Pronunciamento de Ana Júlia Carepa em 13/08/2003
Discurso durante a 96ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Necessidade da Companhia Vale do Rio Doce executar projetos que promovam o desenvolvimento sustentável da região amazônica em contrapartida à instalação, em São Luís/MA, de um novo pólo siderúrgico para a produção de ferro-gusa com minério retirado de Carajás/PA.
- Autor
- Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
- Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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SENADO.
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
POLITICA MINERAL.:
- Necessidade da Companhia Vale do Rio Doce executar projetos que promovam o desenvolvimento sustentável da região amazônica em contrapartida à instalação, em São Luís/MA, de um novo pólo siderúrgico para a produção de ferro-gusa com minério retirado de Carajás/PA.
- Publicação
- Publicação no DSF de 14/08/2003 - Página 23311
- Assunto
- Outros > SENADO. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA MINERAL.
- Indexação
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- REGISTRO, CRIAÇÃO, SUBCOMISSÃO, COMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE, SENADO, OBJETIVO, ANALISE, NECESSIDADE, CONCLUSÃO, OBRA PUBLICA, FISCALIZAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, ORGÃO REGULADOR.
- COMENTARIO, ANUNCIO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), INSTALAÇÃO, POLO SIDERURGICO, IMPLANTAÇÃO, USINA, PRODUÇÃO, AÇO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO MARANHÃO (MA), ESCLARECIMENTOS, UTILIZAÇÃO, FERRO, ORIGEM, ESTADO DO PARA (PA), CRITICA, PREJUIZO, AMBITO ESTADUAL, MOTIVO, INSUFICIENCIA, COMPENSAÇÃO FINANCEIRA, EXPLORAÇÃO, MINERIO, AUSENCIA, CRIAÇÃO, EMPREGO, RENDA, POPULAÇÃO, LOCAL.
- ANALISE, PROPOSTA, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), PROJETO, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, ESTADO DO PARA (PA), OBJETIVO, REFLORESTAMENTO, RECUPERAÇÃO, FLORESTA TROPICAL, DESMATAMENTO, EXTRAÇÃO, PRODUTO MINERAL, PRODUTO VEGETAL, ESPECIFICAÇÃO, CARVÃO, MADEIRA, POSSIBILIDADE, CRIAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), BENEFICIO, AGRICULTURA, PROPRIEDADE FAMILIAR.
- ESCLARECIMENTOS, NEGOCIAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARA (PA), COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), PROJETO, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, AMBITO ESTADUAL, DEFESA, GARANTIA, CRIAÇÃO, EMPREGO, CONTROLE, IMPACTO AMBIENTAL, RECUPERAÇÃO, BIODIVERSIDADE, FLORESTA TROPICAL, COMENTARIO, RESPONSABILIDADE, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, ANTERIORIDADE, AUSENCIA, POLITICA, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, Amazônia Legal.
- EXPECTATIVA, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), DISCUSSÃO, PROJETO, CONTENÇÃO, PREJUIZO, EXTRAÇÃO, MINERIO, ESTADO DO PARA (PA), REGISTRO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL (DNPM), INSTITUTO BRASILEIRO, MINERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, COMPENSAÇÃO FINANCEIRA.
A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, público que nos assiste, público que nos ouve pela Rádio Senado, antes de entrar propriamente no pronunciamento que me propus fazer nesta tarde, gostaria de fazer um registro - a propósito, agradeço ao Senador Mozarildo Cavalcanti pela gentileza da cessão.
É que hoje a Comissão de Fiscalização e Controle criou duas subcomissões. A primeira delas, uma subcomissão temporária, vai discutir as obras inacabadas. Realizada uma votação, foram eleitos, para Presidente, o Senador Efraim Morais e, para Vice-Presidente, o Senador Leonel Pavan. Para Relator foi indicado o nobre Senador Delcídio Amaral.
Foi feita também votação para preencher os cargos de uma outra subcomissão, permanente, da Comissão de Fiscalização e Controle, que tem hoje uma grande importância para o nosso País, constituída que está sendo para fiscalizar os atos de gestão das agências reguladoras. Ou seja, nós, Senadores da República, que também temos o papel de fiscalizar, vamos agora ter uma subcomissão específica na Comissão de Fiscalização e Controle para cumprir esse papel. Eu, que fui autora do requerimento de criação da subcomissão que vai fiscalizar as agências reguladoras, fui eleita, hoje, a sua Presidente. Foi eleito Vice-Presidente o Senador Valmir Amaral, e foi indicado como Relator o nobre Senador Leomar Quintanilha.
