Discurso durante a 89ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Destaca o artigo "Tirando o corpo fora", da jornalista Dora Kramer, da sua coluna do Jornal do Brasil, do dia 31 de julho de 2003.

Autor
Lúcia Vânia (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • Destaca o artigo "Tirando o corpo fora", da jornalista Dora Kramer, da sua coluna do Jornal do Brasil, do dia 31 de julho de 2003.
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/2003 - Página 22152
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUTORIA, DORA KRAMER, JORNALISTA, QUESTIONAMENTO, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, IMPEDIMENTO, AGRAVAÇÃO, CONFLITO, VIOLENCIA, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.

“Tirando o corpo fora”

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, venho neste momento a esta tribuna para, destacar artigo da jornalista Dora Kramer, da coluna do Jornal do Brasil, do dia 31 de julho de 2003.

O texto é de extrema propriedade visto a época de conflitos que estamos vivendo sem termos tido ainda nenhuma manifestação prática por parte dos nossos Governantes.

Por isso solicito a inclusão nos Anais da Casa da coluna, da referida jornalista.

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA LÚCIA VÂNIA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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     Tirando o corpo fora

     O poder público, na União e nos Estados, começa se envolver num jogo de empurra onde, cada um a seu modo, tenta afastar os respectivos corpos da responsabilidade de lidar com a agressividade crescente dos movimentos dos sem-terra e sem-teto.

     Não bastassem os conflitos já existentes, agora estabelece-se um embate de autoridades em que vigoram as velhas trocas de acusações e transferências mútuas de responsabilidades.

     Se é fato que o governo federal alimentou a ousadia dos manifestantes ao dar a eles a impressão de que são parceiros de um acordo tácito, é verdade também que os governadores de estado comportam-se como se a eles não coubesse obrigação alguma.

     O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, estão em vias de trocar desaforos tal a subida do tom das declarações de ambos nos últimos dias. Digamos que Dirceu tenha razão quando diz que a situação no Pontal do Paranapanema é de gravidade anterior ao governo Luiz Inácio da Silva e que, há 20 anos, nenhum governador foi capaz de encontrar uma solução.

     Nem por isso Geraldo Alckmin deixa também de ter motivos concretos para apontar a existência de um ''espetáculo de invasões'' e de cobrar das autoridades federais mais que palavras, ''gestos práticos''.

     Durante anos isso aconteceu no Rio de Janeiro. O governo local sistematicamente recorreu ao estratagema do empurra para justificar o aumento da criminalidade sob seu nariz. Agora, algo semelhante ocorre em âmbito nacional.

     Do governo federal não se ouviu ainda uma única afirmação de que a reforma agrária não se fará a poder de invasões, e os governadores fingem-se de mortos na aplicação do poder de polícia. Não resguardam as propriedades ameaçadas de invasão e não garantem o cumprimento de ordens judiciais.

     Agora mesmo, em Pernambuco, uma área a 64 quilômetros de Recife está ocupada pelos sem-terra, que prometem ''resistir'' a despeito da existência de uma ordem do Tribunal de Justiça determinando uma reintegração de posse decretada há seis anos.

     Não obstante o MST pernambucano seja um dos mais radicalizados, não se ouviu a voz do governador Jarbas Vasconcelos a respeito, como também não se tem notícia de que o governador Aécio Neves tenha feito qualquer movimento no sentido de impedir a depredação de uma propriedade em Unaí.

     Do Paraná, manifesta-se o governador Roberto Requião apenas para convalidar atos como bloqueios de pedágios. E assim repete-se país afora uma inação coletiva, quando a exigência é de uma ação conjunta.

     Os governadores reclamam do governo federal uma atitude firme. Quanto a esta necessidade, ninguém tem dúvida, a não ser aqueles que resolveram por bem adotar o expediente da avestruz, enfurnar as cabeças no chão e considerar que o que vemos é fruto de uma exacerbação ideológica, de uma deformação mórbida em favor da repressão aos fracos e oprimidos.

     Os chefes de executivos estaduais cobram firmeza, mas usam a mesma energia meramente retórica que faz ministros considerarem que há exagero na avaliação sobre o potencial de desorganização política, social e econômica que o presente quadro encerra.

     Guardadas as naturezas biográficas dos personagens, trata-se do mesmo filme em cartaz no Rio de Janeiro, quando os banqueiros do bicho eram absorvidos com naturalidade como parte integrante da sociedade, beneméritos de boas causas no país do carnaval e do futebol.

     Por mais um tempo, os fora-da-lei dos morros foram tidos como heróis. Afinal, sustentavam, organizavam e beneficiavam as comunidades. E isso sob os auspícios do poder público que, com acordos não escritos de suposta limitação de agressões, acreditava manter a situação sob controle e o risco no nível do aceitável.

     Por essas e por outras é que o Brasil já deveria ter aprendido que com lei não se brinca. A quebra da legalidade se dá desde o primeiro instante em que a norma é infringida - seja qual for a origem social, a opção ideológica ou a natureza dos propósitos do infrator.

     O princípio constitucional da igualdade anula o conceito de meia agressão à lei. Assim como não existe um processo de medição pelo qual estabelece-se o limite para o atropelo da ordem jurídica, que não aceita o pressuposto dos meios como justificativa aos fins.

     O ministro da Justiça diz que o governo estará ''pronto para agir assim que houver quebra da legalidade'', os governadores cobram o cumprimento da lei como se desta tarefa estivessem desobrigados; e a população, não demora, poderá se perguntar se, afinal de contas, ninguém será chamado às falas por descumprimento das respectivas responsabilidades.

     Coluna do Jornal do Brasil , de 31 de julho de 2003.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/2003 - Página 22152