Discurso durante a 92ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO JORNALISTA ROBERTO IRINEU MARINHO.

Autor
Hélio Costa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MG)
Nome completo: Hélio Calixto da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO JORNALISTA ROBERTO IRINEU MARINHO.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/2003 - Página 22584
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ROBERTO MARINHO, JORNALISTA, EMPRESARIO, EMISSORA, TELEVISÃO, JORNAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, INCENTIVO, SETOR, COMUNICAÇÕES, BRASIL.

O SR. HÉLIO COSTA (PMDB - MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste momento de forte conteúdo emocional para mim, prefiro ressaltar a incomum habilidade do jornalista Roberto Marinho para aglutinar pessoas, fazer amigos, estimular talentos, valorizar equipes, com uma sensibilidade e competência que produziram o chamado Padrão Globo de Qualidade, que testemunhei em todos os países por onde passei.

Durante os 20 anos em que fui o chefe da sucursal da Rede Globo nos Estados Unidos, tive a oportunidade de testemunhar a forma amistosa, simpática e igualmente atenciosa com que o Dr. Roberto Marinho tratava todos os seus funcionários.

Nessas ocasiões, presenciei, Sr. Presidente, sua constante preocupação em investir na evolução e na capacitação das equipes de trabalho das suas empresas, daqueles que trabalhavam com ele. O resultado dessa visão de vanguarda é que toda a sociedade brasileira tem sido beneficiada nesse sentido.

A relação pessoal, quase familiar, dispensada por Roberto Marinho aos seus colaboradores teve sua expressão máxima na frase que ele pronunciou durante os anos de chumbo da ditadura, quando, em um determinado momento, em pleno vigor do Ato Institucional nº 5, disse, em alto e bom som, para aqueles que estavam em Brasília: “Com os meus comunistas ninguém mexe”. Essa frase ficou célebre. Ele fez essa declaração em um momento difícil, em que manifestou sua defesa intransigente de alguns profissionais de comunicação do jornal O Globo e da TV Globo que estavam sendo perseguidos pelo regime militar devido à sua opção ideológica de esquerda nos anos 60 e 70.

Essa posição independente, mesmo diante do pesado clima de uma ditadura militar, é confirmada pelo escritor e colunista Carlos Heitor Cony. Em artigo recente, publicado pelo jornal Folha de S.Paulo, Cony conta: “Nos anos difíceis do regime autoritário, Roberto Marinho abrigou profissionais vetados pelos donos da situação”.

Sobre o forte temperamento de Roberto Marinho, Carlos Heitor Cony relata: “É natural que Roberto Marinho nem sempre tenha agradado a todos. Sua obstinada fidelidade ao jornalismo, contudo, foi maior, muito maior do que qualquer divergência ou incompreensão que tenha provocado na opinião pública nacional”.

Como acontece com todos os grandes empreendedores, o jornalista Roberto Marinho teve um começo difícil. Muitos dos seus amigos mais velhos se lembram que era famosa a marmita em que ele comia na velha redação do jornal O Globo, no Largo da Carioca. Essa ligação inseparável com o trabalho produziu entre os colegas a expressão que posteriormente seria muito utilizada entre os integrantes do Partido dos Trabalhadores: ele nos chamava a todos de “companheiros”. Nos seus artigos, destinados a relatar o que se fazia de importante na TV Globo, ele assinava: Companheiro Roberto Marinho. Isso ocorria muito antes de a palavra companheiro ser popularizada pelos companheiros do PT.

Segundo as palavras ditas hoje pelo Presidente Lula, “o jornalista Roberto Marinho veio ao mundo a serviço”. Essa é uma verdade extraordinária, porque foi um homem que se dedicou inteiramente a trabalhar por uma causa: a comunicação no Brasil; depois, na América; e, depois, no mundo.

O projeto de vida deste homem, que via o mundo com os olhos simples de um brasileiro, incluía profunda dedicação às causas maiores da cultura e da educação que resultaram na criação, há 25 anos, da Fundação Roberto Marinho, que tantos serviços tem prestado à cultura nacional. E, mais recentemente, na criação e participação da Rede Globo de Televisão na fundação e manutenção da TV Futura, como foi muito bem lembrado pelo Senador José Jorge.

