Discurso durante a 20ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

A importância da criação de subcomissão na Câmara dos Deputados para prosseguir as investigações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre o Roubo de Cargas.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • A importância da criação de subcomissão na Câmara dos Deputados para prosseguir as investigações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre o Roubo de Cargas.
Publicação
Publicação no DSF de 30/07/2003 - Página 20575
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • APOIO, DECISÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, CRIAÇÃO, SUBCOMISSÃO, CONTINUAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, POSTERIORIDADE, CONCLUSÃO, RELATORIO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, ROUBO, TRANSPORTE DE CARGA.
  • COMENTARIO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EVASÃO DE DIVISAS, INVESTIGAÇÃO, CONTINUAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, LAVAGEM DE DINHEIRO, MOTIVO, IMPUNIDADE, FALTA, ACOMPANHAMENTO, RESULTADO, COMISSÃO DE INQUERITO, PRECATORIO.
  • REGISTRO, VINCULAÇÃO, LIDER, TRAFICO, DROGA, ROUBO, TRANSPORTE DE CARGA, IMPORTANCIA, ORGANIZAÇÃO, ESPECIALIZAÇÃO, INTEGRAÇÃO, POLICIA, ESTADOS, EFICACIA, COMBATE, CRIME ORGANIZADO.

O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Caro Presidente Hélio Costa, Srªs e Srs. Senadores, Senadora Iris de Araújo, V. Exªs, companheiros de trabalho, engrandecem este Congresso Nacional com conhecimento e dedicação, como foi o discurso do Senador Paulo Paim, em que V. Exª, Sr. Presidente, vislumbrou a oportunidade de cumprimentá-lo pelo depoimento.

Assim como a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre o Roubo de Cargas representou, sobre aspecto específico, o aprofundamento dos trabalhos realizados pela CPI do Narcotráfico, a Subcomissão da Câmara dos Deputados materializa a idéia predominante de que as investigações sobre esse tipo de crime deveriam prosseguir, mesmo depois da elaboração do relatório final da CPMI, com amparo nos poderes conferidos pela Constituição ao Legislativo.

Por que digo isso, meu Presidente, Srªs e Srs. Senadores? É que normalmente a CPI, depois de encerrada, cai no esquecimento. Surgem vários inquéritos, as apurações são feitas, e depois o Congresso Nacional, que travara uma luta intensa para buscar materializar as provas, não tem mais conhecimento do que ocorre. Então, é sempre importante que se crie uma subcomissão de acompanhamento dos resultados de uma CPMI, para que não se perca, ao longo do tempo, a oportunidade de punir os responsáveis por determinados crimes, principalmente na área do crime organizado.

Há muito tempo, o crime organizado concentrou-se no roubo de cargas. Tempo demais! Permitiu lucros fabulosos às quadrilhas, mais de R$1 bilhão ao ano, dinheiro que conferiu aos quadrilheiros capacidade operacional delituosa e de corromper só comparável à do narcotráfico.

Conseguiram esses delinqüentes especializados um nível de sofisticação que lhes permite até paralisar estruturas empresariais legítimas, conforme pudemos verificar. Valem-se, além disso, das mesmas redes de lavagem de dinheiro utilizadas por corruptos e pelos traficantes de entorpecentes e armas para dar sumiço a bilhões de dólares, como já havia detectado e comprovado a CPI dos Precatórios.

Hoje, a CPI da remessa de dinheiro, a CPI da CC-5, volta-se praticamente ao procedimento apurado por esta Casa na CPI dos Precatórios. Na investigação feita atualmente na região de Foz do Iguaçu, na fronteira com o Paraguai, a CPI da CC-5 verifica a maior parte da manipulação de lavagem de dinheiro.

