Discurso durante a 90ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Crise financeira instalada nos municípios brasileiros que esta gerando protestos e paralisações nas prefeituras.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.:
  • Crise financeira instalada nos municípios brasileiros que esta gerando protestos e paralisações nas prefeituras.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 06/08/2003 - Página 22226
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, FINANÇAS, MUNICIPIOS, BRASIL, INSUFICIENCIA, RECEITA MUNICIPAL, REDUÇÃO, REPASSE, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICIPIOS (FPM).
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, VALOR ECONOMICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, REDUÇÃO, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICIPIOS (FPM), COMENTARIO, ORADOR, POSSIBILIDADE, PROVOCAÇÃO, CRISE, FINANÇAS, MUNICIPIOS, ESPECIFICAÇÃO, EXCESSO, TRANSFERENCIA, OBRIGAÇÕES, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, DESTINAÇÃO, PREFEITURA, AUSENCIA, ACOMPANHAMENTO, RECEITA MUNICIPAL.
  • CRITICA, DECISÃO, PREFEITURA, PARALISAÇÃO, SERVIÇO PUBLICO, FORMA, PROTESTO, DIFICULDADE, FINANÇAS.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - S. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos quinze dias, aproximadamente, tivemos a oportunidade de ter veiculado pelos principais meios de comunicação do nosso País, notícia de crise instalada nos Municípios brasileiros, muito grave, com redução de arrecadação, de repasse do Fundo de Participação dos Municípios - FPM - e as prefeituras fazendo manifestações com o intuito de se organizarem para proceder a diversas formas de pressão e protestos, inclusive, com deliberações, tendo como tarefa, como objetivo, a paralisação das atividades das prefeituras ou fechamento das prefeituras.

Eu tenho acompanhado muito atentamente e procurado levantar os dados, porque a questão atinente aos municípios, todos sabem, é um problema que vivenciamos há alguns anos. Há razão nas nossas prefeituras sobre várias manifestações, porque os nossos municípios acabaram herdando, nas últimas décadas, um volume significativo de encargos, de responsabilidades que foram repassadas dos Governos Federal e Estadual para os Prefeitos, principalmente nas questões de atendimento direto à população, como na área da saúde e da educação. E esse repasse, cada vez maior de encargos, também acabou sendo acompanhado de uma diminuição significativa de recursos.

Na distribuição do bolo tributário brasileiro, de 1988 para cá, as prefeituras tiveram uma diminuição significativa do percentual desses repasses, por vários motivos. Entre eles, o da criação de algumas contribuições que, obviamente, por não serem impostos, não são divididas entre os entes federados - os Estados e os Municípios; ficam apenas com a União.

Então, esse é um problema que, eu diria, não é de hoje. Ele vem se arrastando há um bom tempo e preocupa a todos; tem tido inúmeras manifestações e movimentações. Mas, de repente, nesses últimos quinze dias, isso se transformou em uma crise nacional. Nós todos sabemos também que, depois da Constituinte de 1988, tivemos uma verdadeira febre emancipacionista. Foram criados mais de 1.200 municípios, de 1988 para cá. Uma boa parte desses municípios não tinha estrutura nem arrecadação suficiente para se manter. Eles dependem exclusivamente de repasses. Como o bolo não aumentou - muito pelo contrário, diminuiu - e tem de ser dividido entre um número maior de municípios, é claro que o repasse tende a diminuir.

Agora, há uma situação peculiar este ano, que é fundamental, e deve ser registrada: o Fundo de Participação dos Municípios tem como base, fundamentalmente, o Imposto de Renda, que é o grande sustentáculo do FPM. Em 2002, o FPM obteve valores significativos, ou seja, obteve receitas extras da ordem - somente no caso do Imposto de Renda -, no primeiro semestre do ano passado, de 8,4 bilhões. Neste primeiro semestre, foi reduzida para 3,4 bilhões. Portanto, houve uma redução de quase um terço na arrecadação do Imposto de Renda, porque, no ano passado, obtivemos arrecadações extras. Houve algumas situações colocadas para o Imposto de Renda que propiciaram um valor maior na sua arrecadação e, obviamente, isso refletiu também em termos de FPM. Aliás, há um artigo publicado no Valor Econômico, da lavra do jornalista Ribamar Oliveira, que coloca isso de forma muito clara. Diz assim:

Por causa das receitas atípicas, os repasses do FPE e do FPM no primeiro semestre do ano passado atingiram níveis excepcionais. Como não estavam atentos ao fato de que as receitas extraordinárias, por definição, não se repetem nos exercícios seguintes, os governadores e prefeitos programaram os seus gastos como se os repasses do FPE e do FPM fossem manter este ano o mesmo comportamento de 2002. As despesas foram colocadas no orçamento e o dinheiro não chegou.

