Discurso durante a 21ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações a respeito do pronunciamento do Senador Eduardo Siqueira Campos. Violação da soberania nacional diante do pouso de um avião militar francês em Manaus para resgatar ex-candidata à presidência da Colômbia, refém de guerrilheiros das Farc.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. SOBERANIA NACIONAL.:
  • Considerações a respeito do pronunciamento do Senador Eduardo Siqueira Campos. Violação da soberania nacional diante do pouso de um avião militar francês em Manaus para resgatar ex-candidata à presidência da Colômbia, refém de guerrilheiros das Farc.
Aparteantes
Serys Slhessarenko.
Publicação
Publicação no DSF de 31/07/2003 - Página 20722
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS, SENADOR, OCORRENCIA, REUNIÃO, MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, PARTICIPAÇÃO, GOVERNADOR, BANCADA, CONGRESSISTA, REGIÃO AMAZONICA, DEFINIÇÃO, PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR (PLP), RECRIAÇÃO, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DA AMAZONIA (SUDAM), PREVENÇÃO, FRAUDE, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL, Amazônia Legal.
  • REITERAÇÃO, PROTESTO, VIOLAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL, POUSO, MUNICIPIO, MANAUS (AM), ESTADO DO AMAZONAS (AM), AERONAVE ESTRANGEIRA, GOVERNO ESTRANGEIRO, FRANÇA, OPERAÇÃO, RESGATE, SEQUESTRO, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, IMPEDIMENTO, INSPEÇÃO, POLICIA FEDERAL, LEITURA, TRECHO, NOTICIARIO, SUSPEIÇÃO, CONHECIMENTO, AUTORIDADE, BRASIL.
  • ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, CONVOCAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), EMBAIXADOR, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, ESTRANGEIRO, ESCLARECIMENTOS, VIOLAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL, POLITICA EXTERNA, BRASIL, OPOSIÇÃO, INTERVENÇÃO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente eu gostaria de, seguindo V. Exª aqui nesta tribuna, prestar algumas informações a respeito do pronunciamento que V. Exª acabou de fazer.

Tive a oportunidade, duas semanas atrás, de participar de uma reunião realizada em Manaus, no Estado do Amazonas, em que esteve presente a Drª Tânia Bacelar, Secretária do Ministério da Integração Nacional, representando o Ministro Ciro Gomes. Essa reunião contou com a presença de vários governadores da Amazônia e de muitos parlamentares da Amazônia e nela foram definidos os últimos detalhes do projeto de lei complementar que deve ser apresentado ao Congresso Nacional pelo Presidente Lula cuidando da recriação da Sudam. Discutiu-se ali o novo modelo da Sudam, uma forma de Sudam que não fosse aquela antiga, que ficou gravada na memória dos brasileiros, como bem disse V. Exª, como um exemplo de órgão que servia para desservir ao País e até mesmo à própria Amazônia.

Depois daquela reunião, tivemos uma outra aqui na semana passada, na Câmara dos Deputados, com a presença de toda a bancada da Região Amazônica, com a presença do Ministro Ciro Gomes. Foi assegurado, então, que o Presidente Lula, no mês de agosto, possivelmente no dia 20, vai anunciar, em uma das capitais dos Estados da Amazônia, a recriação da Sudam nos moldes da recriação da Sudene.

Na verdade, Sr. Presidente, acho que a Sudam e a Sudene nunca deveriam ter sido extintas. Ao se descobrir uma ilicitude, um crime num órgão, não é extinguindo-o que se resolve o problema - aliás, o Presidente disse muito bem isso ontem quando do relançamento da Sudene. O que se tem que fazer não é extinguir o órgão, é colocar na cadeia quem efetivamente praticou as falcatruas que foram constatadas tanto na Sudene quanto na Sudam.

Penso que o Presidente Lula está resgatando, inclusive, uma dívida para com a Região Nordeste e Amazônica ao recriar a Sudene e a Sudam. Já existe um acordo entre as bancadas do Nordeste e da Amazônia no sentido de trabalharmos para que ambas as legislações sejam aprovadas no mesmo momento, porque não há sentido, evidentemente, de se discutir isoladamente um e outro órgão.