A CPI dos Precatórios, da qual fiz parte, foi feita há quatro ou cinco anos, sob a Presidência de Bernardo Cabral e Relatoria de Roberto Requião. Até hoje, dezenas de inquéritos continuam, e as operações continuam sendo feitas com o mesmo modus operandi da criminalidade. Se tivéssemos uma subcomissão acompanhando o resultado, talvez tivéssemos impedido que proliferasse, por meio de doleiros e de outros tipos de operações, essa remessa tão facilitada, em que os criminosos aproveitam-se até de medidas baixadas pelo próprio Banco Central.

Entre o roubo de cargas e o narcotráfico, há, porém, uma diferença fundamental. É o uso corriqueiro de empresas regulares como fachada para a receptação. São essas firmas de fachada que encomendam, armazenam e distribuem rapidamente, no mercado, os produtos roubados e desviados em grande escala pelos ladrões.

Por isso, como ficou evidente durante a CPMI, não basta incrementar a caçada policial aos assaltantes nas ruas, estradas, portos e aeroportos. Eles são peões descartáveis. Trabalham sob encomenda e pertencem ao nível mais baixo da organização, o nível dos “serviços” terceirizados.

A terceirização compreende grupos incumbidos de fornecer recursos para a confecção do crime, como armamentos de alto poder de fogo e meios de transporte. Aliás, V. Exª já ocupou esta tribuna para se referir a esses casos, principalmente na sua região, no seu Estado.

É difícil provar a culpa dos cabeças das organizações. Só quebrando o sigilo de contas bancárias, comunicações e declarações ao Fisco, o que uma comissão parlamentar pode fazer com apreciável rapidez, como bem sabem as Srªs e os Srs. Senadores.

A CPI do Narcotráfico já havia detectado ligações entre grandes traficantes de entorpecentes e vários chefes do roubo de cargas. Daí surgiu a necessidade de instituir uma comissão parlamentar do mais alto nível para investigar esse delito. E, em 16 de maio de 2000, foi instalada a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, CPMI, composta de Senadores e Deputados Federais, que me elegeram Presidente e, como Vice-Presidente e Relator, os nobres Deputados Mário Negromonte e Oscar Andrade, respectivamente.

Tivemos suporte direto das polícias dos Estados e da Polícia Federal, que nos assistiram a cada minuto e funcionaram como o longo braço da CPMI, principalmente a Polícia Federal. Já em meio aos primeiros resultados dos trabalhos, pudemos incentivar governos estaduais a criar delegacias especializadas na repressão a esse ramo do crime organizado. Quadrilhas foram desmanteladas pela nova estrutura policial, enquanto a CPMI trocava informações com autoridades de todo o País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero esclarecer que esse estímulo aos governadores à criação de delegacias especializadas deveu-se ao fato de que as organizações criminosas ou os maus transportadores, que se envolviam com o crime, simplesmente entregavam a carga e o caminhão à quadrilha e registravam queixa em uma cidadezinha onde não havia delegado nem escrivão. Dessa forma, obtinham o registro para a cobrança do seguro. Portanto, estimulamos a criação de setores especializados em investigação, concentrando-se todas as informações e boletins, a fim de trazerem à baila um inquérito que possibilitasse apurar quem tinha participação direta ou indireta nesse tipo de crime. Assim, conseguimos alguns resultados.

Por que utilizo a tribuna hoje para falar desse caso? Para provar que, na área da segurança, quando se organizam setores especializados, o resultado é eficiente. Acabo de receber um relatório de um colega que trabalhou comigo quando estava na Polícia de São Paulo, José Roberto de Arruda, um bom delegado que chefia uma das equipes da Quarta Delegacia da Divisão de Patrimônio do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado). Ele é subordinado a outro grande colega que também trabalhou comigo, Godofredo Bittencourt, Diretor do departamento. Eles fizeram uma operação de envergadura, partindo de um dublê de carro, investigaram e chegaram a uma grande quadrilha de roubo de cargas.