Ele, inclusive, publica uma tabela que apresenta muito claro esses dados.

No ano de 1999, no primeiro semestre, o FPM foi de 13,10 bilhões; em 2000, 12,16; em 2001, 12,70; e em 2002 subiu para 14,58. E no primeiro semestre deste ano voltou para 12,06. Portanto, este ano voltou aos patamares que nós tínhamos em 1999, em 2000 e 2001. Ainda há uma outra situação que prefeito nenhum tem o direito de alegar desconhecimento ou descuido, porque nos meses de junho, julho e agosto tem a devolução do Imposto de Renda. Portanto, todo prefeito sabe que nos meses de junho, julho e agosto o FPM diminui, porque o Imposto de Renda tem o processo de devolução.

O que está acontecendo? Os problemas são reais, nós não estamos aqui buscando escamotear nenhum dos problemas, os municípios têm razão em várias das questões que levantam. Agora, os jornais estão recheados de ameaças de greve, fechar prefeitura, negar serviço para a população, parar o município... E essa possibilidade de parar prefeitura, de fechar prefeitura, de negar atendimento, fazer greve é algo que não podemos admitir!

No meu Estado, a Federação Catarinense das Associações dos Municípios, que é presidida pelo Prefeito de Anitápolis, do PSDB, está chamando para a paralisação nos dias 6 e 7 de agosto. No Rio Grande do Sul e no Paraná já tivemos paralisação. Em São Paulo, sobre a paralisação que está sendo noticiada e que deve parar 500 Prefeituras de São Paulo, a declaração do Presidente da Associação Paulista de Municípios diz o seguinte:

A APM não recomendou a paralisação das atividades, mas respeitamos as decisões de cada município e sabemos que muitos vão parar”, disse o presidente da associação e prefeito de Osasco, Celso Giglio (PSDB).

No caso da Bahia, as manchetes do dia de hoje dizem: “Prefeitos da BA podem demitir 40 mil”. Está aqui a declaração do Presidente da União dos Prefeitos da Bahia, Sr. Alberto Muniz, do PFL, que diz: “Não temos outra alternativa a não ser as demissões”.

Em Alagoas, há propostas de protestos para o dia 12, e em Minas Gerais também estão fazendo movimentos.

Há algo que me chamou a atenção, porque, quando conseguimos observar as declarações de alguns presidentes de associações, tem havido uma certa coincidência nas manifestações vindas de personalidades, de Prefeitos do PSDB e do PFL. Aliás, no caso do PFL - até recortei uma nota, que somente saiu no jornal da minha paróquia, como eu chamo, de Santa Catarina. É uma pequena nota, que diz assim:

Do recente roteiro estadual do PFL, liderado pelos Presidentes Jorge Bornhausen e Raimundo Colombo, nasceu uma idéia que será materializada pela cúpula nacional do partido: um encontro com os 1.025 Prefeitos peefelistas em Brasília. Já tem até data marcada: 14 de agosto.

Há muita coincidência, do meu ponto de vista. Que há uma crise, que existem problemas concretos e reais, nós todos o sabemos, nós todos acompanhamos, temos atuado e buscado solução! Mas, de repente, a crise virou insustentável. E, por coincidência, quem capitaneia a paralisação, a greve, o fechamento, são exatamente Prefeitos ou personalidades vinculadas ao PSDB e ao PFL.

Acredito que isso não é tão-somente uma coincidência. Não é algo assim tão simples, porque nós já tivemos oportunidade de realizar uma discussão muito séria a respeito da greve do Judiciário, greve esta absolutamente inadmissível. Poder não faz greve! Poder Judiciário não faz greve! Poder Executivo não faz greve! Poder Legislativo não faz greve! A nós foi delegado poder para executar uma tarefa, e nós não temos o direito de fazer greve. Greve quem faz é trabalhador, aquele que vive do salário e executa uma tarefa de produção. Aqueles a quem a população outorgou o poder de exercer uma tarefa institucional não têm direito a fazer greve!

Aliás, Prefeito que fizer greve, que fechar a Prefeitura, automaticamente deverá entregar o diploma e o cargo, permitindo que a cidade seja governada por outra pessoa.

Ressalto ainda que há alguns fatos que me causam estranheza nessa movimentação. Quanto à situação das prefeituras, houve duas deliberações recentes muito importantes que se arrastavam no Congresso Nacional e que trazem efeitos benéficos imediatos aos nossos Municípios.

