Discurso durante a 91ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a manifestação em protesto pela aprovação da reforma previdenciária. Felicitações aos Estados Unidos pela posição contrária à construção de muro, por Israel, incorporando terras palestinas na Cisjordânia. Convite para audiência, na Comissão de Relações Exteriores do Senado, com o Ministro Celso Amorim.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MANIFESTAÇÃO COLETIVA. POLITICA INTERNACIONAL. SENADO.:
  • Preocupação com a manifestação em protesto pela aprovação da reforma previdenciária. Felicitações aos Estados Unidos pela posição contrária à construção de muro, por Israel, incorporando terras palestinas na Cisjordânia. Convite para audiência, na Comissão de Relações Exteriores do Senado, com o Ministro Celso Amorim.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 07/08/2003 - Página 22455
Assunto
Outros > MANIFESTAÇÃO COLETIVA. POLITICA INTERNACIONAL. SENADO.
Indexação
  • APREENSÃO, VIOLENCIA, MANIFESTAÇÃO, PROTESTO, FUNCIONARIO PUBLICO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • COMENTARIO, VIAGEM, ORADOR, ORIENTE MEDIO, CRITICA, CONCLUSÃO, CONSTRUÇÃO, MURO, SEPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ISRAEL, PALESTINA.
  • IMPORTANCIA, POSIÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), OPOSIÇÃO, CONSTRUÇÃO, MURO, ORIENTE MEDIO.
  • CRITICA, CONSTRUÇÃO, MURO, FAIXA DE FRONTEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), MEXICO, OBJETIVO, CONTENÇÃO, IMIGRAÇÃO, IMPEDIMENTO, INTEGRAÇÃO, AMERICA DO NORTE, AMERICA DO SUL, ELOGIO, UNIÃO EUROPEIA.
  • CONVITE, SENADOR, MEMBROS, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, SENADO, AUDIENCIA, CELSO AMORIM, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE).

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Eduardo Siqueira Campos, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o Brasil está bastante atento ao que se passa nestas horas aqui em Brasília, e, sobretudo, desde ontem, quando se iniciou o processo de votação da reforma da Previdência, apresentada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Havia sido marcada para hoje uma jornada de manifestações de servidores federais, que chegaram dos mais diversos pontos do País para expressar o seu sentimento. Ontem houve algumas manifestações, muito fortes, sobre o procedimento de votação, sobre a tomada de posição dos diversos Deputados Federais na votação em que, por 358 votos, aprovou-se, em primeiro turno, a emenda da reforma da Previdência, na forma do substitutivo apresentado pelo Deputado José Pimentel, que decorreu de tantos diálogos e entendimentos.

Há pouco, diante do Palácio do Planalto, houve uma manifestação muito grande dos servidores públicos federais, da qual a Senadora Heloísa Helena inclusive participou. S. Exª expressou o seu sentimento a respeito do que está ocorrendo.

Sr. Presidente, eu gostaria de dizer o quão importante é que este Congresso Nacional e o Poder Executivo tenham a sua atenção voltada para os interesses maiores da população brasileira. Mas, envolvendo esses interesses, estão também os dos servidores públicos e, na medida em que começam a surgir exageros e inclusive atos como o de quebrar os vidros da entrada principal e do Salão Negro do Senado Federal e de parte do recinto da Câmara dos Deputados, a nossa recomendação ao movimento é a de que esse tipo de procedimento não os ajudará.

É claro que todos nós, Senadores e Deputados, devemos ouvir os anseios dos servidores e dos demais segmentos. É importante que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus Ministros estejam atentos e abertos ao diálogo com os servidores e apresentem suas ponderações e limitações, mas as manifestações devem dar-se em um clima de respeito à pessoa humana e à instituição mais importante da democracia, ou seja, o Parlamento. É preciso que haja respeito pelas decisões do Congresso Nacional, por mais que, em algumas ocasiões, estas possam desagradar a esse ou àquele segmento da sociedade. Cada segmento que eventualmente se veja prejudicado deve tentar persuadir os representantes do povo por métodos que não sejam os da violência.

Aliás, Sr. Presidente, hoje eu havia preparado justamente uma reflexão sobre um fenômeno relacionado à paz e ao término de conflitos. Viajei, recentemente, para o Oriente Médio, para Israel. Visitei a cidade de Ramallah, na Palestina. Conforme já expus nesta Casa, fui convidado pelas autoridades do Governo de Israel a examinar o processo de paz no Oriente Médio e também estive com o Presidente Yasser Arafat.

Sobre os esforços de paz que se estão desenvolvendo no Oriente Médio, surgiu uma notícia muito relevante. Refere-se ao fato de que, em junho de 2002, o Governo israelense iniciou a construção de um muro que seguia mais ou menos o traçado da chamada “linha verde”, uma linha imaginária que separa Israel da Cisjordânia. A justificativa para tal construção era a de que o muro visava proteger o Estado judeu de terroristas palestinos.