Não vou ler o relatório, porque tenho que voltar para a CPMI, que está em regime de sigilo, para poder acompanhá-la de perto. Mas eu não queria deixar de elogiar esses delegados, que, com afinco e com trabalho, continuam nas suas investigações. E chamo a atenção para o fato de que, ao longo dos trabalhos investigatórios, segundo o relatório, “foram realizadas diligências, pelos policiais desta especializada, na cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará, onde descobriram que Frank Bezerra de Menezes, na realidade Francisco Oliveira de Menezes, possuía imóveis, adquiridos com proventos oriundos de ilícitos, bem como localizaram um veículo BMW clonado pela quadrilha, também produto de ilícito penal.” Essa quadrilha atuava em São Paulo, Fortaleza e em outras cidades.

Aqui chamo a atenção para a necessidade de interligação entre as polícias. É preciso haver uma ação interestadual contra o crime organizado, porque, se as ações fixarem-se somente em um Estado, sem dúvida, perderemos a parte mais importante das práticas criminosas, a receptação, crime difícil de ser enquadrado.

Com esse objetivo, por várias vezes, tenho tido reuniões no TACrim, Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. O TACrim tem me ajudado bastante na consulta a legislações importantes, para que possamos enquadrar a receptação, crime que desaparece quase que instantaneamente.

Hoje os roubos acontecem por encomenda. O televisor roubado não é mais vendido em praças importantes dos Estados, como a Praça da Sé, em São Paulo; a entrega é destinada a depósitos e imediatamente distribuída às redes de nome, que a misturam a mercadorias compradas legalmente, dificultando a prova material da receptação.

Quando há certeza de que o cidadão é receptador, não podendo enquadrá-lo por provas, buscamos, por meios legais, encontrar a receptação presumida com provas circunstanciais e levá-lo à denúncia e condenação.

Sr. Presidente, peço a V. Exª que dê como lido o meu pronunciamento, para que eu possa voltar à CPMI de importante valor para a apuração dos desvios de dinheiro para que se possa efetivar seu retorno à comunidade brasileira.

Muito obrigado.

 

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SEGUE PRONUNCIAMENTO NA ÍNTEGRA DO SR. SENADOR ROMEU TUMA.

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O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, minhas senhoras, meus senhores, caros colegas parlamentares que engrandecem o Congresso Nacional com seu conhecimento e dedicação.

Assim como a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre o Roubo de Cargas representou, sob aspecto específico, o aprofundamento dos trabalhos realizados pela CPI do Narcotráfico, a Subcomissão da Câmara dos Deputados materializa a idéia predominante de que as investigações sobre esse tipo de crime organizado deveriam prosseguir, mesmo depois da elaboração do relatório final da CPMI, com amparo nos poderes conferidos pela Constituição ao Legislativo.

Há muito tempo, o crime organizado concentrou-se no roubo de cargas. Tempo demais! Permitiu lucros fabulosos às quadrilhas, mais de um bilhão de reais ao ano. Dinheiro que conferiu aos quadrilheiros capacidade operacional delituosa e de corromper só comparável à do narcotráfico.

Conseguiram esses delinqüentes especializados um nível de sofisticação que lhes permite até parasitar estruturas empresariais legítimas, conforme pudemos verificar. Valem-se, além disso, das mesmas redes de lavagem de dinheiro utilizadas por corruptos e pelos traficantes de entorpecentes e armas para dar sumiço a bilhões de dólares, como já havia detectado e comprovado a CPI dos Precatórios, hoje sob investigação da CPMI da remessa de dinheiro para lavagem.

Entre o roubo de cargas e o narcotráfico, há, porém, uma diferença fundamental. É o uso corriqueiro de empresas regulares como fachada para a receptação. São essas firmas de fachada que encomendam, armazenam e distribuem rapidamente no mercado os produtos roubados ou desviados em grande escala pelos ladrões.

Por isso, como ficou evidente durante a CPMI, não basta incrementar a caçada policial aos assaltantes nas ruas, estradas, portos e aeroportos. Eles são peões descartáveis. Trabalham sob encomenda e pertencem ao nível mais baixo da organização, o nível dos “serviços” terceirizados.

A terceirização compreende grupos incumbidos de fornecer recursos para a consecução do crime, como armamento de alto poder de fogo e meios de transporte.

