Discurso durante a 96ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem pelo centenário de nascimento do ex-Senador Dinarte Mariz.

Autor
Fernando Bezerra (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RN)
Nome completo: Fernando Luiz Gonçalves Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem pelo centenário de nascimento do ex-Senador Dinarte Mariz.
Aparteantes
Marco Maciel, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/2003 - Página 23355
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, DINARTE MARIZ, EX SENADOR, EX GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), ELOGIO, VIDA PUBLICA.

O SR. FERNANDO BEZERRA (Bloco/PTB - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de mais nada, quero trazer meu agradecimento ao Senador Antonio Carlos Valadares pela gentileza de ter-me cedido o espaço para que, neste instante, eu possa fazer uma saudação ao centenário do saudoso Senador Dinarte Mariz.

Esta Casa, Sr. Presidente, realizará amanhã sessão especial comemorativa do centenário de nascimento do inesquecível Senador Dinarte de Medeiros Mariz, acolhendo proposição subscrita pela Bancada do meu Estado. Entretanto, problema de saúde impede-me de estar presente à merecida e oportuna homenagem, motivo que me faz antecipar as palavras que eu gostaria de pronunciar naquela ocasião.

Dinarte Mariz foi com certeza para a geração a que pertenço uma das mais emblemáticas e singulares figuras de homem público. Para mim, sua dimensão assume maior proporção memorial, pois nasci e fui criado no agreste potiguar, terra de transição para o vizinho Seridó, e oriundo de família com atividades predominantes no comércio e no cultivo do algodão. Os meus ascendentes diretos - pai, tios e avós - também foram fundadores e dirigentes do velho PSD. Dinarte, por sinal, exercia as mesmas atividades empresariais e fundara e liderava a temida adversária, a UDN. Era, assim, o ícone do antagônico.

Não é difícil, portanto, Sr. Presidente, imaginar a força da presença invisível de Dinarte Mariz no meu ambiente familiar e, a partir daí, na minha trajetória de vida do menino a adulto, evoluir para avaliação isenta do homem e das circunstâncias sociais e políticas que marcaram seu tempo, tornando-o uma das figuras-símbolo do meu respeito e da mais profunda admiração.

Sinto-me privilegiado por estar hoje nesta tribuna tantas vezes ocupada por ele para homenageá-lo e sei que o faço em nome dos meus ascendentes, que, com Dinarte, por muitas décadas, mesmo em trincheiras opostas, travaram o bom combate na busca daquilo que consideravam o melhor para a sua terra e para a sua gente.

Sr. Presidente, Dinarte, agricultor, pecuarista, minerador, comerciante, industrial, exerceu com sucesso múltiplas atividades empresariais, lançando-se desde cedo no mundo dos negócios, movido que era por excepcional tino comercial. Foi um gerador de riqueza e de empregos, com seus negócios espalhados por vários Estados. No entanto, a sua grande paixão e prodigiosa vocação foi a política, que exerceu com prazer, abnegação, altruísmo, força, coragem, desprendimento e sacrifícios.

Ele próprio definia-se como “um irredento, um irrequieto, uma corrente que não pára de correr, um vento que não pára de soprar, um eterno conspirador contra a inércia, o conformismo, a estagnação e o imobilismo”. O homem político se auto-reconhecia, ao dizer que começara a fazer política no ventre da mãe.

Para compreender Dinarte Mariz, é preciso um mergulho, mesmo rápido, na sua história. Nasceu na Cidade de Serra Negra, nos confins do Seridó, no espaço onde ninguém sabe ao certo onde termina o Rio Grande do Norte e começa a Paraíba, a sua Paraíba, Senador Ney Suassuna, dadas as suas similaridades fisiográficas, humanas e culturais.

O berço familiar explica a sua predestinação para a política, pois era filho e neto de proeminentes líderes. O seu avô paterno foi a figura ímpar do Coronel José Bernardo de Medeiros, duas vezes Presidente da Província do Rio Grande do Norte, Constituinte em 1891, Senador da República, de 1890 a 1907, e grande chefe liberal do meu Estado. O primeiro livro que Dinarte leu foi os Anais do Senado, que o avô levava para casa, e, menino, escondido, ficava com as mãos em concha nas orelhas, ouvindo as conversas do avô e do pai com as constantes visitas nos alpendres acolhedores da fazenda Solidão. O aprendizado político caminhava à frente da tabuada e da matemática.

O chão onde nasceu explica, por outro lado, o seu determinismo de servir. O Seridó é a microrregião mais árida do semi-árido nordestino, com o embasamento cristalino aflorante; com a agricultura de subsistência reduzida à várzea estreita dos rios esquálidos e com a agricultura comercial limitada ao xerófilo algodão Mocó, que também alimentava o gado - a outra vertente econômica - depois da colheita. Isso, quando chovia.

Se a terra e o clima não eram pródigos, Deus compensou mandando para enfrentá-los um povo forte e determinado e que, para sua sobrevivência, construiu uma peculiar e diferenciada identidade cultural e econômica em que se sobressai um profundo espírito de solidariedade.

