Discurso durante a 95ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a proposta de reforma tributária.

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA. ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.:
  • Considerações sobre a proposta de reforma tributária.
Publicação
Publicação no DSF de 13/08/2003 - Página 23278
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA. ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), DESRESPEITO, PREFEITO DE CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, MANIFESTAÇÃO, GOVERNADOR, REIVINDICAÇÃO, ALTERAÇÃO, FORMA, DISTRIBUIÇÃO, ARRECADAÇÃO, GOVERNO FEDERAL.
  • CRITICA, PROPOSTA, GOVERNO FEDERAL, REFORMA TRIBUTARIA, INCAPACIDADE, SOLUÇÃO, PROBLEMA, NATUREZA FISCAL, INCENTIVO, AUMENTO, PRODUTIVIDADE, BRASIL.
  • COMENTARIO, CRISE, FINANÇAS, MUNICIPIOS, IMPORTANCIA, DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, REDUÇÃO, DEPENDENCIA, ESTADOS.
  • ANUNCIO, REALIZAÇÃO, AUDITORIO, SENADO, ENCONTRO, PREFEITO, DISCUSSÃO, REFORMULAÇÃO, PACTO, FEDERAÇÃO.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem a Prefeita Marta Suplicy foi vítima, em São Paulo, de uma grosseria: um estudante levou uma galinha preta para fazer um despacho em cima da sua administração. O Ministro da Justiça equivocou-se e acabou fazendo uma grosseria ainda maior com a Prefeita Marta Suplicy. Devido a essa grosseria e ao seu desempenho no Ministério da Justiça, precisamos fazer um despacho com um urubu, para ver se o Ministro da Justiça consegue entrar nos trilhos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, “cada um de nós carrega um potencial de santas humilhações hereditárias” - Nelson Rodrigues.

Na edição do último domingo, o jornal O Estado de S.Paulo consagrou, em seu editorial, uma crítica incisiva ao movimento dos Governadores em direção ao reposicionamento das Unidades da Federação na divisão do bolo tributário. O respeitado e centenário periódico publicou que os dirigentes estaduais pretendem reduzir “a reforma dos impostos a uma briga por dinheiro”. De acordo com a opinião do jornal, os Governadores em vez de acolherem a oportunidade de estabelecer, por intermédio das mudanças tributárias, um novo modelo federativo, protagonizam “um pacto nacional pelo atraso”.

Justamente por reconhecer que somente um redesenho do sistema tributário terá o condão de criar o verdadeiro federalismo no Brasil e mitigar as desigualdades regionais com o objetivo de fomentar condições ao desenvolvimento equilibrado, não poderia deixar de assinar embaixo do referido editorial. Mais uma vez, o País está se omitindo de fazer uma reforma tributária de futuro, com a desoneração dos investimentos e da produção, para alimentar a gula fiscal das máquinas arrecadadoras.

Os Governadores estão dentro da razoabilidade quando manifestam insatisfação com a sistemática tributária esposada na Proposta de Emenda Constitucional nº 41. O projeto tem vício de origem e está distante de trazer justiça fiscal e preparar o crescimento econômico. Mas perdem a razão das suas postulações quando pensam que vão salvar os dedos depois de terem perdido os anéis na ocasião em que hipotecaram apoio integral ao Governo da União, às vésperas do envio das reformas ao Congresso Nacional.

Srªs e Srs. Senadores, até hoje não consegui entender o que houve de folgazã naquela reunião para que fizesse sorrir de felicidade os 26 Governadores na fotografia ensaiada com o Presidente Lula. Foram signatários de um acordo precipitado, encimado em uma proposta eminentemente ruim para o segmento produtivo e, especialmente, ao contribuinte.

Observem que a reforma tributária oferecida pelo Palácio do Planalto é temerária aos Estados, uma vez que retira das Unidades da Federação a capacidade de realizar política fiscal autônoma, por meio dos incentivos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O instrumento foi uma das raras iniciativas que permitiram a interiorização da riqueza nacional e conferiram sustentabilidade à industrialização de economias antes primárias e que hoje ajudam a compor a grandeza do Brasil, como ocorreu em Goiás, no Paraná, no Rio Grande do Sul e na Bahia, entre outros. Se a chamada “guerra fiscal” é danosa, mais deletéria é a incerteza do paradigma proposto, pois a concentração no Governo Federal do poder de instituição tributária exonera o conceito de pacto federativo e constitucionaliza o “pires na mão”.