            É difícil provar a culpa dos cabeças das organizações. Só quebrando o sigilo de contas bancárias, comunicações e declarações ao fisco, o que uma comissão parlamentar pode fazer com apreciável rapidez, como bem sabem as Senhoras e os Senhores.

            A CPI do Narcotráfico já havia detectado ligações entre grandes traficantes de entorpecentes e vários chefes do roubo de cargas. Daí, surgiu a necessidade de instituir uma comissão parlamentar do mais alto nível para investigar este delito. E, em 16 de maio de 2000, foi instalada a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito ou CPMI, composta de Senadores e Deputados Federais, que me elegeram Presidente e os nobres deputados Mário Negromonte e Oscar de Andrade como Vice-Presidente e Relator, respectivamente.

Tivemos suporte direto e permanente da Polícia Federal, que nos assistiu a cada minuto e funcionou como o longo braço da CPMI. Já em meio aos primeiros resultados dos trabalhos, pudemos incentivar governos estaduais a criar delegacias especializadas na repressão a esse ramo do crime organizado. Quadrilhas foram desmanteladas pela nova estrutura policial, enquanto a CPMI trocava informações com autoridades de todo o País.

As apurações desenvolveram-se durante 54 reuniões e audiências públicas em onze Estados e Brasília. As provas eram entregues imediatamente ao Ministério Público para processar os envolvidos. Assim, quando a CPMI foi encerrada, no final do ano passado, já havia produzido resultados judiciais importantes. Paralelamente, demonstrou o valor de forças-tarefas organizadas com a Polícia Federal, polícias civis e militares estaduais, fiscalização fazendária e outros setores governamentais. E pode testar a eficácia desse modelo em operações de vulto, como bloqueios em pontos rodoviários estratégicos.

Rendo homenagem aos ilustres Parlamentares que, ao final de ingentes esforços, diagnosticaram corretamente a moléstia criminal para prescrever e criar remédios legais eficazes. Estou certo de que, agora, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal dispõem de informações suficientes para modernizar a legislação específica. Eu mesmo venho de apresentar, em abril último, quatro projetos de lei embasados no conhecimento adquirido durante a vigência da CPMI. Aliás, na justificação desses projetos, ressaltei estar apresentando-os, na qualidade de ex-presidente da Comissão, devido ao encerramento da sessão legislativa e da legislatura ter ocorrido concomitantemente com o da CPMI, o que retirou desse Colegiado a possibilidade de formulá-los de acordo com as normas regimentais.

Trata-se do PLS 151 de 2003-COMPLEMENTAR, que altera a lei n.° 5.172/66 - Código Nacional Tributário para elidir a cobrança de imposto sobre mercadorias furtadas ou roubadas antes da entrega ao destinatário. Não é justo que se tribute o bem roubado porque o Estado não lhe garantiu segurança.

Por sua vez, o PLS 152 de 2003 modifica a Lei n.° 9.034/95 para autorizar o rompimento do lacre aduaneiro durante a inspeção de cargas. Tramita em caráter terminativo na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. Além da inspeção das cargas, estabelece que a operação deve ser feita na presença do motorista e que, ao final, a mercadoria receba aplicação de novo lacre de segurança. No caso de indício de crime, os bens serão apreendidos e encaminhados à polícia para averiguação. Quando nada for encontrado, será fornecida uma declaração ao transportador da mercadoria, uma espécie de passe livre. Isto tudo sob cobertura da polícia, para garantir a segurança dos agentes aduaneiros e assegurar que a operação transcorra sem riscos.

O PLS 153, de 2003, altera a Lei nº 10.046/2002, para tornar obrigatória a intervenção da Polícia Federal quando da ocorrência de crimes interestaduais e internacionais, como acontece geralmente nos furtos e roubos de cargas.

Finalmente, com o PLS 154, de 2003, pretendo que o Decreto-Lei nº 2848/40-Código Penal sempre tipifique ao menos a receptação culposa quando praticada por comerciantes ou industriais.