Imortal da Academia Brasileira de Letras desde 19 de outubro de 1993, Roberto Marinho imprimia, na tela da Rede Globo, um estilo e uma linguagem próprios na busca da perfeita harmonia entre o instinto do jornalista e a vocação do empresário.

Essa foi a marca a que todos nós assistimos em cada um dos programas exibidos pela Rede Globo, há décadas líder de audiência no País.

Pai zeloso de quatro filhos - Roberto Irineu, João Roberto, José Roberto e Paulo Roberto, já falecido -, o jornalista Roberto Marinho sempre procurou transmitir ao público a imagem de um brasileiro que acredita na força do trabalho como maior herança à sua família e ao seu País.

Sr. Presidente, recordo alguns momentos em que pude, como repórter da Rede Globo, conviver com o Dr. Roberto Marinho, durante quase 30 anos, sobretudo lembrando algumas particularidades da sua vida.

Roberto Marinho não era um homem rancoroso, por exemplo. Apesar de ser um homem poderoso, não era rancoroso. Até porque, nos idos de 1960, um dos seus principais adversários na imprensa brasileira era o jornalista Paulo Francis, que, no jornal O Pasquim, fazia as mais severas críticas às Organizações Globo, a Roberto Marinho e, às vezes, pelo caráter agressivo que sempre marcou a personalidade de Paulo Francis, atacava até a pessoa de Roberto Marinho e seus familiares.

Ainda assim, Sr. Presidente, num determinado momento, em pleno regime militar, quando me foi pedido, como chefe da sucursal da Rede Globo em Nova Iorque encontrar um grande comentarista internacional que pudesse, todas as noites, relatar para o Brasil a visão internacional dos assuntos internacionais, que começavam pelos Estados Unidos, eu disse ao então Diretor de Jornalismo da Rede Globo de Televisão, Armando Nogueira, que só havia um nome, em Nova Iorque, capaz de executar essa tarefa: Paulo Francis. O jornalista Armando Nogueira disse-me: “Mas o Dr. Roberto não vai aprovar o nome do Paulo Francis. É inimigo dele, faz comentários desastrosos sobre o Dr. Roberto e sobre a família dele. Mas se você quiser tentar, pode subir e propor o nome”. Fui ao 10º andar do prédio da Rede Globo e, conversando com Dr. Roberto, disse: “Dr. Roberto, sei que tem um pedido do senhor para contratarmos, em Nova Iorque, um comentarista internacional que possa, todas as noites, começando pelo Jornal da Globo, às 23 horas, fazer os comentários sobre os momentos políticos internacionais. Temos apenas um nome capaz de produzir, diariamente, uma peça de valor literário, jornalístico, interpretativa”. Ele perguntou quem era, e eu falei que era o Paulo Francis. “Mas você acha que o Paulo Francis aceita trabalhar na Globo?” - questionou-me. Eu disse: “Dr. Roberto, não posso afirmar, mas sou amigo pessoal dele e, pelo telefone, assim que sair daqui, farei o convite. Se ele aceitar, o senhor aceita?” Ele me respondeu: “Mas é evidente! Ele é o maior jornalista internacional que temos hoje no Brasil”. Imediatamente, liguei para o Paulo Francis, em Nova Iorque, que ficou muito surpreso e assustado ao saber que Roberto Marinho concordara em que ele fosse contratado pela Rede Globo de Televisão. Foi assim que se criou a figura de Paulo Francis falando de Nova Iorque, criando um verdadeiro personagem que comentava as notícias internacionais no Jornal da Globo.

Quero mostrar, com esse fato, a sensibilidade do jornalista que, apesar de ver em Paulo Francis um adversário - ele foi, durante anos, o seu principal algoz -, ainda assim, na hora em que teve de contratar um profissional competente, de valor, pois Paulo Francis foi uma das mais férteis cabeças que conheci e, certamente, um dos mais extraordinários intelectuais deste País, o velho Roberto Marinho, disse: “Perfeitamente, vamos contratá-lo”. Paulo Francis trabalhou na Rede Globo até lamentavelmente morrer, há cerca de cinco anos.