O propalado Fundo de Desenvolvimento Regional é uma bazófia. Observem que a projeção de integralização para 2004 é famélica e, de acordo com projeção do Ministério da Fazenda, soma R$2,3 bilhões para serem divididos entre o Distrito Federal e os 19 Estados das Regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste [como bem fez questão de observar o Senador Sérgio Guerra em aparte, ainda há pouco]. Na verdade, os Governadores não estão iludidos de que a adesão ao Fundo no corpo da Constituição vai trazer felicidade financeira aos Estados, tanto que o aceitam como compensação, mas querem mesmo a garantia real de 25% da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e uma mordida extra na Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Eu sou testemunha do quanto o representante de meu Estado, Governador Marconi Perillo, tem desempenhado com galhardia o papel de negociador das reformas constitucionais. Trata-se de um administrador competente, sagaz, criativo e cioso do interesse público. Mas temo que a “Política de Governadores”, reeditada pelo Presidente da República, seja um pretexto para solapar a função do Poder Legislativo. Ao se comportar, na condução da reforma tributária, como um mercador de sinecuras, ora oferecendo um fundo, ora simulando a fatia do bolo, o Presidente Lula pretende impor as reformas ao Congresso Nacional e, especialmente, ao Senado. Na semana passada, ao apartear-me, o Senador Ney Suassuna, da própria Base do Governo, reclamou que esta Casa estava lendo nos jornais o que se passava na Câmara dos Deputados durante a votação da reforma da Previdência. Argumentou o ilustre Senador do PMDB da Paraíba que não havia recebido nenhuma informação oficial do processo legislativo em andamento.

O Palácio do Planalto comporta-se com o entendimento de que os Senadores e os Deputados Federais desta Legislatura foram diplomados na Comissão Verificadora de Poderes, criada na República Velha pelo ex-Presidente Manuel Ferraz de Campos Salles para promover a “degola” dos parlamentares da oposição. O que parece menos acreditável é que os Governadores gostaram da idéia de converter esta Casa numa instância política meramente ratificadora e subalterna. A mim causou peculiar estranheza ver os Governadores levarem à mesa de negociação da reforma tributária a influência que poderiam exercer sobre os parlamentares das suas corriolas para bloquear o avanço da matéria.

Ora, se os Governadores imaginam que podem controlar o Congresso Nacional e, conforme já puderam manifestar no encontro do Rio Quente, em Goiás, consideram a proposta “tímida”, por que não fazê-lo in bona partem e realmente colaborar na edificação de um sistema tributário eficiente e justo?

O Presidente Lula e os Governadores estão confundindo cordialidade política com sabujismo, urbanidade com subserviência, oportunidade de diálogo com submissão. Esta Casa é uma das colunas da soberania nacional e tal expressão deve ser observada quando são estabelecidos quaisquer níveis de relacionamento entre os Poderes. Do contrário, tenho de entender que se pretende no Brasil a consagração de uma “República de Bananas”.

O acordo que está sendo selado pode até aliviar os problemas de caixa dos atuais mandatários, o que não é o caso do meu Estado, que está saneado, mas definitivamente não guarda nenhuma responsabilidade com o futuro deste País. Por uma questão consuetudinária, tenho o dever de desconfiar de que o “Pacto do Atraso”, descrito pelo jornal paulista, vai trazer mais gravame ao contribuinte e redundar em tempo perdido. No Brasil, todas as vezes em que prosperou o entendimento entre os Estados e a União sobre matéria tributária, houve aumento de carga fiscal.

A reforma tributária está sendo intentada desde 1995. Chegou-se em 2000 a um projeto incomensuravelmente melhor do que o apresentado pelo Governo Lula, mas, à época, o Presidente Fernando Henrique Cardoso não quis fazê-la e outorgou, dois anos depois, via medida provisória, uma mini-reforma tributária que se notabilizou pela consagração de definitividade da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira.

Uma reforma tributária para valer só tem sentido se for para aliviar e distribuir melhor a carga sobre o contribuinte. Mas, como admitiu o Exmº Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, em reunião com os líderes da Ação Empresarial, movimento que reúne várias confederações do setor produtivo, na reforma proposta “não deve haver aumento da carga tributária. Mas não podemos vender ilusões nem ser hipócritas. A carga não será reduzida”. Ainda que o Governo Lula sustente que a PEC 41 atenda à finalidade de desonerar a produção e o investimento, crie condições de competitividade, faça o Brasil crescer e gerar emprego, a sensação que se tem é de que as mudanças apresentadas confirmam que a fome de imposto do Estado brasileiro não tem cura e será mais uma vez saciada em detrimento da qualidade fiscal.