Durante a convocação extraordinária, votou-se a modificação da base de cálculo do ISS, modificação essa comemorada pela maioria dos prefeitos, os quais acompanharam a votação e festejaram o resultado. O projeto do ISS, de autoria do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, estava no Congresso Nacional desde 1989. Sua alteração permitirá que as prefeituras tenham arrecadação. Há projeções de que o ISS, arrecadação importante para muitos Municípios brasileiros, dobrará em dois ou três anos. Um projeto que se arrastava desde 1989 foi votado no mês de julho pelo Congresso Nacional, pelo Senado da República, numa demonstração clara de que estamos atentos aos problemas dos Municípios, agilizando processos engavetados, paralisados há muitos anos.

Recentemente, foi aprovada a lei do transporte escolar, que alivia a situação das prefeituras, porque os alunos da rede estadual são transportados pelas prefeituras com custos exclusivamente para os Municípios, embora, na grande maioria, sejam alunos da rede estadual, mas os Governos estaduais não liberavam dinheiro para transporte. Aprovamos esse projeto que se arrastava no Congresso Nacional desde 2001 e aliviamos as finanças das Prefeituras.

Os Prefeitos têm todo o direito de se organizar, de se manifestar, de pressionar, de fazer lobby, de vir a Brasília, de realizar marcha de Prefeitos e fazer tudo o que têm direito. Aliás, foram sempre bem recebidos pelo Presidente Lula e pelos Ministros. Eles vieram a Brasília e nenhum deles foi mordido por cachorro nesses primeiros sete meses de Governo Lula. Estão sendo atendidas as suas reivindicações. Penso que poderão e deverão ser ouvidos quando estiver em pauta a reforma tributária.

Entretanto, realizar greve articulada, organizada, orquestrada com o objetivo de criar uma crise institucional no País é inadmissível. Os Prefeitos contam com o nosso respeito e têm todo o direito de se manifestar, mas não de se posicionar como se não estivesse ocorrendo uma orquestração. Descartada a greve do Judiciário, inventam outra greve institucional para criar clima de crise. Isso nós não admitiremos! E não permitiremos que isso passe em brancas nuvens.

O Senador Ney Suassuna havia me pedido um aparte. Se ainda me for permitido, eu o concederei. Não dei a palavra antes a S. Exª porque pretendia concluir meu raciocínio, mas, ouço o Senador com prazer.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Nobre Senadora, este tema, Estados e Municípios - e estou acrescentando Estados -, tem nos preocupado desde o início do ano. Naquela ocasião, solicitamos na Comissão de Assuntos Econômicos que fosse criada uma Subcomissão para discutir o endividamento dos Estados, oriundo de uma crise energética, que resultou no Apagão. Até hoje, essa crise onera muito os Estados, uma vez eles jamais voltaram - falei isso ainda hoje aqui - a consumir energia como anteriormente. Dessa forma, os Estados perderam substância, arrecadação. A Subcomissão ainda não foi implantada. Hoje, aqui, conversando com vários companheiros, resolvemos criar a Frente Parlamentar Pró-Estado e Município. Quinta-feira pela manhã deveremos fazer a primeira reunião e na semana que vem, convidaremos alguns Governadores e presidentes de associações de prefeitos do País. O objetivo é analisar e oferecer sugestões; não é jamais criar dificuldades para o Governo. Mas um fato tem sempre mais de uma versão. Não discuto a versão de V. Exª, mas creio que devemos nos aprofundar no tema e debatê-lo. Aproveito essa minha intervenção para convidá-la a estar presente e, juntos, acompanharmos e verificarmos até onde são verdadeiros os fatos e quais modificações serão necessárias, caso exista essa possibilidade.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço ao Senador Ney Suassuna. É esse o meu entendimento. O Senado da República é um espaço privilegiado para o debate da questão federativa, do respeito e da consideração que deve ser dada a Estados e Municípios. Vai ser um trabalho muito importante esse que a Comissão vai realizar.

E volto a afirmar que os Municípios têm razão em inúmeras reclamações, mas deixarão de ter razão, se estimularem o fechamento das Prefeituras. Da mesma forma que a greve do Judiciário teve, por parte da população, uma reação extremamente firme e forte de repúdio, tenho certeza que uma greve do poder municipal não terá, da parte da população, nenhum apoio. Estarão navegando na contramão deste País, que está buscando encontrar saídas para a situação muito grave que atravessamos, que herdamos, e que precisamos agora, em conjunto, resolver.

Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente, e ao Senador Ney Suassuna, de forma especial, pelo seu aparte.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/08/2003 - Página 22226