Discurso durante a 96ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Repúdio às ações ilícitas de registros de patentes de produtos brasileiros pelas empresas multinacionais, envolvendo plantas como cupuaçu, o açaí, o andiroba e a copaíba.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Repúdio às ações ilícitas de registros de patentes de produtos brasileiros pelas empresas multinacionais, envolvendo plantas como cupuaçu, o açaí, o andiroba e a copaíba.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/2003 - Página 23345
Assunto
Outros > PROPRIEDADE INDUSTRIAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • DENUNCIA, ILEGALIDADE, ATUAÇÃO, EMPRESA ESTRANGEIRA, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), APROPRIAÇÃO INDEBITA, PATENTE DE REGISTRO, PRODUTO INDUSTRIALIZADO, UTILIZAÇÃO, FRUTA, MATERIA-PRIMA, REGIÃO AMAZONICA.
  • ANALISE, PREJUIZO, ECONOMIA NACIONAL, CONTRABANDO, PRODUTO IN NATURA, IMPORTAÇÃO, PRODUTO INDUSTRIALIZADO, COBRANÇA, PAGAMENTO, ROYALTIES, PATENTE DE INVENÇÃO.
  • DEFESA, PROVIDENCIA, PODER PUBLICO, BRASIL, PARTICIPAÇÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PUNIÇÃO, IRREGULARIDADE, PATENTE DE REGISTRO, COMBATE, CRIME CONTRA O PATRIMONIO, BIODIVERSIDADE, GENETICA, Amazônia Legal.
  • LEITURA, TRECHO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, ESTADO DE RORAIMA (RR), DENUNCIA, TENTATIVA, CONTRABANDO, FRUTA, REGIÃO AMAZONICA, DESTINAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO, UTILIZAÇÃO, SERVIÇO, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT), DEFESA, PARTICIPAÇÃO, POLICIA FEDERAL, FISCALIZAÇÃO, MATERIA.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE BOA VISTA, ESTADO DE RORAIMA (RR), DENUNCIA, CONTRABANDO, PRODUTO VEGETAL, REGIÃO AMAZONICA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho hoje a esta tribuna para denunciar ações ilícitas de registro de patentes, praticadas por empresas de alguns países desenvolvidos, contra riquezas existentes na Amazônia, que são patrimônio reconhecido do Estado brasileiro e do povo daquela região.

Trata-se da biopirataria, um êxodo anual de bilhões de reais em prejuízo do nosso País, um verdadeiro saque contra o nosso patrimônio genético e contra a nossa flora e fauna, que termina a sua trajetória nos laboratórios das grandes empresas transnacionais.

Eminentes Senadoras e Senadores, entre as várias espécies que têm sido alvo dessas práticas irregulares, algumas podem servir de exemplo neste pronunciamento. Assim, gostaríamos de alertar sobre registros recentes de patentes e marcas, envolvendo o cupuaçu, o açaí, a andiroba e a copaíba, plantas ainda pouco conhecidas em nossas pesquisas laboratoriais, mas altamente cotadas no mercado internacional, porque geram dezenas de subprodutos que têm ampla aceitação de consumo no mundo inteiro.

Em relação ao cupuaçu, no Brasil e no Peru, por exemplo, a polpa da fruta é usada para fazer suco, creme, sorvete, geléia, torta, sabonete, cosmético e chocolate de delicado sabor. Suas sementes, largamente usadas por várias comunidades indígenas e pelos habitantes da região amazônica, têm apresentado, inclusive, grande eficácia no combate às dores abdominais e outros males.

Aliás, o cupuaçu, apesar de ser uma árvore que pode alcançar até 20 metros de altura, pertence à mesma família do cacau. Por isso, os seus frutos podem ser usados para fabricação de um tipo de chocolate, que já está sendo, inclusive, fabricado e produzido em larga escala no Japão, com o nome de cupulate, embora sua fabricação tenha sido desenvolvida e disponibilizada pela Embrapa há cerca de dezessete anos.

