Discurso durante a 96ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Importância da intensificação do uso do instituto da arbitragem como instrumento para a simplificação do processo de solução de controvérsias.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Importância da intensificação do uso do instituto da arbitragem como instrumento para a simplificação do processo de solução de controvérsias.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/2003 - Página 23358
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • IMPORTANCIA, AMPLIAÇÃO, UTILIZAÇÃO, ARBITRAGEM, INSTRUMENTO, BUSCA, CONCILIAÇÃO, SIMPLIFICAÇÃO, SOLUÇÃO, CONTROVERSIA, LITIGIO, AGILIZAÇÃO, FUNCIONAMENTO, JUDICIARIO, MODERNIZAÇÃO, ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL, ESTADO.
  • APOIO, POSIÇÃO, SEPULVEDA PERTENCE, MINISTRO, EX PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DEFESA, UTILIZAÇÃO, JUIZO ARBITRAL, ALTERNATIVA, TUTELA JURISDICIONAL, SIMPLIFICAÇÃO, PROCEDIMENTO, REDUÇÃO, CUSTO, SOLUÇÃO, LITIGIO.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Romeu Tuma, Srªs e Srs. Senadores, um dos objetivos do processo de modernização, importante em termos de mudança social, mas pouco percebido pela nossa sociedade, é a diminuição da tutela do Estado e o conseqüente aumento dos poderes da cidadania. Exemplos significativos dessa transformação podem ser encontrados no Código de Defesa do Consumidor, nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei de Arbitragem. É sobre esta última que desejo, agora, Sr. Presidente, referir-me.

A proposição convertida na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, de minha autoria, é, como assinalo na justificativa do projeto, fruto de um longo e proveitoso debate, liderado pelo Instituto Liberal de Pernambuco, sob a coordenação do Dr. Petrônio R. G. Muniz e colaboração de uma comissão relatora, integrada, entre outros, pela Drª Selma Ferreira Lemes e seus colegas Carlos Alberto Carmona e Pedro Batista Martins.

A arbitragem inclui-se entre as práticas usuais da política, valorizando a conciliação, a busca do consenso e a solução pacífica dos conflitos, e oferece à sociedade uma opção ágil e concreta para solução de litígios, tudo com escopo na segurança jurídica.

           Trata-se de um assunto que, por suas implicações, insere-se em questões das mais amplas de interesse geral, em que dois temas são de inquestionável atualidade. O primeiro diz respeito ao funcionamento do Poder Judiciário e o segundo, à modernização institucional do Estado brasileiro. A Lei 9.307 está centrada nos institutos jurídicos do compromisso e do juízo arbitral, ambos previstos no Código Civil e no Código de Processo Civil brasileiros, não sendo portanto matéria nova no Direito brasileiro. A inovação, na realidade, consistiu em dar previsão legal ao assunto, para suprir duas lacunas que tornaram esse instituto jurídico inaplicável na prática, ou pelo menos de aplicação extremamente difícil e reconhecidamente morosa. Os impedimentos eram basicamente dois: primeiro, a circunstância de que, exatamente por falta de previsão legal para a cláusula compromissária, a promessa contratual de solucionar eventuais pendências através de decisões arbitrais não tinham outro efeito que o de gerar perdas e danos de difícil liquidação. O segundo era a necessidade de se homologar obrigatoriamente todo e qualquer lado arbitral pelo Poder Judiciário, o que eliminava, de fato, duas das maiores vantagens desse instituto: o sigilo e a celeridade.

Como assinala a Drª Selma Ferreira Lemes, especialista no assunto, o objetivo desse instituto é viabilizar uma alternativa à Justiça oficial, que resolva os litígios rapidamente e a um custo mais baixo. É nesse sentido que o tema diz respeito a uma questão de inegável atualidade.

No que se refere ao funcionamento do Poder Judiciário, o que se constata é que não há programa político de modernização institucional que não se refira, em termos mais ou menos candentes, à necessidade de modernizarmos a Justiça brasileira.

Segundo dados publicados pelo jornal O Estado de S.Paulo, o Brasil pediu por justiça mais de doze milhões de vezes em 2002. Esse é o volume de ações propostas nas diversas instâncias do Poder Judiciário, na União e nos Estados. “Nos últimos 12 anos, o brasileiro bateu 113,7 milhões de vezes às portas dos tribunais, como aponta o Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário. De 2000 para cá, foram 3,5 milhões de ações, média de 1 milhão por mês, trinta mil todo dia. (...) Baseado em rastreamento feito por um economista - informa o advogado Ricardo Tosto, na mesma matéria - estima que o peso da Justiça morosa alcança anualmente, valores equivalentes a 2% ou 3% do produto interno bruto (PIB)”.

Em sua edição desse fim de semana o jornal Valor Econômico traz números eloqüentes que demonstram a convergência entre o Congresso Nacional e a sociedade na busca de aparelhar institucional e legislativamente a arbitragem.