Esse traço cultural foi dogma para Dinarte.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador Fernando Bezerra, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. FERNANDO BEZERRA (Bloco/PTB - RN) - Concedo o aparte ao nobre Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Solidarizo-me com V. Exª por essa louvação que faz ao nobre Senador Dinarte Mariz, por quem sempre tive uma admiração muito grande. Morei no Rio Grande do Norte, na cidade de Patu, ao lado de Almino Afonso e Pau dos Ferros, e lembro, como hoje, o tratamento carinhoso que ele tinha com meu pai. Ele sempre tratava-o como primo, porque meu pai era Maia por parte de mãe e, portanto, Mariz. Mas que cabeça e que altivez! Para aquele tempo e para aquelas dificuldades, que vislumbre tinha aquele homem! V. Exª, ao prestar essa homenagem, faz justiça a um homem cuja personalidade buliçosa, ousada, capaz e eficaz nunca conseguiremos definir.

O SR. FERNANDO BEZERRA (Bloco/PTB - RN) - Agradeço a V. Exª, Senador Ney Suassuna, e acolho o seu aparte como homenagem ao Rio Grande do Norte na figura inesquecível de Dinarte Mariz.

Dizia que esse traço cultural foi dogma para Dinarte. Em uma das suas últimas entrevistas, perguntado sobre o que tinha sido na vida, Dinarte prontamente respondeu: “Fui um homem solidário”.

Esse homem era, portanto, a própria terra seridoense, na sua força telúrica, e a encarnação do espírito de solidariedade, na força da doação desinteressada.

Srªs e Srs. Senadores, não pretendo esgotar o tema, por ser uma tarefa impossível. Pincei da história de Dinarte apenas alguns fatos e episódios que revelam com nitidez a sua personalidade de político e homem público.

Começo por Caicó, a pátria das suas emoções. Quando Prefeito, sabendo que o Ministro da Viação, o grande José Américo de Almeida, visitaria o Município em plena seca, convocou os retirantes que, de mãos estendidas, enchiam as ruas da cidade. Distribuiu pás, enxadas e picaretas e mandou iniciar a construção do açude Itans, obra fundamental para o abastecimento de Caicó, reclamada desde o Império e sempre adiada pelo Governo Federal. Chegando a Caicó, vendo aquela multidão esquelética a trabalhar na obra, o Ministro José Américo oficializou de pronto a construção, mesmo contra o parecer de técnicos do Dnocs, e o Itans foi concluído, mitigando a sede de gerações e criando novos meios de vida com a piscicultura e a irrigação, em pleno sertão.

Como Governador, a sua mais importante obra foi certamente na área educacional. Embora tivesse concluído formalmente apenas o curso primário, conduzia um largo cabedal de conhecimentos literários e humanistas e se dizia formado pela “universidade da vida”. Reconhecia na educação a chave para o progresso social. São suas estas palavras: “Só na educação uma Nação encontrará caminhos para a solução dos seus problemas e felicidade de seu povo”.

E assim fez como Governador, ao criar a Universidade do Rio Grande do Norte, depois federalizada, e construir modernos centros educacionais em Mossoró e Caicó, dotados dos mais avançados recursos pedagógicos da época. Era seu Secretário de Educação o Dr. Tarcísio Maia, pai do Senador José Agripino, a quem também rendo as minhas homenagens.

Outra importante iniciativa de Dinarte Mariz como Governador foi a pioneira concessão de incentivos fiscais, como mecanismo para atrair a implantação de indústrias. A isenção do IVC de então seria trocada por empregos e geraria renda, compensando de forma indireta a perda direta da receita tributária. Ele dizia que ninguém perdia o que não tinha. Se não tinha fábrica, não se estaria perdendo nada. Um dos mais sólidos grupos empresariais do Brasil de hoje começou no Rio Grande do Norte, em 1956, com a isenção fiscal concedida por Dinarte Mariz. Refiro-me ao grupo Guararapes, hoje liderado por Nevaldo Rocha.

Como idealista, foi conspirador e revolucionário em defesa dos princípios que julgava corretos. Em 1930, posicionou-se ao lado de Getúlio Vargas, pela derrubada da oligarquia que dominava o País; em 1932, combateu Getúlio, alinhando-se a São Paulo pela prometida e não cumprida Constituição e seguiu para aquele Estado com cerca de 150 voluntários seridoenses, sendo preso e recolhido a quartéis no Rio de Janeiro; em 1935, enfrentou os revolucionários comunistas que tomaram Natal chegando ao choque armado; em 1964, estava ao lado dos militares e civis que derrubaram o Presidente João Goulart.

Sr. Presidente, um homem destemido, convicto dos seus ideais e que por eles arriscava a própria vida. Não era, contudo, radical ou vingativo. Ao contrário. O espírito nato de solidariedade sempre emergia e, depois das refregas, quando procurado, ajudava sem restrições àqueles que combatera. São numerosos os exemplos de conterrâneos que foram socorridos por Dinarte após 1935 e durante o período de obscurantismo que pairou sobre a democracia brasileira depois de 1964.