Apenas para termos uma idéia da importância do cupuaçu no mercado japonês, convém assinalar que, somente no primeiro quadrimestre de 2002, o Estado do Amazonas exportou cinqüenta toneladas de sementes da fruta em direção àquele país. Segundo estimativas, até o final deste ano, os embarques do produto em estado bruto para o Japão poderão alcançar duzentas toneladas de semente. O pior de tudo é que o Brasil só exporta a matéria-prima in natura, enquanto o Japão revende os subprodutos industrializados, inclusive com patentes e marcas registradas.

Enquanto os interesses meramente capitalistas agem dessa maneira, ignorando leis, regras de mercado, ética e tradições, é importante relembrar que, durante séculos, os povos indígenas e as comunidades de toda a Amazônia cultivam o cupuaçu como fonte primária de alimentos. No entanto, como acabamos de ver, o Japão e outros países desenvolvidos, mesmo não dispondo de terras e climas propícios para o desenvolvimento da cultura do cupuaçu, dizem-se donos do direito do uso da palavra “cupuaçu”. Para eles, não basta a utilização da polpa e das sementes dos frutos dessas árvores para fabricação de vários produtos de consumo final de seus interesses, que são vendidos a peso de ouro no mercado internacional; arrogam-se o direito de processar outras empresas que utilizem o nome em seus produtos sem o pagamento de royalties.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, entre 1998 e 2002, podemos contar pelo menos sete registros de patentes sobre o cupuaçu. Em 1998, no Reino Unido, a empresa The Body Shop International Pic registrou patente com o título: “Composição Cosmética Incluindo Extrato de Cupuaçu”.

            Em meados de 2001, no Japão, mais precisamente no dia 30 de outubro de 2001, a empresa Asahi Foods Co. Ltd., com sede em Kyoto, registrou patente com o título: “Gordura do Cupuaçu - método para produzir e uso”.

Não demorou nem dois meses e a mesma empresa, em 18 de dezembro de 2001, também no Japão, registrou outra patente com o título:”Óleo e Gordura Derivados da Semente do Cupuaçu - método para produzi-los”. Mais uma vez, em 2002, a mesma empresa japonesa registrou patente na União Européia com o título: Produção e Uso da Gordura da Semente do Cupuaçu. Na mesma data e com o mesmo título, a referida empresa estendeu a patente em âmbito mundial.

            Mais curioso ainda é que, em 17 de outubro de 2002, a empresa Cupuaçu International Inc., com sede nos Estados Unidos, na verdade uma subsidiária da empresa japonesa, registrou também patente em âmbito mundial com o mesmo título apresentado pela matriz japonesa. Como podemos observar, existe grande interesse internacional pelos direitos do uso da palavra “cupuaçu”.

No que se refere ao açaí, há igualmente acirrada disputa pela hegemonia do mercado mundial. A exemplo do cupuaçu, o açaí apresenta grandes possibilidades de comercialização e de aceitação internacional. Desde março de 2001, o nome da planta “açaí” tornou-se marca registrada na União Européia.

Nos Estados Unidos, várias empresas também estão posicionadas na luta pela conquista da maior fatia do mercado.

Como muitos sabem, o açaí é uma palmeira que nasce em várias áreas da Amazônia. A polpa dos frutos serve para a preparação de vinho, suco, sorvete, creme, licor, além de ter outros fins culinários e gerar uma infinidade de outros produtos. Além de tudo, o açaí apresenta excelente sabor e alto poder energético, servindo inclusive para recuperação de atletas que são submetidos a duras provas de esforço físico. O caroço pode ser usado para produzir artesanato e adubo orgânico de excelente qualidade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a apropriação indébita do nome da fruta do cupuaçu pela empresa japonesa tem gerado uma onda de protestos em toda a região amazônica. Várias instituições que atuam em defesa do patrimônio cultural dos povos da floresta, inclusive a Secretaria do Meio Ambiente do Amazonas, não têm medido esforços no combate à biopirataria. O maior objetivo das entidades é que as autoridades brasileiras lutem perante a Organização Mundial do Comércio - OMC - e as Nações Unidas para definir, o mais rápido possível, uma legislação firme contra essa forma irregular de patenteamento da nossa biodiversidade. É importante lembrar que a Amazônia brasileira detém 20% da biodiversidade do mundo e esse imenso patrimônio não pode continuar sendo explorado em prejuízo do País e dos povos amazônicos, que são seus verdadeiros proprietários.

