, com detalhes, essa operação.

A primeira reportagem diz o seguinte: “Na Amazônia, operação ilegal de resgate. No avião militar suspeito de transportar armas, comando francês vem negociar a libertação de Ingrid Betancourt, ex-candidata à presidência da Colômbia seqüestrada pelas Farc”.

Na edição desta semana, a mesma revista traz o seguinte: “Exclusivo. As provas da operação francesa na selva do Brasil”.

Sr. Presidente, o que me chamou a atenção, além dos inúmeros documentos comprobatórios dessa história, foi a nota que o Governo brasileiro emitiu em relação ao episódio. Diz a nota do Ministério das Relações Exteriores, publicada pela revista Carta Capital:

Carta Capital:

O Ministério das Relações Exteriores cumprimenta a Embaixada da França e tem a honra de informar que o Governo brasileiro tem grande apreço pelas suas relações com a França e o Governo francês, as quais tem todo o interesse em aprofundar, tanto em seus aspectos políticos como econômicos, bilaterais e multilaterais, conforme refletido nos resultados da recente reunião da Comissão Geral Brasil-França e nos freqüentes contatos entre os Chefes de Estado.

2. O Governo brasileiro entende que o respeito mútuo é a premissa indispensável desse relacionamento.

3. Nesse sentido, o Governo brasileiro lamenta os acontecimentos que envolveram a presença de avião e de cidadãos franceses em território brasileiro. O Governo brasileiro manifesta sua surpresa por não ter sido previamente consultado e por não ter sido informado, de forma tempestiva e precisa, das circunstâncias que cercaram tal presença.

O Governo brasileiro manifesta sua certeza de que acontecimentos de natureza semelhante não se repetirão.

Ora, Sr. Presidente, não obstante o respeito que tenho ao Ministério das Relações Exteriores, onde estão profissionais de carreira da mais alta qualidade, considero essa nota, escrita no melhor estilo diplomático, muito fraca diante da seriedade do episódio. Penso que não podemos aceitar de maneira tão diplomática, tão amena, um incidente dessa natureza. Parece que não foi nada, parece que não foi conosco o fato de uma aeronave militar, conduzindo onze tripulantes - a revista afirma que existiam militares -, não permitir a sua inspeção e apenas ter sido convidada a deixar o Brasil.

Sr. Presidente, entendo que a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado deve aprofundar-se nessa questão, tomar uma posição de defesa da nossa soberania e do nosso território e exigir maior respeito para com o País. Não posso conceber um fato dessa natureza. Revoltame mais ainda o fato de esse episódio ter acntecido na Amazônia, porque já estamos cansados de saber que figuras ilustres como o Presidente da França, o Presidente dos Estados Unidos e o Primeiro-Ministro da Inglaterra já declararam que a Amazônia não é do Brasil, mas, sim, um patrimônio da humanidade e que só por acaso está localizada no Brasil. E, aí, no caso, tanto a Amazônia colombiana como a Amazônia brasileira foram simplesmente ignoradas, como se não fizessem parte dos territórios brasileiro e colombiano.

Portanto, como representante da Amazônia e como Senador da República, quero, de maneira muito indignada, deixar esse registro por ter visto a tibieza das nossas autoridades diante de um acontecimento dessa magnitude.

Mas, para não cometer uma injustiça com outros órgãos de imprensa, gostaria de ler o que foi noticiado em outros jornais, como, por exemplo, no Correio Braziliense, que publicou uma matéria extensa com a manchete “Brasil quer explicação da França”. Nessa matéria, a jornalista Graciela Urquiza Mendes fala da desinformação do País a respeito do assunto, das contradições e, por fim, faz uma análise da notícia afirmando que, no mínimo, essa é uma história muito estranha. Aliás, este é o título da análise da matéria: “Uma história muito estranha”.

