Discurso durante a 93ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Desigualdade racial no Brasil.

Autor
Eurípedes Camargo (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Eurípedes Pedro Camargo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Desigualdade racial no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2003 - Página 23018
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, ESTUDO, PUBLICAÇÃO, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), ASSUNTO, DESIGUALDADE SOCIAL, RAÇA, BRASIL, REGISTRO, DADOS, POBREZA, INFERIORIDADE, ESCOLARIDADE, NEGRO.
  • LEITURA, DOCUMENTO, GRUPO PARLAMENTAR, NEGRO, CONGRESSO NACIONAL, LANÇAMENTO, COMPROMISSO, DEFESA, IGUALDADE, RAÇA.
  • AGRADECIMENTO, APOIO, CONGRESSISTA, REIVINDICAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REABERTURA, EMBAIXADA DO BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, CAMARÕES, IMPORTANCIA, POLITICA EXTERNA, APROXIMAÇÃO, CONTINENTE, AFRICA.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, retomo hoje um assunto que considero prioritário para a superação das desigualdades em nosso País e a construção de um Brasil para todos. A fim de demonstrar a dimensão do problema, lanço mão do brilhante estudo Desigualdade Racial no Brasil, Evolução das Condições de Vida na Década de 90, publicado pelo IPEA, do Professor da Universidade Federal Fluminense Ricardo Henriques, reproduzindo aqui trechos de extrema relevância para a compreensão dessa grave injustiça que se constitui dívida social.

A intensidade de nossa desigualdade de renda coloca o Brasil distante de qualquer padrão reconhecível, no cenário mundial, como razoável, em termos de justiça distributiva. As origens históricas e institucionais da desigualdade brasileira são muitas, mas sua longa estabilidade faz com que o convívio cotidiano com ela passe a ser encarado, pela sociedade, como algo natural. A desigualdade tornada uma experiência natural não se apresenta, aos olhos da nossa sociedade, como um artifício. No entanto, resulta de um acordo social excludente, que não reconhece a cidadania para todos e, em decorrência, também são distintos os direitos e as oportunidades horizontais.

A naturalização da desigualdade, por sua vez, engendra no seio da sociedade civil resistências teóricas, ideológicas e políticas para identificar o combate à desigualdade como prioridade das políticas públicas.

Procurar desconstruir essa naturalização das desigualdades encontra-se, portanto, no eixo estratégico de redefinição dos parâmetros de uma sociedade mais justa e democrática.

A intensa desigualdade racial brasileira, associada a formas usualmente sutis de discriminação racial, impede o desenvolvimento das potencialidades e o progresso social da população negra.

O entendimento dos contornos econômicos e sociais da desigualdade entre brasileiros brancos e brasileiros afro-descendentes apresenta-se como elemento central para se construir uma sociedade democrática, socialmente justa e economicamente eficiente.

Os brasileiros afro-descendentes constituem a segunda maior nação negra do mundo, atrás somente da Nigéria. Dados de 1999 mostram que os negros, que representam 45% da população brasileira, correspondem a 64% da população pobre e 69% da população indigente. Nascer negro no Brasil está relacionado a uma maior probabilidade de crescer pobre. A população negra se encontra no segmento de menor renda per capita da distribuição de renda do País.

Os negros representam 70% dos 10% mais pobres da população, enquanto entre o décimo mais rico da renda nacional, somente 15% da população é negro.

Os brancos representam 85% da população do décimo mais rico da nossa sociedade e se apropriam de 87% da renda desse décimo.

Ao longo da década de 90, os negros de apropriaram de mais de 50% da renda atribuída à metade mais pobre da população e de menos de 15% da renda apoderada pelos 10% mais ricos da sociedade.

A heterogeneidade na escolaridade da população adulta brasileira explica grande parte da desigualdade de renda no Brasil.

A literatura sobre desigualdade racial no interior do mercado de trabalho também concede importância significativa ao papel da educação na explicação da desigualdade racial. Portanto, os indicadores referentes ao nível e à qualidade da escolaridade da população brasileira são estratégicos para a compreensão dos horizontes potenciais de redução das desigualdades social e racial e definição das bases pra o desenvolvimento sustentado do País.

A escolaridade média de um jovem negro com 25 anos de idade gira em torno de 6,1 anos de estudo; um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de estudo. O diferencial é de 2,3 anos de estudo.

Tomados como analfabetos funcionais os adultos com menos de quatro anos de estudo, observamos que 26,4% dos brancos se enquadram nessa categoria, contra 46,9% dos negros.