Nesta semana, de acordo com o noticiário internacional, o Governo de Israel iniciará a construção de uma nova etapa do muro. Esse projeto, que custará aproximadamente US$170 milhões, deixará 7,7 mil palestinos, que vivem nas cidades árabes de Nazlat Isa e Baka Al-Sharkíe, praticamente isolados entre dois muros, pois não poderão sair da região sem passar pelos postos de controle israelenses. Com aproximadamente 800 metros de comprimento e seis de altura, o muro está em uma região povoada. Por isso, o Ministério da Defesa de Israel deverá não só desapropriar terrenos palestinos, mas também destruir suas casas.

No dia 4 de agosto último, a Conselheira de Segurança Nacional da Casa Branca, Condoleezza Rice, criticou a construção do muro. Rice, que se reuniu com o Primeiro-Ministro israelense, Ariel Sharon, disse a membros do seu gabinete que o Governo dos Estados Unidos considera essa construção como uma tentativa de criar uma fronteira política de fato. Acrescentou ainda que o muro é “problemático”, pois cria um “fato consumado” e pode ser considerado como a demarcação de uma fronteira. Ariel Sharon, entretanto, destacou que não voltará atrás nessa questão.

O Governo dos Estados Unidos está estudando a redução nas garantias de empréstimos (avais) para Israel por causa do muro que esse país está construindo entre seu território e a Cisjordânia, incorporando em algumas áreas terras palestinas. A medida se aplicaria a créditos de US$9 bilhões, aprovados há alguns meses. O Secretário de Estado Colin Powell afirmou que os Estados Unidos estão preocupados com o fato de “a cerca cruzar a terra de outros”. A referência à “terra de outros” aparentemente representa um endurecimento da posição do Governo norte-americano.

É relevante que o Governo do Presidente George Bush diga ao Governo de Israel que o muro não faz sentido e deve ser destruído. Parabenizo o Governo americano por essa posição em defesa da paz no Oriente Médio, baseada na justiça e liberdade, mas lembro a existência de outro muro que, de maneira nenhuma, honra o Governo dos Estados Unidos. Refiro-me àquele muro que separa os Estados Unidos do México.

Os dois países compartilham uma fronteira de 3.118 Km, na qual circulam cerca de 310 milhões de pessoas por ano. Por décadas, foi uma fronteira aberta; era fácil cruzá-la sem documentos. De 1994 para cá, logo depois da entrada em vigor do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), as políticas migratórias dos Estados Unidos foram restringindo a passagem de pessoas sem documento.

Com esse objetivo, acabou-se construindo um conjunto de muros e cercas de contenção, completados por equipamentos eletrônicos de vigilância. Esse muro só não está presente em certos trechos do rio Bravo - ou Grande - e em áreas desérticas, extremamente inóspitas, no sul do Arizona e da Califórnia, onde a temperatura ultrapassa os 40 graus de dia e cai vertiginosamente à noite, causando problemas de hipotermia em pessoas que tentam atravessar o deserto.

As cidades de fronteira, como Nogales (Sonora) e Nogales (Arizona) são separadas por cercas de mais de quatro metros de altura. Em outras, há muros de concreto e de placas de metal corrugado. Criou-se, assim, uma barreira física que separa a maior fronteira entre um país em desenvolvimento e um país industrializado. Isso contrasta com a não-existência de muro entre os Estados Unidos e o Canadá. A fronteira entre esses dois países - de 10 mil quilômetros, portanto bem mais extensa do que aquela entre o México e os Estados Unidos - é, praticamente, um lugar de livre passagem para as pessoas.

É estranha a lógica de uma economia que se diz cada vez mais globalizada, como a dos Estados Unidos, e deseja a liberalização dos fluxos de capitais, bens e serviços entre os países do continente americano, mas que, ao mesmo tempo, não está tendo o mesmo procedimento aqui nas Américas com respeito ao ser humano. O governo americano chegou a exigir que passageiros de vôos internacionais que fazem escala técnica em seu território, desde há uma semana, sejam agora obrigados a tirar visto. Tenho me perguntado o que será preciso para que um dia esse muro possa ser totalmente extirpado como aconteceu com o Muro de Berlim.

Lembro-me de que, em 1989, quando houve a queda do Muro de Berlim, os norte-americanos - na verdade os povos de todo o mundo, mas o governo dos Estados Unidos especialmente - saudaram a iniciativa como um passo muito importante em direção à liberdade do ser humano. Os Estados Unidos já receberam tantas homenagens, tantos poemas, tantas histórias contadas por aqueles que até o século XIX e meados do século XX emigravam de suas origens para fazer a América. Isso foi objeto não apenas de livros, mas de inúmeros filmes. O próprio governo da França chegou a brindar com um presente que é tão significativo: a estátua da liberdade colocada ali diante de Manhatan para expressar justamente que os Estados Unidos são uma terra de liberdade.

Gostaria de lembrar que um dos grandes ideólogos da revolução americana, o escritor que esteve entre aqueles que mais colaboraram para que os norte-americanos lutassem pela independência dos Estados Unidos, Thomas Payne, era inglês e terminou voltando ao seu país exatamente porque ele ali não se sentiu bem depois da independência, já que suas idéias eram consideradas muito avançadas. Mas lá, na Inglaterra, começaram a queimar os seus livros, afinal era aquele homem era responsável pela perda da principal colônia da Inglaterra. Assim, seguiu ele para a França. Lá, embora estrangeiro, por ter tanto abraçado as causas da liberdade, igualdade e fraternidade, foi eleito constituinte francês.