Também no dia 26 o jornal Correio Braziliense publicou uma outra matéria, de autoria da mesma jornalista, intitulada “Terceira invasão francesa”. Quer dizer, na verdade é de admirar que não se encare essa maneira como procedeu a França nesse episódio como uma invasão clara do território brasileiro, qualquer que fosse a justificativa.

O Jornal do Brasil, do dia 26, diz que o Presidente da França desconhecia a ação, ou seja, talvez apenas o Primeiro-Ministro e o Ministro das Relações Exteriores sabiam do fato e não comunicaram ao próprio Presidente, que é, na verdade, o Chefe de Estado, no caso do regime francês. Então, o fato é grave!

O Estado de S.Paulo do dia 26 também publicou: “Avião francês em Manaus levava agentes secretos”. O mesmo jornal publicou matéria de autoria do jornalista Reali Júnior, intitulada: “França tenta consertar incidente diplomático que envolve Brasil e Colômbia”. O jornal O Globo, do dia 28, publica:

Operação no Brasil deflagra crise na França.

Governos brasileiros e colombianos não foram informados

O governo francês mergulhou numa querela interna depois da fracassada tentativa francesa de enviar um avião militar ao Brasil para resgatar a ex-senadora Ingrid Betancourt*, refém do grupo guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

Ingrid, que tem dupla nacionalidade - francesa e colombiana - está nas mãos da guerrilha desde fevereiro do ano passado.”

Sr. Presidente, creio que os fatos falam por si só. As matérias publicadas na revista Carta Capital e nos jornais que acabei de mencionar são da maior gravidade. Portanto, pretendo, tão logo retornemos aos trabalhos normais, requerer, como membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que a nossa Comissão faça efetivamente uma investigação mais profunda e exija do Governo brasileiro um posicionamento mais forte, mais nacionalista, que tenha a ver com o interesse do Brasil sobre a Amazônia, ou então que o Brasil, de uma vez por todas, aceite a argumentação do ex-Presidente da França, da ex-Primeira-Ministra da Inglaterra, do ex-Presidente dos Estados Unidos, que já afirmaram que a Amazônia não é parte do território brasileiro.

Temos que reagir altivamente, mostrando que não somos uma terra de ninguém, que não somos um submundo, que não somos ignorantes ao acreditar que uma potência dita desenvolvida pode chegar, aterrissar um avião com o argumento de que iria para Caiena e faria apenas o reabastecimento em Manaus.

Concedo, com muito prazer, o aparte à Senadora Iris de Araújo.

A Srª Iris de Araújo (PMDB - GO) - Senador Mozarildo Cavalcanti, aproveito os últimos minutos de seu discurso para me associar a V. Exª em relação à indignação que expressa. Congratulo-me com V. Exª pela oportunidade dessa denúncia, que, mesmo já tendo sido feita por órgãos da imprensa, terá maior eco e repercussão pelo fato de ter sido manifestada por V. Exª, membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e um Senador da região. Eu também tive a oportunidade de acompanhar esse fato, que nos causa estranheza e nos dá a dimensão de um certo descaso em relação à autoridade brasileira. Parabenizo-o pela oportunidade do pronunciamento de V. Exª.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço a V. Exª pelo aparte.

Concluo dizendo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que as palavras do Presidente Lula, reiteradamente repetidas, é de que o Brasil está vivendo um novo momento e que está se fazendo respeitar pelo que é, sem que tenha que fazer concessões e, embora sejamos um País ainda em desenvolvimento, não podemos aceitar, de maneira tão tranqüila, que um país, porque é desenvolvido, nos trate dessa forma. Temos que exigir respeito.

O único ponto da nota que quero louvar é que se trata de uma questão de reciprocidade. Se não há respeito para conosco, por que devemos ter respeito e ser elegantes com eles?

Precisamos efetivamente fazer valer a diplomacia brasileira, que é respeitada mundialmente, mas que não pode ficar apenas considerando estranho o acontecimento, deve repudiar e exigir uma explicação cabal da França a respeito do episódio, que até desmoraliza o Brasil no Concerto das Nações.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/07/2003 - Página 20560