É de especial importância esse registro, pois vivemos um momento em que é particularmente grande a necessidade de que as agências bem desempenhem o seu papel, principalmente naquilo que diz respeito a serviços públicos fundamentais, como o fornecimento de energia elétrica e telecomunicações, que foram privatizados. As agências precisam ser acompanhadas por este Congresso Nacional.
Quero falar sobre um tema a que, por diversas vezes, já tive a oportunidade de fazer referência da tribuna deste plenário do Senado da República: a situação do Estado do Pará e a sua relação com as empresas mineradoras, em particular com a Companhia Vale do Rio Doce.
No último dia 28 de julho, a Companhia Vale do Rio Doce anunciou a instalação, na cidade de São Luís, no Maranhão, de seu novo pólo siderúrgico. O investimento que a mineradora pretende efetivar para a produção de placas de aço é parte de sua estratégia de criar joint-ventures com consumidores de minério de ferro para a instalação de novos projetos.
A empresa pretende também implantar uma usina destinada à produção de 370 mil toneladas por ano de ferro-gusa em sociedade com a Nucor, uma das maiores empresas siderúrgicas dos Estados Unidos. Os dois minifornos desse empreendimento serão abastecidos pelo minério de ferro de Carajás, do Estado do Pará, e por carvão vegetal oriundo das madeiras das florestas da Celmar, no Maranhão.
A notícia de uma nova empresa siderúrgica, que fabricará placas de aço, com investimento estimado em um bilhão de dólares e uma receita esperada de seiscentos milhões de dólares ao ano, é alvissareira para o Brasil, refletindo a confiança no crescimento de nossa economia não só do empresariado local como do estrangeiro, já que a Companhia Vale do Rio Doce atua nesse empreendimento em sociedade com capitais chineses.
Entretanto, esse anúncio naturalmente causou imenso impacto no Estado do Pará, já que o minério de ferro extraído de Carajás será levado para processamento em outro Estado, que será beneficiado com os investimentos e a criação de novos empregos que surgirão em virtude de tal empreendimento.
Não se trata aqui de artificializarmos uma disputa regional entre Pará e Maranhão, obviamente não é esse o papel do Senado da República. Mas esta Casa tem que debater uma crise estabelecida, que envolve dois Estados da Federação, que poderá afetar as exportações brasileiras e que diz respeito à forma de desenvolvimento da maior região geográfica do País, onde se encontram a maior reserva florestal e também a maior reserva mineral do mundo - que está no Pará.
A Companhia Vale do Rio Doce apresentou uma proposta de investimentos na região denominada “Arco de Desenvolvimento Sustentável”. Trata-se de um projeto que prevê investimentos em plantios florestais de 130 milhões de dólares em dez anos, com “a utilização adequada das vastas áreas já alteradas no Arco do Desflorestamento da Amazônia Legal, com a implantação de consórcios agrosilviculturais industriais permanentes.” Essas são palavras da própria companhia, apresentadas ao Estado do Pará.
Nas últimas duas décadas foram implantadas no corredor da Estrada de Ferro Carajás, que liga o projeto ao porto de Itaqui, no Maranhão, mais de uma dezena de siderúrgicas, que produzem tão-somente ferro-gusa - essas siderúrgicas, principalmente no Estado do Pará. O ferro-gusa é uma forma de ferro primário pela qual a maior parte dos compostos ferríferos tem que passar antes de ser transformada em aço. Essas siderúrgicas utilizam o carvão vegetal como redutor para a produção de ferro-gusa, em uma proporção de 0,8 tonelada de carvão para uma tonelada de gusa. Tal quantidade de carvão vegetal é adquirida de milhares de fornecedores locais, que na Amazônia o retiram da floresta primária.
São mais de um milhão de toneladas por ano. Esse consumo de carvão vegetal é hoje o principal elo de articulação da indústria siderúrgica com a sociedade da região, com a sociedade paraense. A produção desse carvão vegetal tem acarretado muitos impactos sociais e ambientais de grande escala, é sustentada por trabalho precário, mal remunerado e insalubre e, em regra, é feita nos assim chamados “fornos de rabo quente”. Inclusive, já foi constatado o trabalho infantil nesses fornos.