Ainda ontem eu estava conversando com o Embaixador da França no Brasil e com sua senhora. Ela me informava que, em verdade, os franceses, após a Revolução Francesa, elegeram muitos estrangeiros para a sua Assembléia Nacional Constituinte. Ali não havia a barreira que hoje está havendo em diversos países. Saliento que uma das características mais saudáveis da integração da Europa, hoje constituída na União Européia, é que podem os cidadãos circularem e escolherem onde estudar, trabalhar e viver; seja ali em Portugal, na Espanha, na Grécia, na Holanda, na França, nos países escandinavos e assim por diante.

Se quisermos ter a perspectiva de integração econômica, cultural, política e de direitos à cidadania nas Américas, precisamos pensar na possibilidade de haver, entre as três Américas, união de fato e liberdade de locomoção dos seres humanos.

Saúdo o governo norte-americano pela atitude de declarar, na pessoa do Presidente George W. Bush, aos israelenses: “Acabem como o muro entre Israel e a Cisjordânia”. Não é isso que vai cooperar para que não haja mais terrorismo, violência e guerra. É preciso que os dois lados - palestinos e israelenses - avancem nas negociações.

Nas últimas quatro ou cinco semanas, diminuíram os atos de terror e violência, como bombas e suicidas que se lançam para realizar atentados em meio a lugares onde há grande número de pessoas. A libertação de trezentos e quarenta e poucos prisioneiros pelo governo de Israel realizada ontem constitui um passo importante. Mas, conforme tem insistido a autoridade palestina, é preciso avançar mais, é preciso que se chegue próximo ao número de seis mil que estão presos em Israel para que se avancem nas negociações e possa haver um sentimento de justiça.

Sr. Presidente, em virtude dos acontecimentos no Oriente Médio e aqui no Brasil diante desses episódios de violência, é preciso que pensemos nos passos importantes que pode a humanidade dar no sentido de que os problemas entre seus povos sejam resolvidos sem violência. Assim como expresso a minha solidariedade diante do episódio em que a Senadora Heloísa Helena foi empurrada e arrastada de uma forma que não considero adequada, também expresso a minha solidariedade ao Deputado Professor Luizinho pelo fato de ontem ter sido agredido por manifestantes. Não acredito que essa seja a melhor forma de agir.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Com muita honra, Senador Mão Santa.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos) - Senador Mão Santa, apenas alerto V. Exª e principalmente ao orador que o tempo concedido já se esgotou. Peço a V. Exª, sempre colaborador desta Presidência, que nos ajude a preservar o direito dos demais Senadores inscritos. Agradeço a V. Exª.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Pedi o parte apenas para explicar que S. Exª o Senador Eduardo Suplicy inspirou-se na França, onde nasceu o grito “Liberdade, Igualdade e Fraternidade, de Montesquieu. Mas, depois disso tudo, ele escreveu um livro em 20 anos, caro Presidente Eduardo Siqueira Campos, O Espírito das Leis. Foi esse espírito da lei que me norteou ultrapassar esse minuto. Cito o italiano Norberto Bobbio, que diz - o que é muito oportuno porque ele simboliza o PT: “o menos que devemos exigir de um governo é a segurança; a vida, a liberdade e a propriedade”. E este País está recebendo uma demonstração da incompetência do PT em governá-lo.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Governador Mão Santa, pode ter a certeza de que o Governo do Presidente Lula realizará um governo no qual a Constituição e as leis estarão sendo respeitadas, inclusive promovendo o diálogo com o mais diversos movimentos sociais. Esse é o propósito, tenho a certeza, do Partido dos Trabalhadores, o que ficará demonstrado ao longo de todo mandato do Presidente Lula.

Sr. Presidente, convido todos os Srs. Senadores, especialmente os membros da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, e a todos os demais, para a audiência que teremos amanhã, às 10 horas, quando estará presente o Ministro Celso Amorim, para falar da evolução das negociações sobre o Mercosul, a Alca, as negociações da Organização Mundial do Comércio, o diálogo que houve com o Ministro de Relações Exteriores da França a respeito do episódio do avião francês que veio ao Brasil e ainda sobre o acordo de salvaguardas tecnológicas, assinado entre o Brasil e os Estados Unidos, e que está sendo objeto de revisão por parte de ambos os governos. Então, convido todos os Senadores para participarem amanhã às 10 horas da reunião na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.

Sr. Presidente, uma última palavra. Aos que ficam preocupados com a violência, recomendo que assistam ao filme belga O Filho, que mostra como pessoas que poderiam ter tudo para sentir raiva e ódio, em certo momento, mostram que podem colaborar e viver com respeito mútuo e em paz. É disso que estamos todos precisando no Brasil e no mundo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/08/2003 - Página 22455