Outro ponto que vale ressaltar é a visão empresarial de Roberto Marinho. Como disse, esse homem, em 1925, viu o pai reunir as suas economias e criar um jornal no Rio de Janeiro, num instante de crise, quando o País não tinha bancos de investimentos, repito, quando a população brasileira tinha 60% de analfabetos. Como é que ia sobreviver um jornal num País de analfabetos? Naquele momento, ele iniciou a trajetória de uma grande empresa, que seria o orgulho da comunicação no Brasil. Em todos os países por onde passei, o nome da TV Globo é respeitado como uma organização absolutamente profissional. Refiro-me a esse detalhe empresarial, porque, em 1989, fui o primeiro jornalista da televisão brasileira a chegar à China, num instante em que o país se abria para o mundo e começava a mostrar a potência que queria ser e que hoje é. Fui à China, com a minha equipe, para produzir um documentário de uma hora, que se chamava: “China: abertura para o mundo”.

Quando cheguei dessa viagem, e o documentário foi ao ar, Dr. Roberto me chamou na sua sala para me cumprimentar, fez todos os elogios ao programa que tínhamos apresentado, até porque encontramos em Beijing, ainda chamada de Pequim na época, um grupo de chineses que estudava português, e, no nosso programa, eles cantaram “se essa rua fosse minha”, em português, sensibilizando a todos a que o assistiram. Depois dos elogios, Dr. Roberto me perguntou qual a imagem que havia ficado na retina dos meus olhos sobre a China. Eu disse: “Dr. Roberto, vi tanta coisa extraordinária, tanta coisa bonita, as muralhas, as imagens de Kublai-Khan, de tantos e tantos nomes que fizeram as dinastias da China, mas confesso ao senhor que me impressionei com milhares, milhares, talvez milhões, de bicicletas que víamos ao sair às ruas de Beijin. Praticamente, anda-se entre bicicletas, porque milhares de bicicletas invadem, ao mesmo tempo, as ruas de Pequim”. Ele disse: “Então, é um bom negócio bicicleta na China”. Eu falei: “Sem dúvida; é um bom negócio bicicleta na China”. Bom, seis meses depois, Dr. Roberto Marinho comprou uma fábrica de bicicletas, uma fábrica famosa, a Peugeot, por US$1 milhão, montou essa fábrica, produziu uma bicicleta excepcionalmente fantástica e vendeu a fábrica por US$5 milhões, segundo informações que recebi, embora não as possa confirmar. Essa era a visão empresarial desse homem extraordinário.

A preocupação de Roberto Marinho com a democracia. Tem muita gente que contesta as posições de Roberto Marinho durante a história no Brasil. Conforme disse a Senadora Ideli Salvatti agora há pouco, Roberto Marinho não se identificava com as Esquerdas; na verdade, até se identificava com a Direita. Mas vejam, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que sensibilidade. Num determinado momento, na década de 80, a Rede Globo começou a transmitir durante horas, duas, três, quatro horas seguidas, as convenções dos Partidos Democrata e Republicano nos Estados Unidos. Íamos com uma equipe de vinte profissionais, montávamos um aparato extraordinário dentro do recinto das convenções e, dali, transmitíamos em detalhes as discussões sobre os candidatos a presidente dos Estados Unidos, cada um deles que desfilava pelo pódio, pela tribuna, para expor as suas posições. E, quando voltávamos ao Brasil, as pessoas diziam que não estavam entendendo por que a Rede Globo passava horas transmitindo as convenções dos Partidos Democrata e Republicano dos Estados Unidos. Para que aquilo? Pouca gente sabia que o que o velho Marinho queria era dar uma lição de democracia total, aberta, como os americanos davam em cada ano de eleição, nas suas convenções, abrindo o coração para o povo, para apresentar os seus candidatos, que eram escolhidos democraticamente, abertamente e de uma forma tão bonita. Esse era o exemplo que a TV Globo queria mostrar naquele momento em que o País passava por uma crise de identidade, em que, desta tribuna, não se podia, sequer, criticar o Governo militar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/2003 - Página 22584