Agora, em um momento de crise de relacionamento com a Companhia Vale do Rio Doce, a questão das terras degradadas, principalmente no sudeste do Pará, vem à tona. Essas terras são o resultado de anos de não-compromisso com um projeto de desenvolvimento sustentável para a região. Essas áreas degradadas são o resultado da exploração da nossa floresta tropical por vários setores - é bem verdade que não são só os setores mineradores -, entre os quais o setor guseiro, que exerce pressão por meio da demanda por carvão vegetal. O setor guseiro atende a Companhia Vale do Rio Doce no Estado, mas não é o único responsável por essa degradação.
A Companhia Vale do Rio Doce pretende iniciar o reflorestamento das terras degradadas visando transformar a região em produtora de biomassa florestal, de uso múltiplo, onde a prioridade deverá ser a produção de carvão vegetal. Além disso, há a possibilidade da instalação de projetos de larga escala voltados para a produção de grãos, notadamente soja.
Sem dúvida, a preocupação com o desmatamento da floresta nativa é um elemento a mais a ser destacado na nova proposta da empresa. Como já dissemos, a atuação das siderúrgicas na Amazônia Oriental brasileira é um dos elementos que aprofundam o desmatamento, e há duas décadas não havia, por parte dos Governos estaduais e do Governo Federal, a preocupação de elaborar um plano de controle do uso dos recursos florestais.
Outro componente a ser destacado na proposta da Companhia, no que tange ao uso das áreas já desmatadas, é a recuperação das áreas com espécies nativas produtivas. A proposta chama a atenção para a possibilidade de desenvolver culturas de madeiráveis e folhosas nas áreas de várzeas - um exemplo é o açaí, que hoje, inclusive, já tem uma utilização e é conhecido nacional e internacionalmente - e de terra firme - como exemplo, há o jaborandi, o curauá, entre outros. Mas a proposta não diz quem disponibilizaria os recursos na ordem de US$130 milhões só para o investimento em plantio, fora os custos de manutenção.
A Vale indica ainda a possibilidade de parte desse reflorestamento ser feito em áreas de assentamento envolvendo famílias de agricultores, dentro da nova proposta de assentamento do Ibama e do Incra, para formação de uma base florestal industrial. Inclusive, há uma nova proposta do Ibama e do Incra de não apenas titular terras; queremos discutir a concessão e o uso dessa terra. Para tanto, o Incra e o Ibama estão discutindo o que já existe em outros países do mundo, como o Canadá: a concessão de uso da floresta.
A proposta apresentada me parece uma intenção de reflorestamento que - aí reside o problema que precisamos discutir - não garante a criação de novos empregos, o controle ambiental e o estabelecimento, na região, de um pólo que permita o desenvolvimento regional. Esse “plano de intenções” é algo muito inicial que não prevê custos com o processo de titulação e desapropriação das terras degradadas, o próprio controle das áreas reflorestadas e da logística necessária para a venda destas madeiras. O “plano de intenções” não discute a possibilidade de pesquisas nas áreas de madeiras tropicais que permita o uso de novas espécies para a indústria moveleira. O “plano de intenções” defende ainda o reflorestamento com base no eucalipto, o que resulta em um sistema florestal homogêneo, que não recupera a biodiversidade existente na floresta nativa, que é a maior riqueza da Amazônia.
O Governo do Estado recebeu a proposta da empresa, apresentou suas reivindicações e, além disso, fixou um prazo de dez dias para que a Companhia Vale do Rio Doce pudesse responder. Essas reivindicações dizem respeito ao reflorestamento de 200 mil hectares, a construção de 40 mil casas populares, a discussão da verticalização de um outro minério: ouro, cobre, alumínio ou níquel. O Governador do Estado tem declarado, nos jornais, que pretende criar uma alíquota interestadual de ICMS para o ferro que for extraído no Pará para ser industrializado no Maranhão, caso a Companhia Vale do Rio Doce não atenda às solicitações feitas.
Chamo atenção para o fato de que essas propostas aparecem em um momento de crise e revelam a inexistência de um projeto de desenvolvimento sustentável para a nossa região, em especial para o meu Estado, o Pará. Os vários Governos, em especial os do Pará, permitiram a implantação de um projeto de desenvolvimento baseado, entre outras coisas, em uma política mineral que não preservou a floresta, não aumentou de forma significativa - como era a expectativa da sociedade - o nível de emprego e não possibilitou uma melhor distribuição de renda.