O peso dos tributos no Brasil nos últimos dez anos pulou de 26% para 40% do Produto Interno Bruto. Além de excessivamente oneroso, o sistema é mal distribuído, cumulativo, facilita a evasão, exige obrigações acessórias feudais, possui alto custo de exação, entre outras deformidades. Quando é analisada a divisão do produto da arrecadação, pode-se facilmente inferir que a concentração fiscal da União é uma das causas preponderantes de o Brasil ter capacidade germânica de taxar, mas índice paraguaio de eficiência dos serviços públicos.

Existe uma inversão na divisão do bolo tributário, cujo histórico defeito é mais saliente na agonia financeira em que vivem os Municípios brasileiros. Justamente as unidades políticas onde moram 81% da população brasileira e que sediam a produção, geram os empregos e explodem os conflitos sociais, como a violência e a criminalidade, são miseravelmente aquinhoadas. De acordo com dados da Receita Federal, a participação relativa dos Governos locais na divisão do bolo fiscal, entre os anos de 1998 e 2002, caiu sistematicamente de 5,21% para 4,35%, enquanto a fatia da União saltou de 68,62% para 70,15%.

Sras e Srs. Senadores, a Constituição de 1988 foi engenhosa e imaginativa ao incluir o Município no rol dos entes da Federação. As cidades, desde a elevação do status político, foram destinatárias de incomensuráveis atribuições, mas não obtiveram a necessária cobertura de recursos fiscais. A falência dos municípios deve ser parcialmente creditada a esse modelo beletrista de federação. A Carta de 88 conferiu às unidades geográficas locais poder de auto-organização, mas manteve a relação de vassalagem dos Municípios com os Estados e a União. Além do evidente dano econômico, a dependência gera clientelismo orgânico e contribui para a formação da má qualidade das lideranças locais, o mesmo vício que ensejou no mandonisno da Primeira República e gerou as oligarquias que o Presidente Lula tem compromisso programático de combater.

Observem que a evolução do Sistema Único de Saúde só foi possível porque as ações foram descentralizadas. A inclusão promovida no ensino fundamental tem a marca da municipalização. Os resultados do gerenciamento local do trânsito e dos direitos relativos às relações de consumo são bastante positivos. Na área ambiental, as políticas municipais mostram-se muitas vezes mais eficientes do que as soluções modeladas nos gabinetes de Brasília. O turismo ganhou expressão notável na economia das cidades e há tendência de até municipalizar o serviço de segurança pública no futuro.

A Fundação Faria Lima e o Instituto Brasileiro de Administração Municipal são algumas das instituições que contabilizam sucessos extraordinários de desenvolvimento das cidades que são exemplos para o mundo. Mas, infelizmente, os níveis de excelência estão circunscritos a uma minoria de prefeituras, cuja média de 75% não consegue sequer arrecadar receita própria e subsiste com o Fundo de Participação dos Municípios.

Sr. Presidente, se é verdade que o desempenho institucional das unidades locais é severamente prejudicado pelo irresponsável dispêndio do escasso dinheiro público, a incompetência gerencial e a corrupção, não menos ruinosa é a disparidade entre a demanda social e a capacidade de investimento das prefeituras. A criatividade e a decência administrativas são sempre recomendáveis à geração de qualidade em qualquer governo, mas não é de esperar sucesso de quadro falimentar.

Na próxima quinta-feira, o Partido da Frente Liberal vai reunir nesta Casa centenas de prefeitos de todo o Brasil com a finalidade de constituir uma frente municipalista suprapartidária. O objetivo é encontrar uma alternativa de reconstrução do pacto federativo a partir da valorização das cidades. O auditório Petrônio Portella será palco de um encontro histórico, e tenho a mais absoluta certeza de que a iniciativa permitirá a abertura de uma negociação política de alto nível para reabilitar a saúde financeira dos 5.565 municípios brasileiros e para estabelecer um pacto responsável de valorização do poder local que, consoante opinião do eminente jurista Rui Barbosa, constitui a célula fundamental do Estado.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/08/2003 - Página 23278