Discurso durante a 22ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Mudança de opinião dos dirigentes do MST a respeito da liberação dos transgênicos.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • Mudança de opinião dos dirigentes do MST a respeito da liberação dos transgênicos.
Publicação
Publicação no DSF de 01/08/2003 - Página 20910
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, ALTERAÇÃO, OPINIÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, AUSENCIA, PERIGO, PRODUTO TRANSGENICO.
  • COMENTARIO, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), CONFIRMAÇÃO, AUSENCIA, PERIGO, SAUDE, CONSUMO, PRODUTO TRANSGENICO.
  • EXPECTATIVA, AUTORIZAÇÃO, MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT), PLANTIO, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO, BRASIL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tempo é a medida da sabedoria, já diziam os filósofos gregos, quando tentavam discutir o aspecto transitório da verdade. Com isso em mente, surpreendi-me há alguns dias com uma declaração dos dirigentes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) a propósito da liberação dos transgênicos. Segundo eles, numa entrevista recentemente publicada, não haveria nada mais contra a comercialização da soja transgênica no Brasil. Minha reação só podia ser de espanto. Pois quem diria? Há bem pouco tempo, seguindo a cartilha do ativista francês José Bové, os mesmos dirigentes juravam de pés juntos que se tratava de mais um maquiavelismo do capitalismo expropriador.

Não pretendo com isso, evidentemente, desqualificar o arbítrio político e moral por meio do qual o MST baliza suas ações, declarações e desatinos. Pelo contrário, meu objetivo é de, uma vez mais, expressar apoio explícito à liberação dos transgênicos, a exemplo de outros países. Porém não se pode deixar de reparar a contradição vexatória a que se sujeita o MST, no exato instante em que, em nossa memória, lembramos aqueles atos extremos de vandalismo implacavelmente impetrados contra as plantações de soja transgênica no Rio Grande do Sul.

Apelando ao bom senso e aos resultados das pesquisas realizadas aqui e no exterior, tudo indica que as controvérsias estão a um passo do fim. Isso se evidencia na medida em que a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um documento definitivo sobre a questão. Nele, relata-se que os produtos geneticamente modificados, cuja comercialização no mundo inteiro é de conhecimento geral, não trazem risco à saúde humana, tampouco podem ser caracterizados como “não-seguros”. Isso se contrapõe ao entendimento que a Greenpeace, por exemplo, tem defendido largamente junto à imprensa, contando, naturalmente, com a simpatia nada ingênua de que goza junto à sociedade mundial.

Aliás, a Organização Mundial da Saúde já expunha, desde antes, sua posição a favor do consumo dos transgênicos nas políticas de combate à fome, sobretudo na África austral. No Brasil, uma das maiores autoridades do assunto é o professor Antonio Barreto de Castro, chefe de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Embrapa, para quem a tese de que vegetais geneticamente modificados sejam prejudiciais à saúde humana não passa de lenda. Mais que isso, o professor Castro esclarece que, no mundo inteiro, são cultivados cerca de 60 milhões de hectares com variedades diversas desses vegetais. Desse total - sustenta o professor -, 25% correspondem a plantas resistentes a insetos, o que significa, portanto, a dispensa do uso de agrotóxicos e, paralelamente, redução de custo de produção e dos males que alguns produtos utilizados causavam ao meio ambiente e, por extensão, aos seres humanos.

Enquanto a polêmica parece caminhar para um desfecho feliz, o MST abraça a causa sem sentir remorsos pelo desvio adotado. Se não a demagogia, pelo menos o paternalismo deve ser caracterizado como a insígnia desse movimento atrapalhado, que encobre práticas de produção nos assentamentos cujos eixos se orientam por regras diametralmente contrárias ao discurso proferido externamente. Se não assim, como explicar o vasto uso de antibióticos em vacas leiteiras dos acampamentos, bem como a utilização maciça dos carrapaticidas, mosquicidas e vermicidas tóxicos dos laboratórios multinacionais nas rações destinadas às galinhas?