Hoje, temos essa visão mais ampla da crise por que o Pará está passando, mas é preciso que tenhamos a lucidez de não demonizar a Companhia Vale do Rio Doce - mesmo reconhecendo sua responsabilidade também nessa crise - como a única responsável pela inexistência de um projeto de desenvolvimento para a região.
A Companhia Vale do Rio Doce se instalou na Amazônia com o aval dos Governos Federal e Estadual, mas somente agora lhe é cobrada uma outra relação com a sociedade ali existente, em especial com a sociedade paraense. Quero deixar claro que nós, particularmente, já cobrávamos outra relação da Companhia Vale do Rio Doce com a sociedade paraense.
Considero que um dos pontos essenciais para que possamos imprimir novos rumos às políticas para a Amazônia implica construirmos uma agroindústria vinculada à produção do pequeno produtor que venha reforçar a produção familiar, não aquela baseada em uma cultura homogênea, mas, sim, em uma policultura. Para essa política se estabelecer, são necessários estudos nas áreas de manejo, de mudas e de prevenção de doenças e na pesquisa de mercados consumidores e de marketing comercial.
A Companhia Vale do Rio Doce poderá ser uma parceira nessa construção e, assim, mudar a sua imagem ante a sociedade local, que a vê, hoje, como uma empresa que não tem responsabilidade social e que, ao longo dos últimos 30 anos, explorou as riquezas do Estado do Pará e não trouxe uma compensação suficiente e justa para o povo do nosso Estado.
Acredito que este é o momento de discutirmos um projeto de desenvolvimento para o Estado. Para tanto, solidarizo-me - e já fiz isso por diversas vezes - com um jornal da nossa terra, O Liberal, que enfrenta hoje um processo da Vale do Rio Doce. E por quê? Simplesmente pelo fato de o jornal ter catalizado esse sentimento existente ao longo dos anos por parte do povo do Pará em relação à Companhia Vale do Rio Doce.
Mas, repito, não podemos demonizar a Companhia Vale do Rio Doce, visto que, quando ela se instalou, não houve nenhuma cobrança por parte dos Governos no sentido de um projeto de desenvolvimento.
Temos que discutir, sim, o que queremos para a Amazônia. Temos que estudar um projeto de desenvolvimento sustentável para a região que não mais permita que as nossas riquezas saiam do Pará para contribuir com o alcance do superávit na balança comercial brasileira, deixando tão pouco para nosso Estado, ou até para gerar empregos, com a verticalização, em outros Estados da Federação. Com todo o respeito ao povo do Maranhão, existe um sentimento de perda muito grande no povo do Pará.
Se vamos discutir a compensação em relação a isso, que ela seja baseada num projeto de desenvolvimento sustentável que envolva de forma digna os pequenos trabalhadores e os agricultores familiares, em especial. Que não seja simplesmente um projeto que preveja, mais uma vez, a homogeneização da nossa floresta. Na verdade, a história tem nos mostrado que essa tentativa, feita nas últimas décadas, não tem dado certo, Senador Mozarildo Cavalcanti. Não têm êxito projetos que consideram que a Amazônia é só minério, boi e madeira. A Amazônia tem uma diversidade imensa. Temos de aproveitar este momento para discutirmos. Não vamos continuar a plantar eucalipto para queimar e fazer carvão, em condições precaríssimas, inclusive com a utilização de trabalho infantil. Queremos uma outra realidade e uma outra perspectiva de desenvolvimento para a nossa região. É sobre isso que quero me pronunciar no dia de hoje, é isso que quero deixar como objeto de discussão.
Esta Casa tem um papel importantíssimo a cumprir. Hoje, no Senado da República, foi realizada uma audiência pública com o Ibram, que representa as empresas mineradoras, e teremos outra com o DNPM, para discutirmos uma legislação - e apelo a todos os Srs. Senadores para que a elaboremos o mais rápido possível - que altere a compensação financeira sobre cessão mineral. Queremos discutir não apenas o aumento da alíquota, o aumento de recursos, mas também uma melhor distribuição desses recursos, a progressividade na atuação da lei, para que as pequenas empresas sejam tratadas de forma diferenciada das grandes empresas, e o estabelecimento do controle social sobre esses recursos.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigada, Sr. Presidente.