Permitam-me citá-los. Os procedimentos instaurados nos centros de arbitragem no Brasil foram apenas 10, em 1996, ano em que a lei foi sancionada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Saltaram para 4.412 em 2001, segundo levantamento feito pelo Conima - Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem -, o que mostra, a meu ver, a aceitação que a lei vem recebendo da sociedade brasileira. É bom constatarmos que no Brasil na havia uma cultura da arbitragem. E essa cultura começa a forjar-se e é importante para que esse instituto realmente possa se consolidar em nosso País como uma instância que pode contribuir muito para reduzir o número de feitos que chegam às instâncias judiciárias no nosso País.

Indo além dos números, o jornal Valor Econômico informa também, na mesma edição, que as empresas brasileiras estão optando pela utilização de cláusulas de arbitragem em seus negócios, e estima, no campo internacional, que 99% dos contratos elejam o referido mecanismo. Revela também que a difusão dos métodos alternativos de solução de controvérsias, como a arbitragem, a mediação e a negociação, está criando um novo campo de atuação para os profissionais de Direito, o que significa dizer que estamos ampliando, por esse caminho, o mercado de trabalho.

           O ilustre e acatado Ministro Sepúlveda Pertence, ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, em entrevista à Folha de S.Paulo, de 14 de maio de 1995, sintetizou o desafio do Poder Judiciário afirmando: “Não há juízes, não há dinheiro, mas é preciso pensar objetivamente a realidade”. Esta, no entanto, não é a única opinião abalizada do Ministro Pertence de que partilho. Comparto também das soluções que ele aponta e que dizem respeito, em última análise, ao segundo aspecto da atualidade do problema a que me referi há pouco, ou seja, a modernização do Estado. Na mesma entrevista o Ministro do STF diz com muita propriedade:

O processo jurídico tradicional é lento, quase que inevitavelmente lento. E caro. Então, precisamos subtrair dessa máquina tradicional do Judiciário, essas peculiaridades. Temos por exemplo, as experiências dos juizados de pequenas causas, que são excelentes. A Constituição, na mesma linha, acena com outra figura de maior aprofundamento. São os juizados especiais, que envolvem jurisdição criminal - a Constituição chama de crimes com pequeno potencial ofensivo - e causas cíveis. Acontece que o Congresso até agora não conseguiu votar isso, embora existam ótimos projetos. Eu acho isso da maior urgência”.

Sr. Presidente, também desejo lembrar que o instituto da arbitragem, como via coadjutória da prestação jurisdicional por parte do Estado, tem exatamente essa virtude de extrair do Judiciário, por meio dessa via rápida, sigilosa e barata, as peculiaridades que se atribuem ao processo judicial no campo do Estado, ou seja, a lentidão, o alto custo - muitas vezes -, assegurando-se, sobretudo, um julgamento feito com árbitros adequadamente habilitados.

Há outra circunstância que também não deve ser esquecida. Todos sabemos das dificuldades que existem na busca de soluções judiciais do Estado nos casos de comércio internacional, que envolvem empresas, firmas, fornecedores e consumidores de diversos países. A tendência do Direito em cada Estado nacional é fazer prevalecer a lei, a jurisprudência e a doutrina em favor de seus nacionais, o que amplia necessariamente o âmbito desses conflitos. O juízo arbitral é a solução, ao mesmo tempo, mais eficiente, mais justa e mais barata nesses casos.

O Brasil está intensificando o seu comércio exterior e ampliando suas relações econômicas e financeiras com a abertura econômica que data de alguns anos e que tomou muito impulso nos últimos anos, sobretudo a partir do grande esforço que fez o Presidente Fernando Henrique Cardoso de ampliar nossa interlocução no exterior. Mais do que isso, estamos participando ativa e fecundamente de um novo bloco econômico que busca integrar o mercado econômico com os países do Cone Sul - vale destacar o esforço feito pelo então Presidente José Sarney para criar o Mercosul.

Brevemente, todos os países da América do Sul formarão um bloco, porque, a meu ver, é esta a tendência do Mercosul: converter-se em um bloco, uma união aduaneira ou - quem sabe? - um mercado comum. Esse seria o sonho do nosso futuro, sem contar o enlace que devemos fazer, se as negociações prosperarem, no sentido de estabelecer uma integração hemisférica, isto é, incluindo todo o continente americano, o que pode materializar-se ainda na primeira década deste século. Tudo isso sem falar nos acordos em andamento entre o Mercosul e a União Européia.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador Marco Maciel, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Ouço V. Exª com prazer, nobre Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador Marco Maciel, ontem tivemos a honra de jantar, juntamente com inúmeros Senadores, com nosso Chanceler, Celso Amorim. E ficamos muito felizes de saber que, além do Mercosul, estamos buscando maior aproximação não só com o Chile, mas também com os demais países da costa do Pacífico e que estamos fazendo um investimento muito grande na consolidação desses relacionamentos na América do Sul. Além dessa alegria, tive a oportunidade de dizer ao Ministro que eu e o Senador Eduardo Suplicy tínhamos ido a Israel, e, para surpresa nossa, os países do Caribe, da América do Sul e da América Central clamavam para que o Brasil ocupasse esse espaço de liderança. Então, tenho a ligeira impressão de que, num futuro não muito distante, a iniciativa do Presidente José Sarney de criar o Mercosul se transformará numa união subcontinental, ou seja, de toda a América do Sul, senão até - quem sabe? - um alívio a mais para Caribe e América Central. Todos esses países almejam que o Brasil ocupe esse espaço. O que V. Exª está dizendo pode vir a ser algo muito importante no futuro. Teremos de discutir a Alça - não há dúvida -, teremos de negociar com os Estados Unidos, porque um mercado daqueles não pode ser desprezado. Com certeza, teremos um espaço muito grande nesses países latinos, bem como nos países da América Central e do Caribe, nos países da costa pacífica e da costa atlântica da América do Sul.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Agradeço a V. Exª o aparte, que pôs luz numa questão que considero muito importante, qual seja, a integração, como V. Exª salientou, subcontinental, a integração sul-americana.