Posso assegurar a V. Exª, aos ouvintes da Rádio Senado e da TV Senado que a Sudam sairá do papel. Saí de uma audiência agora há pouco com o Ministro Ciro Gomes e posso lhes adiantar que estão pendentes apenas a definição de data na agenda do Presidente - poderá ser o dia 20 de agosto ou outra data próxima - e da capital dos Estados da Amazônia onde o Presidente lançará a nova Sudam. Será uma Sudam diferente, como disse o próprio Presidente, como tem dito o Ministro Ciro Gomes, blindada contra fraudes, uma Sudam que sirva a todos os Estados da Amazônia, que possa, efetivamente, até privilegiar os Estados mais pobres da Amazônia e fazer, efetivamente, não só um trabalho de eliminação das desigualdades regionais, mas principalmente de eliminação das desigualdades intra-regionais, porque, quando se fala em Amazônia, pensa-se no Pará, no Amazonas, em Mato Grosso, até no Maranhão, que faz parte da Amazônia Legal, mas não se pensa, por exemplo, em Rondônia, no Acre, em Roraima, no próprio Tocantins, que muita gente boa não sabe que pertence à Região Norte e à Amazônia Legal.

Era essa a informação que eu gostaria de passar antes de entrar propriamente no tema do meu pronunciamento.

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - Permite-me V. Exª um aparte.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Com muito prazer, concedo um aparte à Senadora Serys Slhessarenko.

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - Muito obrigada, Senador Mozarildo Cavalcanti. Concordo com V. Exª quando fala sobre o resgate da Sudene e da Sudam, órgãos de extrema importância para o desenvolvimento da Região Amazônica. Como V. Exª muito bem disse, não temos que extinguir instituições ou órgãos, mas fazer com que funcionem, com competência, desempenhando a função e o papel que lhes são destinados, sem corrupção. Só isso. É aquela velha história a que costumo fazer referência: se a criança está suja, dá banho na criança e joga a água suja fora. Mas há pessoas que costumam jogar a criança fora. Felizmente, a Sudam está sendo resgatada, é só uma questão de dias, porque a sua instalação é um compromisso do Presidente da República. São programas importantíssimos para a promoção do desenvolvimento das regiões que têm maiores dificuldades, que apresentam extensão geográfica gigantesca e densidade demográfica muito baixa, o que dificulta o desenvolvimento. Inclusive a soberania do País e a integridade do território nacional dependem dessa região e de programas e projetos de desenvolvimento. Com certeza, são órgãos da maior importância e da maior relevância. Felizmente, as coisas estão tomando o rumo e o caminho corretos. Muito obrigada.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senadora Serys Slhessarenko. Todos nós, da Amazônia, fomos tomados de surpresa, à época, com a extinção da Sudam.

Como têm dito o Ministro Ciro Gomes e o Presidente Lula, não é extinguindo um órgão que se corrigem os procedimentos errados que ali se praticam. Agora se retoma a importância da Sudam para a Amazônia e da Sudene para o Nordeste. Essa medida é importante e vem a calhar, porque recente relatório da ONU aponta o Brasil como o País que mais cresceu em qualidade de vida na década de 90. E, coincidentemente, a pobreza só cresceu no norte do País. Isso é o que se constata no relatório da ONU.

Então, mais do que nunca se justifica a volta da Sudam, que abarcará não só todos os Estados do Norte, mas também parte do Mato Grosso e parte do Maranhão, diante de dados que mostram que aumenta a pobreza na Região Norte e a riqueza no Sul e no Sudeste.

Sr. Presidente, voltei à tribuna hoje para falar sobre o mesmo tema que abordei ontem: a violação da soberania nacional no incidente do pouso de um avião francês em Manaus para resgatar uma ex-Senadora e ex-candidata à presidência da República da Colômbia, a cidadã Ingrid Betancourt, que tem dupla nacionalidade - colombiana e francesa -, em uma operação realizada, segundo as informações de que eu dispunha até ontem, sem conhecimento do Governo brasileiro e sem uma explicação lógica, inclusive não permitindo a inspeção do avião pela Polícia Federal.