Sr. Presidente, por outro lado, o mal-estar europeu em relação aos organismos geneticamente modificados parece ter contagiado o consumidor brasileiro de classe média. A rejeição, de acordo com pesquisas realizadas recentemente, cresce à proporção que não se certifica do real impacto desses produtos no organismo humano. Não por acaso, há registros de que a preferência por produtos orgânicos no Brasil, ou seja, cultivados sem o uso de agrotóxicos ou manipulação genética, tem-se expandido nos últimos tempos. Contudo, isso não é suficientemente conclusivo, a ponto de considerarmos que, a partir de uma campanha de esclarecimento, não possamos reverter o quadro. Mesmo porque, como bem salientou uma jornalista paulistana no programa Roda Viva da última segunda-feira, a população brasileira sequer tem conhecimento dos potenciais problemas que a ingestão de arroz de cultivo convencional pode provocar no organismo humano.

Nesse contexto de desconhecimento histórico, não podemos fingir que temos controle sobre tudo que consumimos. Por isso, ninguém deve acreditar que, antes da descoberta da transgênese, comíamos batata, milho e feijão em estado de graça natural. Como é bem sabido, estes e outros cereais vêm sofrendo, ao longo da história, processos incansáveis de melhoramento ou aperfeiçoamento genético, com o propósito de transformá-los em produtos mais agradáveis ao paladar, bem como mais nutritivos.

Em todo caso, endosso inteiramente a tese segundo a qual o Brasil não parece estar adequadamente preparado para o domínio da biotecnologia como ciência aplicada, mesmo quando sua economia depende, indiscutivelmente, de sua produção agrícola convencional. Nessa linha, a transgênese ocupa capítulo importante no livro da biotecnologia, sem o controle da qual nada poderá ser debatido com mais profundidade no País. Apesar disso, não podemos furtar-nos ao reconhecimento inquestionável da eficácia tecnológica empregada em modificações genéticas contra o problema da fome e do controle de natalidade. A experiência com o milho, a título de ilustração, tem sugerido que propriedades anticoncepcionais poderiam ser adicionadas ao produto, visando à implementação de uma política mais racional em favor do controle da natalidade em países pobres e emergentes.

Nos Estados Unidos, concentram-se os maiores detentores das aplicações comerciais da moderna biotecnologia. Lá, não existe regulamentação específica para o controle do uso da tecnologia de DNA/RNA recombinante. Os organismos geneticamente modificados liberados no meio ambiente são regulados pelas agências de saúde, de agricultura e de ambiente, respectivamente. Para se ter uma ligeira idéia do panorama norte-americano, em 1998, a área de cultivo de produtos geneticamente modificados somava quase 28 milhões de hectares, dos quais 71% representavam culturas alteradas quanto à característica de tolerância a herbicidas. Disso resulta, naturalmente, a hegemonia do País na exportação de culturas geneticamente modificadas.

No Brasil, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTN-Bio), órgão do Ministério de Ciência e Tecnologia, tem acenado positivamente para a liberação dos transgênicos. Pelo menos desde 98, quando a CTN-Bio emitiu parecer favorável à comercialização da soja transgênica, a empresa Monsanto vem realizando vultosos investimentos na área, na expectativa de que o Brasil autorize de vez não somente a comercialização, mas sobretudo seu plantio. É provável que suas congêneres no Brasil e fora daqui adotem a mesma iniciativa, tão logo tudo seja devidamente legalizado no País.

Para concluir, Sr. Presidente, gostaria de salientar minha satisfação pela nova tomada de consciência por parte de setores radicais de nossa sociedade, demonstrando bom senso e agudez política nas questões que tocam aos transgênicos no Brasil. Por isso, antevejo, com espírito alvissareiro, que as portas para a liberalização das regras de plantio e comercialização estão prontas para a abertura completa. Afirmo isso, porque convicto estou do papel crucial que os transgênicos exercerão no projeto de retomada do desenvolvimento em nosso País.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/08/2003 - Página 20910