Devo lembrar que, entre 31 de agosto e 1.º de setembro de 2000, o Brasil realizou uma reunião com todos os chefes de Estado e de Governo - porque em alguns países há parlamentarismo - da América do Sul. Isso foi algo inédito, porque geralmente essas reuniões de Chefe de Estado e Chefe de Governo que ocorriam na América eram reuniões hemisféricas, ou seja, envolviam a América do Norte, a América Central, o Caribe e a América do Sul. Geralmente, nobre Senador Ney Suassuna, essas reuniões eram convocadas pelo Presidente dos Estados Unidos da América do Norte. Pela primeira vez, em nossa longa história, tivemos a oportunidade de sediar em Brasília, por uma iniciativa extremamente feliz da chancelaria brasileira, sob a liderança do Presidente Fernando Henrique Cardoso, uma reunião desse porte.

Essa iniciativa teve a vantagem de permitir que nos aproximássemos mais dos nossos vizinhos, não somente dos vizinhos mais meridionais, os do Cone Sul e do Prata, que sempre foram a grande preocupação de Rio Branco - ele recomendava sempre atenção ao Prata -, mas também com os vizinhos mais setentrionais, que sempre ficaram esquecidos.

Todos sabemos que o Brasil tem fronteiras com todos os países da América do Sul, menos com o Chile e o Equador, e não por culpa do Brasil, mas devido a problemas fronteiriços com o Peru ainda no século XIX. Podemos dizer que com esses dois países - Equador e Chile -, temos uma parceria tão próxima e uma amizade tão grande que poderíamos dizer, repetindo um jargão diplomático, que temos com eles uma amizade sem limites.

Entendo que o avanço nesse campo será muito bom, não pode ficar circunscrito apenas às relações econômicas e comerciais; tem que atingir também as relações sociais e culturais, pois é no território da cultura que se alojam os valores, e também atingir o campo político e o jurídico-institucional.

Por isso, Sr. Presidente, trago a questão da arbitragem a debate nesta Casa, pois precisamos discutir formas alternativas de prestação jurisdicional, formas de simplificação do processo de solução de controvérsias independentemente do recurso à instância estatal.

Voltando ao discurso, o arbitramento é um instrumento que se impõe em nosso País. Devo lembrar que Rio Branco recorreu à arbitragem no campo do Direito Internacional Público, não do Direito Comercial, com êxito em sua profícua passagem pelo Ministério das Relações Exteriores.

Ele ficou dez anos naquele Ministério começando com o Governo de Rodrigues Alves, que fez um excelente ministério - Rio Branco era um desses expoentes ao lado de tantos outros eminentes políticos. Diria que Rio Branco trabalhou bem a arbitragem no campo do Direito Internacional.

Não podemos deixar de reconhecer que foi graças a Rio Branco que conseguimos delimitar precisamente toda a nossa fronteira. O Brasil é um país muito grande e tem a ventura, se assim posso dizer, a grande graça de ter todas as suas fronteiras demarcadas e definidas sem contestação. E Rio Branco se louvou muitas vezes no instituto da arbitragem. Não vou me alongar aqui porque há outros oradores inscritos, mas eu queria lembrar que, nas questões em que recorremos à arbitragem, salvo em um caso, fomos bem-sucedidos.

Encerrando, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estimo que a cultura da arbitragem continue consolidada em nosso País. Tomara consigamos fazer com que, cada vez mais, seja exercitada, porque ela atende, a meu ver, a duplo objetivo. De alguma forma concorre para reduzir o número de feitos, para a prestação jurisdicional por parte do Estado e nos permite simplificar os procedimentos. Também permite nos inserir melhor na comunidade internacional. Na Europa, assim como nos Estados Unidos, esse instituto é muito desenvolvido. A tendência é que cada vez, mais e mais, possamos recorrer à arbitragem e as suas formas anteriores - a mediação, a conciliação -, deixando para submeter à jurisdição estatal aquelas questões mais relevantes que exijam, conseqüentemente, um melhor e mais demorado e acurado estudo.

Contamos, Sr. Presidente, avançar nesse e no território jurídico-institucional. Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/2003 - Página 23358