Senhoras e Senhores Parlamentares, o relatório final da CPMI foi aprovado por unanimidade. Sugeriu ao Ministério Público a abertura de processos contra 12 empresas e o indiciamento de 156 pessoas.

A CPMI também acolheu 11 recomendações ao Executivo, Legislativo e Judiciário. Encaminhou à Corregedoria da Câmara Legislativa do Distrito Federal e à Comissão de Ética da Câmara dos Deputados todas as notas taquigráficas das reuniões que trataram do roubo e receptação de cargas em Brasília, devido aos envolvimentos apurados. Também foram encaminhados a quem de direito os documentos obtidos durante as investigações.

Isto tudo decorreu do Requerimento n.° 23 de 2000, que criou a CPMI no âmbito do Congresso Nacional com o objetivo de apurar o elevado crescimento do roubo e da receptação de cargas, bem como investigar a lavagem de dinheiro e o desmanche de caminhões por parte de quadrilhas que atuam no segmento de cargas nas rodovias e em cidades brasileiras.

Em conseqüência, realizamos audiências e diligências em diversos pontos do País, levantando em profundidade as circunstâncias dessa grave modalidade de crime. Neste sentido, além de realizar grande número de audiências no Senado Federal, a CPMI promoveu audiências públicas nas capitais dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Paraíba, Maranhão, Rondônia e Amazonas. Também foram visitadas algumas cidades de relevância estratégica no atual cenário do roubo de cargas, como Campinas/SP, Paulínia/SP, Joinvile/SC e Uberlândia/MG. Paralelamente, a Comissão deliberou pelas quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico de muitas pessoas envolvidas, de modo a aprofundar as investigações sobre diversas quadrilhas.

Com aquele expressivo número de ações apuradoras, a CPMI comprovou a existência de organizações criminosas muito bem estruturadas em nível nacional e de um poderoso esquema de receptadores de produtos roubados, abrangente de grande quantidade de pessoas naturais e jurídicas em todo o Brasil.

Atualmente, os roubos de cargas, em geral, são seletivos, direcionados a determinados tipos de mercadorias, após prévio acerto da encomenda com os receptadores. Isto reduz os riscos para os delinqüentes, haja vista que a carga subtraída já é levada com endereço certo de entrega. Assim, diminuem o trânsito dos veículos e o uso de depósitos clandestinos.

O abuso dos marginais chegou ao ponto de ser freqüente a invasão de empresas de transporte por quadrilhas que se apropriam de caminhões já carregados. Grupos de 10 a 30 homens fortemente armados dominam os empregados e implantam o terror para roubar. Demonstram estar bem informados sobre a qualidade e a quantidade de mercadorias, que serão levadas de modo a atender aos pedidos feitos por receptadores estabelecidos em vários Estados.

Tal contexto tornou evidente para os membros da CPMI que os casos mais expressivos de roubo de cargas no Brasil constituíam crimes de caráter interestadual, a exigir repressão policial uniforme. Mas, a competência investigatória atribuída às Policias Civis Estaduais acabava beneficiando os criminosos, em razão das limitações de ação destes órgãos, com atuação restrita ao território do respectivo Estado da Federação.

Diante da clara percepção do problema, discutida reiteradamente em diversas audiências públicas pela CPMI, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 27/01, transformada na recente Lei nº 10.446, de 08 de maio de 2002, regulamentando o disposto no inciso I do parágrafo 1º, do Artigo 144 da Constituição Federal, que trata das infrações penais de repercussão interestadual ou internacional. Com isto, atribuiu ao Departamento de Polícia Federal competência para a apuração do roubo, furto ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação, sem prejuízo da responsabilidade dos demais órgãos de segurança pública. Todavia, é essa a lei que pretendo modificar para nela substituir o termo “poderá” por “caberá”, tornando obrigatória a intervenção da Polícia Federal nesses casos.