Como Senador da República, o que se pode dizer é que esta Casa está impregnada da presença de Dinarte Mariz. Aqui, exerceu quatro mandatos, foi Vice-Presidente, quatro vezes 1º Secretário e membro atuante de numerosas Comissões, inclusive da Comissão Coordenadora de Estudos do Nordeste, a conhecida Cocene, que deu base a muitas decisões federais importantes sobre a política do desenvolvimento regional.

Uma das alas deste prédio que nos abriga tem o seu nome em imorredoura homenagem dos seus pares e desta Casa, que simboliza a união federativa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, homem de visão universal, preocupava-se com a inserção altaneira do Brasil no cenário mundial. Os atuais debates sobre a Alca mostram a sua acuidade e capacidade analítica, ao preconizar que o Brasil sempre deveria procurar estreitar a sua amizade com os Estados Unidos, embora não devesse aceitar as suas pretensões hegemônicas. A relação teria que ser de parceria, tema esse de absoluta atualidade.

A formação de novas lideranças para a condução dos negócios públicos era outra de suas grandes preocupações. Convivi um pouco com Dinarte Mariz quando ele procurou atrair-me, como também Geraldo José de Melo e outros jovens para a vida pública, com o objetivo de criar novas opções e novas alternativas políticas para o meu Estado. Não éramos seus afilhados, até porque alguns - como eu - não tinham afinidades partidárias ou ideológicas. Mas ele via em alguns de nós a potencialidade da vocação no servir e queria atrair-nos e estimular-nos para a causa do bem comum. E, nesse caso, recorro ao chavão usado nas campanhas políticas de Dinarte, para confirmar que “O velho tinha razão”.

Sei que amanhã outros oradores - certamente daqui desta tribuna falarão os Senadores José Agripino e Garibaldi Alves Filho - mais capazes e com maior proficiência abordarão melhor do que eu a rica personalidade de Dinarte Medeiros Mariz, que não foi somente político e empresário. Loquaz, espirituoso, elegante, dominava com a palavra fácil e a verve sertaneja as rodas de jornalistas, os ambientes literários e as conversas com os amigos.

Muito ainda será pesquisado, escrito e falado sobre esse seridoense “fibra longa” que, no exercício de uma liderança inconteste, se tornou o retrato fiel do homem público carismático e messiânico.

Sr. Presidente, quero pedir permissão para encerrar este meu pronunciamento com a leitura de um belo texto do livro do nosso Presidente José Sarney.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - V. Exª me concede um aparte, Senador Fernando Bezerra?

O SR. FERNANDO BEZERRA (Bloco/PTB - RN) - Pois não, Senador Marco Maciel, com muita honra.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - Eu gostaria de louvar a iniciativa de V. Exª de render homenagem merecida ao Senador Dinarte Mariz. Amanhã também nos aprestamos para dar seqüência a essas manifestações. Conheci o Senador Dinarte Mariz e posso subscrever as observações que V. Exª faz a esse notável homem público nordestino, um nome de projeção nacional. Ele conhecia como poucos os problemas do Nordeste, sabia como resolvê-los, conforme salientou V. Exª ao lembrar seu trabalho na Cocene. Era um homem de visão muito dilatada do Brasil. Dessa forma, ele contribuiu, para que pudéssemos enfrentar e resolver muitas das questões que dizem respeito ao desenvolvimento do País. Congratulo-me, portanto, com V. Exª pelo discurso que profere nesta tarde, associando-me à justa homenagem ao Senador Dinarte Mariz, um modelo de cidadão e empresário, mas, sobretudo, como V. Exª salientou, de político. Muito obrigado.

O SR. FERNANDO BEZERRA (Bloco/PTB - RN) - Agradeço V. Exª, Senador Marco Maciel, por associar-se a esta homenagem que presto, hoje, a esse grande norte-rio-grandense que foi Dinarte Mariz. Com certeza o faço em nome do povo do Rio Grande do Norte. Honra-me muito que V. Exª tenha me aparteado nesta homenagem, sendo V. Exª um dos homens mais ilustres desta Casa e que teve o privilégio da convivência com o Senador Dinarte Mariz.

Mas, eu dizia, Sr. Presidente, que pedia a permissão para encerrar este meu pronunciamento com a leitura de um belo texto do livro do nosso Presidente José Sarney, sobre o Senador Dinarte Mariz, transcrito do livro *“Solidão, Solidões”, de autoria do poeta e escritor *Diógenes da Cunha Lima, Presidente da Academia de Letras do Rio Grande do Norte e ex-Reitor da Universidade Federal do meu Estado.

São palavras do Senador José Sarney:

Dinarte Mariz foi o mais lúcido sobrevivente dessa geração que já não existe, dos políticos fortes, chefes de bandos do bem comum, cangaceiros da luta pelo Nordeste, heróis da resistência da seca, no sentido de olhar a política como uma paixão sem volta, de doação absoluta, na arte de fazer possível o caminho para conseguir o impossível. Passei a estimá-lo, admirá-lo, querer-lhe bem e tratá-lo como um patriarca, desses que são constantes e vivem eternamente.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/2003 - Página 23355