Discurso durante a 96ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da manutenção da autonomia do Estados para legislar sobre o ICMS, a propósito das discussões da reforma Tributária.

Autor
Eduardo Azeredo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MG)
Nome completo: Eduardo Brandão de Azeredo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Defesa da manutenção da autonomia do Estados para legislar sobre o ICMS, a propósito das discussões da reforma Tributária.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/2003 - Página 23361
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, AUTONOMIA, ESTADOS, PRERROGATIVA, LEGISLAÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), OPORTUNIDADE, DISCUSSÃO, REFORMA TRIBUTARIA.

O SR. EDUARDO AZEREDO (PSDB - MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, serei breve. Costumo falar depressa, mas tenho que ter o cuidado de falar pausadamente para poder ser entendido.

No momento em que as discussões sobre a reforma tributária ganham contornos mais definidos, com a divulgação do relatório preliminar pelo Deputado Virgílio Guimarães, é importante que esta Casa dê seu sinal de alerta sobre questões que poderão afetar de maneira muito íntima as administrações municipais e estaduais, e até mesmo a federal.

Quando o Governo Federal propõe alteração completa do parágrafo único do art. 158 da Constituição, que cuida da distribuição dos recursos do ICMS, acende-se uma luz vermelha em todos que, como eu, já se envolveram na gestão dos recursos públicos.

            Em Minas Gerais, em trabalho harmônico com a Assembléia Legislativa, foi criada uma lei que, obedecendo ao art. 158, definiu a redistribuição do ICMS aos 853 Municípios mineiros, conforme critérios populacionais, incentivo a políticas públicas como a saúde da família, incremento das matrículas escolares, bem como a preservação do meio ambiente, a destinação final do lixo e do esgoto, a preservação do patrimônio histórico, a geração de receita própria, área cultivada e programa de agricultura familiar, além da destinação de uma cota mínima igual para todos, mas essencial para os Municípios de menor atividade econômica.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já naquela época, colocamos em prática aquilo que os então oposicionistas viviam pregando por todos os cantos do Estado: uma distribuição mais efetiva da renda.

Há dias, o Professor Léo Pompeu, membro da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil, em artigo publicado no jornal Estado de Minas intitulado “Reforma Tributária e Meio Ambiente”, lembrou a promoção de políticas públicas para o meio ambiente, implantadas com a Lei Hobin Hood, recentemente citadas no Relatório do IDH da ONU para 2003. É que, em 1996, apenas 98 Municípios se habilitaram ao chamado ICMS ecológico - distribuído de acordo com as áreas preservadas; hoje, 287 Municípios estão habilitados. Isso, segundo estudos do professor, significou a incorporação de mais de um milhão de hectares preservados, praticamente o dobro do que existia antes do incentivo.

Outros dados importantes de serem ressaltados podem ser coletados na área de saneamento ambiental, lixo e esgoto: saímos de menos de uma dezena para os atuais 43 Municípios habilitados para o ICMS de saneamento e que representam mais de 25% da população do Estado. Nesse universo, grandes cidades com enorme concentração populacional como Uberlândia, Belo Horizonte e Ipatinga passaram a receber, via distribuição do ICMS, os investimentos que fizeram na destinação final do lixo e esgoto. Outras médias e pequenas cidades, como Viçosa e Coimbra, e tantas outras, praticamente em todas as regiões do Estado, conseguiram o mesmo resultado.

Por seu lado, o ICMS cultural, fruto de uma lei da cultura específica e de outra política de preservação da Lei Robin Hood, a do Patrimônio Histórico, apresentou resultados extremamente compensadores, pois saímos de 105 Municípios, em 1996, para atingirmos em abril deste ano a expressiva marca de 351 Municípios que aderiram à preservação, realizando, na prática, o que preconizava o notável mestre que implantou o IPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade: “Em verdade, só há um meio eficaz de assegurar a defesa do patrimônio de arte e de histórica do País: é a educação popular”.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a elaboração dessa lei estadual, discutindo peculiaridades de 853 Municípios, de 38 bacias hidrográficas distintas, consumiu quase um ano de trabalho. A proposta do Governo, ora em discussão, de conciliar o Brasil, ainda muito mais diverso e subdividido, com 5.561 Municípios, mediante lei complementar, poderá transformar-se numa atividade de difícil transposição.

E vem a dúvida se nessa transposição prevaleceriam os atuais critérios, a maioria de longa maturação, por se tratar de processo de convencimento. Com que interesse e garantia as pessoas, empresas e administradores públicos se envolveriam, dada a incerteza criada?

Posso dizer que não é exagero meu afirmar que a manutenção de leis estaduais significa um avanço na promoção de políticas públicas, embora mais complexas como as de Minas.

Não seria um retrocesso reduzir esse esforço levado pela autonomia estadual em diversos Estados do País a uma simplificação proposta pelo Governo, adotando apenas o critério populacional? Concordo que é preciso federalizar a legislação sobre o ICMS, justificando assim a eliminação da guerra fiscal entre Estados, mas ao querer definir de forma geral os critérios, a reforma reduz a competência legislativa estadual em assuntos de característica eminentemente regional. O ICMS é um imposto estadual, é razoável que os Estados, por meio de suas Assembléias Legislativas, continuem legislando ainda que sobre parte apenas desse imposto.

Propostas inovadoras já apresentadas e outras consolidam regras tributário-ecológicas já existentes: a criação de mecanismos de compensação pelo uso de recursos naturais e pela degradação ambiental; a análise do impacto ambiental; a exclusão do ICMS sobre quaisquer serviços de saneamento, em qualquer fase, em qualquer regime; atribuição de crédito presumido às cooperativas de catadores e outros atuadores na coleta seletiva do lixo; a não tributação pelo ITR das áreas sob preservação permanente, reserva legal e interesse ecológico. Finalmente, é a consolidação do ICMS ecológico como política pública.

Enfatizo que já temos em Minas uma política de incentivo à cultura e uma política de preservação do patrimônio histórico, apoiadas em leis estaduais, a que chamamos de ICMS cultural.

Por tudo isso, conclamo os Pares para, mais uma vez, serenamente, levar essa discussão para um objetivo concreto. Devemos manter o que está dando certo, que são as leis estaduais de redistribuição de ICMS, que cuidam de apenas 25% dos recursos dos Municípios, e rediscutir, sim, a distribuição do ICMS na maior parte dos 75% restantes, três quartos, que adota critério de acordo com o Valor Adicionado Fiscal - VAF. Registre-se que 12 Municípios mineiros recebem 50% dos recursos, representando apenas 26% da população.

Quero crer que os autores da atual proposta de distribuição do ICMS se esquecem da autonomia dos Estados e, certamente, não tiveram a oportunidade de consultar os seus companheiros estaduais, em todo o Brasil, que votaram essas leis, como também é o caso do Estado do Paraná.

Talvez por isso não percebem que elas representam um valioso instrumento de promoção de políticas públicas, que estão funcionando bem e são do agrado de Prefeitos e das populações atendidas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez, quero trazer aqui o alerta de que a reforma tributária não pode desconhecer avanços que foram feitos e muito menos atingir a autonomia dos Estados, que têm a prerrogativa de legislar sobre parte do imposto estadual, que é o ICMS.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/2003 - Página 23361