Outro ponto evidenciado pela Comissão - e já apresentado pelo nobre Deputado Negromonte na Câmara - foi a necessidade de tornar obrigatória a identificação alfa-numérica das mercadorias, com a criação nas indústrias de condições para que todos os produtos de maior valor agregado saiam de fábrica dotados de algum tipo de identificação por unidade. Assim, os órgãos de fiscalização poderão afirmar, com certeza, se determinado bem alvo de denúncia de roubo, quando encontrado à venda no comércio ou em poder de terceiros, realmente é ou não mercadoria roubada.

Ao realizar audiências na Região Norte do Brasil, ouvindo testemunhas e autoridades públicas, inquirindo presos e realizando diligências, chamou especial atenção da CPMI os diversos crimes cometidos em detrimento da Zona Franca de Manaus, nas modalidades de contrabando, sonegação fiscal, falsificação de documentos, além de evasão de divisas, corrupção, e também o desvio de cargas.

Os referidos fatos se tornaram conhecidos através de uma carta-denúncia enviada à Polícia Federal do Estado do Amazonas e à Secretaria da Receita Federal em Brasília, com riqueza de pormenores sobre um grande esquema de corrupção envolvendo principalmente funcionários da Alfândega de Manaus e distribuição de milhões de dólares em propinas.

De imediato, a Polícia Federal e a própria Receita Federal realizaram investigações e diligências, que vieram confirmar os principais crimes relacionados na denúncia. Houve vultosas apreensões de mercadorias ilegais, com as conseqüentes prisões, abertura de inquéritos policiais, indiciamentos de pessoas envolvidas, assim como a adoção dos procedimentos fiscais cabíveis.

Como se sabe, a existência da Zona Franca de Manaus, tem por principal objetivo desenvolver aquela importante região do País, com a geração de mão de obra através das indústrias lá estabelecidas e que, para tanto, são beneficiárias de incentivos fiscais. Mas, mediante vários tipos de fraude, certas empresas passaram a burlar a salutar finalidade que motivou a criação da Zona Franca.

Foi comprovado o desvio de grande quantidade de mercadorias por meio de contêineres que não deveriam estar no porto de Manaus, mas ali foram apreendidos cheios de produtos estrangeiros. Houve apreensão também de carregamentos em contêineres que deveriam desembarcar como insumos para internação na Zona Franca, mas acabaram como “cargas em trânsito para o Exterior”. Do mesmo modo, a Polícia e a Receita comprovaram a saída de contêineres do Porto de Manaus como se estivessem vazios, mas na verdade carregados de mercadorias. Foram apurados também casos de contêineres desviados do porto, em procedimentos típicos de simulação de cargas roubadas.

            A Comissão colheu depoimentos, em Manaus, de autoridades e funcionários envolvidos nas fraudes, além de realizar visita pessoal às dependências da Alfândega local. Positivou que a grande dimensão do Porto e o elevado volume de mercadorias guardadas em contêineres revelavam-se em absoluto descompasso com a insuficiente infra-estrutura de pessoal, sobretudo em termos de servidores da Receita Federal colocados em setores de fiscalização das mercadorias que entram ou saem da Zona Franca de Manaus. Isto propiciava condições favoráveis à ocorrência das fraudes e de graves prejuízos ao erário público.

Além do mais, a Polícia Federal não possui efetivo policial, no Amazonas, adequado ao atendimento de todas as exigências do imenso território. Cabe-nos, assim, enaltecer a dedicação e o esforço pessoal de diversos funcionários da Polícia Federal e da Receita Federal que se desdobram para apurar fatos daquela gravidade, à medida em que vão ocorrendo.

Minhas Senhoras, meus Senhores, prezados colegas parlamentares, creio que todos os integrantes da CPMI deram o melhor de si para que pudéssemos reforçar o combate ao roubo de cargas no País. Um crime que empobrece áreas industriais e de logística, atemoriza seguradoras, corrompe agentes do poder público, prejudica o progresso nacional e gera desemprego.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/07/2003 - Página 20575