Portanto, em 1999 temos um diferencial de mais de 20 pontos percentuais entre negros e brancos, e quase a metade da população negra com mais de 25 anos pode ser considerada analfabeta funcional. Em 1999, não completaram o ensino fundamental 57,4% dos adultos brancos e 75,3% dos adultos negros. Paralelamente, só completaram o ensino médio 12,9% dos brancos e 3,3% dos negros.

A necessidade de uma ação anti-racista que enfrente o desafio histórico de integrar as perspectivas universalistas e diferencialistas encontra-se no centro de um processo de desnaturalização da desigualdade racial.

Os limites da integração dessas perspectivas são enormes, mas talvez o uso da tolerância no espaço democrático, associado a uma perspectiva de pluralidade de culturas no seio da sociedade brasileira possa sugerir caminhos.

A redução da desigualdade entre brasileiros brancos e afro-descendentes apresenta-se como prioridade para constituirmos uma sociedade livre, economicamente eficiente e socialmente justa.

Diante de evidências tão graves, é com grande alegria que registro aqui iniciativas tomadas no âmbito do Poder Legislativo que estão em comunhão com esse propósito de respeito à diversidade, combate ao preconceito e construção da igualdade.

Dispomos, hoje, de um importante instrumento de elaboração de políticas e implementação de ações de promoção da igualdade racial, que é o Núcleo de Parlamentares Negros da Câmara e do Senado, mais uma entre as diversas experiências empreendidas no Congresso Nacional brasileiro visando à constituição de uma bancada negra parlamentar. Os pressupostos históricos são bastante significativos e sua criação marca um compromisso e uma aspiração permanente daqueles que, de alguma forma, debruçaram-se sobre a causa dos afro-descendentes na diáspora.

Os esforços de vários Deputados e Senadores validaram, nos últimos dois anos, a existência desse núcleo. A conjuntura política favoreceu a possibilidade de articular rumos e objetivos comuns e de fortalecer a nossa atuação em benefício da população afro-descendente.

Recentemente foi lançada a Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial, da qual reproduzo aqui o documento de lançamento, lido pelo Deputado Luiz Alberto, do PT da Bahia, Coordenador do Núcleo de Parlamentares Negros, um novo marco na história da Câmara:

Neste momento, estamos inaugurando uma nova fase na história do Poder Legislativo Federal. O lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial coincide com um cenário em que Governo e sociedade acenam para o reconhecimento de uma tragédia social - há muito dissimulada - e que nos envergonha a todos: o preconceito, a discriminação e o racismo, secularmente inculcado nas relações humanas como pretexto de dominação política. Tais vícios institucionais e comportamentais produziram efeitos negativos sobre vários grupos populacionais no Brasil, entre os quais os negros e os indígenas.

Assim, se reveste da mais valiosa importância a constituição deste instrumento de debates, articulação e proposições legislativas para a promoção da igualdade humana em razão de diferenças étnicas e raciais

Esta Casa tem incrustada em sua existência a veia guerreira daqueles que se opuseram às instituições de direitos, privilégios e oportunidades para alguns, em detrimento de outros. E é em nome desses guerreiros e guerreiras - de dentro e de fora desta Casa - que retomamos e reforçamos esta luta. Para que os princípios da igualdade, da justiça e da cidadania plena permaneçam consagrados na ordem jurídica nacional.

Esta sessão tem apenas um efeito simbólico de coroação da instituição de um mecanismo suprapartidário, que nos unifica na promoção de políticas públicas e ações afirmativas para as vítimas do preconceito e do racismo no Brasil.

Comungando desse compromisso, quero registrar aqui o agradecimento aos 70 Senadores e Senadoras desta Casa e às dezenas de Deputados e Deputadas que apoiaram o expediente encaminhado ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo a reabertura da Embaixada de Cameroum, bem como a pronta recepção da Casa Civil, que se comprometeu com a análise e encaminhamentos cabíveis.

É com enorme satisfação que registro ainda, para concluir, a criação da Frente Parlamentar Brasil/Cameroum, coordenada pelo eminente Senador Marcelo Crivella, visando a somar mais uma iniciativa na aproximação política entre o Brasil e a África.

Sabemos da enorme dívida histórica e temos a dimensão de que se trata de um processo que envolve várias dimensões. Contudo, orgulha-nos participar de um Parlamento que se sintoniza com o Poder Executivo em ações de promoção da igualdade racial.

Por isso, a nossa esperança e a nossa expectativa de uma sociedade que, diminuindo essa diferença, se torne mais justa e igualitária. É com essa intenção e com essa possibilidade que se vislumbra que quero me somar aos esforços desta Casa no rumo dessas iniciativas.

Parabéns ao Congresso Nacional, à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal pela iniciativa de trilhar esse rumo para fazer do nosso País um país justo e igualitário.

Com essas palavras encerro o meu pronunciamento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2003 - Página 23018