Reclamei aqui da nota do Itamaraty, que considerei tímida e muito elegante diante da afronta que foi a operação engendrada pela França para resgatar uma cidadã colombiana na selva da Colômbia através do território brasileiro. Mas hoje fiquei mais abismado ainda quando tomei conhecimento da notícia publicada no jornal O Globo, que afirma que “Irmã de Ingrid diz que Brasil sabia de operação”.

As nossas autoridades, entretanto, disseram que não sabiam da operação e apenas autorizaram o pouso do avião francês para reabastecimento, e que permitiram que ele permanecesse cerca de dez dias em Manaus, quando deveria se dirigir para Caiena. Quem olhar o mapa da América do Sul perceberá que não seria o trajeto lógico de quem viesse da França para a Guiana Francesa pousar em Manaus para reabastecimento, a não ser que tivesse perdido a rota. O mais lógico seria parar em Belém ou Macapá.

De qualquer forma, a operação foi cheia de ocorrências mirabolantes. Mas o Itamaraty se disse surpreso e pediu à França que não repetisse mais o fato. A irmã da pessoa que deveria ser libertada diz que “Farc libertariam ex-Senadora enviando mensagem política”.

A França avisara autoridades brasileiras sobre seu plano de resgatar a ex-Senadora colombiana Ingrid Betancourt, refém de guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Foi o que disse ao jornal “Le Figaro” Astrid Betancourt, irmã de Ingrid. O governo brasileiro tem negado ter sido avisado por Paris sobre o objetivo da operação que levou um avião militar francês a pousar em Manaus, com 11 pessoas a bordo, na maioria agentes especiais.

Eu sei que o Ministro (Dominique de Villepin, chanceler francês) avisou às autoridades brasileiras” - vejam bem as palavras da irmã da Srª Ingrid Betancourt. “Pedi que as autoridades colombianas não tomassem conhecimento, porque isso poderia dificultar a libertação de minha irmã”, disse Astrid ao jornal.

Astrid conta que pediu ajuda ao governo francês para libertar a irmã, que tem dupla nacionalidade: francesa e colombiana. A operação fracassou. O governo francês tem sido questionado por aparentemente não ter informado Brasil, Colômbia e nem autoridades francesas, entre eles o próprio presidente Jacques Chirac.

Astrid diz ter sido avisada pelas Farc de que a irmã seria libertada para “levar uma mensagem política ao governo colombiano”. Uma pessoa da família (ela) e um padre deveriam estar no dia 5 de julho em Letícia, fronteira com o Brasil e de lá ir de barco para outro vilarejo no dia 9, quando Ingrid seria libertada. Ela atribuiu indiretamente a culpa do fracasso à publicação brasileira “Carta Capital”, que revelou a existência do plano de resgate.

Aliás, a revista Carta Capital, editada em Brasília, foi a única que deu uma cobertura minuciosa deste caso, em duas edições seguidas.

Sr. Presidente, o mais estranho é que há, para quem quiser ver, um e-mail que apresenta um comunicado das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, no seguinte teor:

Comunicado das FARC - Exército do Povo

1 - Com surpresa escutamos as notícias da imprensa dando conta dos encontros de familiares da senhora Ingrid Betancourt e funcionários do Governo da França, com supostos enviados da nossa Organização guerrilheira, na fronteira de Brasil - Colômbia, com o propósito de acordar a libertação da senhora Ingrid.

2 - Sobre este particular as FARC - Exército do Povo expressam à comunidade nacional e internacional seu total desconhecimento e absoluto rechaço. O sucedido foi obra da inteligência militar, da cabeça do Presidente Álvaro Uribe, com a finalidade de enganar e assaltar as boas intenções humanitárias dos franceses. Qualquer intento de libertar detidos em nosso poder por vias distintas às autorizadas pelo Secretariado em nada compromete o nome nem a política da organização.