            Sr. Presidente, complementando o que abordei em meu pronunciamento, trago uma notícia publicada por um jornal do Estado de Roraima que traz um fato inusitado, que passo a ler:

Suspeita de Pirataria é Averiguada

Os estudantes de Biologia Ryo Yamanishi, 20, e Yuji Nakano, 29 - japoneses aparentemente insuspeitos - tentavam embarcar ontem pela agência dos Correios Central, via sedex, três caixas contendo sementes de espécies vegetais que compõem a biodiversidade amazônica. O destinatário: um suposto colecionador, residente na cidade de Okinawa, no Japão, que eles identificaram como Kazakami Takeshi.

Alertada pela reportagem da Folha para a possibilidade de prática de biopirataria, a direção da agência dos Correios resolveu reter a “mercadoria” para que seja examinada pelo Ibama - e pela Polícia Federal.

            Sr. Presidente, o que chama a atenção é o uso dos Correios para remeter para o exterior, de maneira “legal”, produtos da nossa biodiversidade. E o mais interessante é que, coincidentemente, esses estudantes que vieram do Amazonas postaram essas sementes em Roraima e pagaram pela remessa apenas R$175. Estão contrabandeando, fazendo biopirataria por intermédio de uma empresa pública brasileira. Já se parte para uma sofisticação.

Temos detectado com muita freqüência na Amazônia que turistas que se dizem apenas apreciadores da natureza descaminham produtos da nossa flora, das nossas plantas, ou da nossa fauna - animais, insetos etc. Agora usam os Correios, de maneira mais cômoda, de forma que eles possam ir e vir sem nenhum tipo de constrangimento já que os nossos Correios se encarregam de levar a mercadoria, cuja remessa é claramente ilegal. Nesse caso eram duas caixas com várias espécies de semente, a caixa maior com cerca de dez quilos.

Gostaria de pedir a transcrição desse artigo da Folha de Boa Vista, como parte do meu pronunciamento, para denunciar que a biopirataria no Brasil, em vez de estar sendo controlada, combatida de maneira eficaz, está sendo praticada de maneira aprimorada, por meio dos Correios.

Quero chamar a atenção da direção dos Correios e da Polícia Federal para esses casos, porque não se trata de violar correspondência ou encomenda de quem quer que seja, mas de estabelecer, no mínimo, em cada agência dos Correios, pelo menos as das capitais, o uso do aparelho de Raio X para detectar o conteúdo dessas remessas. No caso, o fato chamou a atenção porque dois estudantes japoneses estavam remetendo sementes para um pseudo colecionador no Japão.

Diante do que se denuncia a respeito do cupuaçu, do açaí, da andiroba e da copaíba, precisamos estar atentos para muitas outras plantas cujos efeitos medicinais ou cosméticos já são controlados pelas corporações financeiras internacionais. O Governo brasileiro precisa defender com mais garra o nosso patrimônio e exigir, nos fóruns internacionais apropriados, a reversão dessas medidas de patenteamento de coisas nossas para que, amanhã, não tenhamos que pagar royalties, por exemplo, para utilizar aqueles materiais dos quais nós somos, verdadeiramente, o grande banco dessa biodiversidade que existe na Amazônia e no Brasil como um todo.

Deixo aqui mais um alerta sobre a importância de cuidarmos melhor da Amazônia, do nosso patrimônio e de termos cada vez mais dignidade. Recentemente, fiz uma denúncia sobre a questão do avião francês que pousou em território brasileiro, exatamente na Amazônia. O Brasil precisa ter mais coragem de defender o seu território, a sua soberania e o seu patrimônio.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/2003 - Página 23345