3 - A política oficial das Farc é a de conseguir a Troca ou Acordo Humanitário que permita libertar a totalidade dos detidos políticos em poder do Governo e das FARC - Exército do Povo. Com esta finalidade já fizemos novas exigências ao Governo e estão nomeados os três negociadores. Seguimos sem receber a resposta oficial do Governo. Este objetivo se fará realidade com a contribuição dos amigos interessados na assinatura da Troca ou Acordo entre as partes que ponha fim ao cativeiro das pessoas detidas por problemas estritamente políticos, derivados do conflito interno dos colombianos.

Secretariado do Estado-Maior Central das Farc - Exército do Povo.

Montanhas da Colômbia, 28 de julho de 2003.

            Ora, Srª Presidente, veja que embrulhada. O Governo brasileiro disse que não foi avisado. A irmã da pessoa seqüestrada pelas Farc afirmou que o Governo brasileiro foi avisado e o colombiano não, para não prejudicar a libertação da Srª Ingrid Betancourt, ex-senadora e ex-candidata à Presidência da Colômbia. E as Farc, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - a guerrilha colombiana -, divulgaram uma nota na Internet, portanto de alcance mundial, afirmando que não é verdade.

            A operação se torna mais clandestina ainda. E o Brasil, se for verdadeira a afirmação da irmã da Srª Ingrid, estava conivente com a ingerência num país vizinho, permitindo que um avião militar francês usasse o território nacional para esse fim.

Portanto, eu quero aqui dizer, mais uma vez, como fiz ontem, que vou requerer à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional que convide o Sr. Ministro das Relações Exteriores, o Embaixador da Colômbia, e também a irmã da Srª Ingrid, para que possamos esclarecer essa violação da nossa soberania, essa interferência de um governo, no caso, o francês, no território brasileiro. E, mais ainda, o Brasil, que se tem pautado pela não ingerência em assuntos internos de outros países - é o caso, inclusive, exemplar, da não interferência na questão da guerrilha na Colômbia e em outros movimentos dos nossos vizinhos -, se for verdadeira a afirmação da irmã da Srª Ingrid Betancourt, realmente cometeu um deslize muito sério.

Eu não acredito que isso seja verdade, mas há tanta contradição nessa história, até mesmo na palavra dos comandantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Farc, que é preciso investigar, Srª Senadora. Senão, nós, como País, estaremos à mercê de jogadas subalternas, porque, nesse caso, não está em jogo sequer uma ação humanitária para libertar a Srª Ingrid Betancourt. A própria guerrilha que a detém, que a seqüestrou, está dizendo que isso não é verdade. Seria, então, uma operação completamente à revelia de tudo e de todos.

Repito: o Brasil não pode aceitar essa situação. Primeiro, há que esclarecer a nota do Itamaraty que diz que o Brasil não tinha conhecimento da finalidade da missão daquele avião Hércules C-130 com onze franceses a bordo, os quais, segundo as informações, eram agentes secretos - tão secretos que o próprio Presidente da França, como Chefe de Estado, segundo notícias, não tinha conhecimento da ação.

É muita confusão diplomática num episódio só. O Presidente francês, país de onde veio o avião, não tinha conhecimento da missão. O Brasil também afirma que não sabia. A Colômbia não foi avisada, segundo palavras da irmã da pessoa seqüestrada, e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc, também estão desmentindo que houvesse qualquer acordo para libertar a ex-senadora e ex-candidata a Presidência da República. 

Portanto, Srª Presidente, mais do que nunca é necessário que a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado tome providências, convidando as autoridades que mencionei, notadamente o Ministro das Relações Exteriores, para que esclareçam para o Senado e a Nação o episódio, que coloca o Brasil na posição subalterna de ser violado, sem mais nem menos, de maneira tão escancarada, por um aviãozinho tão pequeno como o Hércules C-130, que pousa no Aeroporto de Manaus dizendo que vai apenas reabastecer, para prosseguir para Caiena, quando essa rota não faz sentido, basta olhar o mapa.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/07/2003 - Página 20722