Discurso durante a 97ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao ex-Senador Dinarte Mariz pelo transcurso dos cem anos de seu nascimento.

Autor
Efraim Morais (PFL - Partido da Frente Liberal/PB)
Nome completo: Efraim de Araújo Morais
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao ex-Senador Dinarte Mariz pelo transcurso dos cem anos de seu nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2003 - Página 23514
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, DINARTE MARIZ, EX SENADOR, EX GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), PARTIDO POLITICO, UNIÃO DEMOCRATICA NACIONAL (UDN), ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, REGIÃO NORDESTE, ATUAÇÃO, MESA DIRETORA, SENADO, MELHORIA, ADMINISTRAÇÃO.

O SR. EFRAIM MORAIS (PFL - PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, familiares aqui presentes do nosso saudoso Senador Dinarte Mariz, segundo o meu conterrâneo, o paraibano José Américo, “o cumprimento do dever público não deve ser premiado sequer com os incentivos da popularidade”. Talvez, como decorrência disso, por vezes o reconhecimento de uma exemplar carreira pública só acontece depois da morte do servidor. E, afinal, é isto o que somos todos os políticos: servidores públicos no sentido lato.

O objetivo que estamos buscando no dia de hoje é o de relembrar uma grande figura da política nacional, o Senador Dinarte Mariz, de longa ficha de serviços prestados à Nação brasileira, por mais de 50 anos de uma vida pública exemplar.

Dinarte de Medeiros Mariz, nascido em Serra Negra, Rio Grande do Norte, em 23 de agosto de 1903, era um desses homens que agia por respeito às convicções morais, orientado por ideais recebidos na rígida educação nordestina ou, dizendo ainda melhor, sertaneja, de base cristã, solidária e familiar. Acreditava que tinha deveres a cumprir e defendia suas idéias com notável firmeza, indiferente à impopularidade que por vezes dali resultava.

Teve pouco estudo formal para os padrões atuais, e a lúcida inteligência e o preparo que demonstrou em diversas oportunidades eram resultado da capacidade de estabelecer relacionamento com pessoas que tinham o que dizer. Empresários, intelectuais, militares e políticos famosos freqüentemente estabeleceram sólidas amizades com aquele potiguar, que aconselhava tanto quanto ouvia e aprendia de suas conversas, mesmo as travadas com os homens mais simples de sua terra.

Antes de ser político, diz sua biografia, foi um excelente empresário que acumulou fortuna na condução honesta do negócio de compra e venda de algodão. Era um homem que acreditava no contrato garantido pelo “fio do bigode”, e são vários os testemunhos de seus contemporâneos sobre o cumprimento estrito de contratos e acordos que nunca precisaram ter registro formal ou aval de outros. E essa correção trouxe para a vida política. Empenhada a sua palavra, nunca precisou ser lembrado de cumpri-la.

Começou de maneira simples, em lombo de burro, mas com grande espírito empreendedor, que permitiu expandir seus horizontes econômicos, até ser um dos maiores exportadores e beneficiadores de algodão do País, com frotas de caminhão e maquinaria moderna em suas unidades industriais.

O interesse pela política surgiu por volta dos 28 anos de idade, quando escolheu tomar partido da Revolução de 1930, depois de ver derrotada a Aliança Liberal em mais uma eleição de cabresto, típica das oligarquias da época. O assassinato de João Pessoa, que serviu de sinal para a deflagração do movimento que consagrava a insatisfação popular, provocou-lhe profundo sentimento de revolta. É sabido que pagou ao sacristão da Igreja de sua terra uma quantia considerável, para que este repicasse o aviso fúnebre no sino por todo o dia.

Por diversas vezes, nos anos 30, foi forçado a pegar em armas: a favor do movimento revolucionário em 1930, o que lhe valeu o reconhecimento de líderes com Juarez Távora; contra o continuísmo de Getúlio e a favor da convocação da Constituinte em 1932, atendendo a chamado do General Euclides Figueiredo; para defender correligionários de cidades vizinhas, nas violentas campanhas políticas de 1934-35, protegendo seu Partido Popular - o perrepê, como era conhecido - da violenta intervenção de Mário Câmara; contra a tentativa de golpe comunista em 1935, cuja coluna armada foi derrotada na Serra do Doutor por um pequeno contingente de bravos potiguares e paraibanos liderados por Dinarte. Isso tudo não o tornou, entretanto, um homem violento, adepto de soluções de força. Pelo contrário, as movimentações armadas lhe deram fama de bom estrategista, consagrada no apelido de “General da Serra do Doutor”, e de homem justo na vitória, uma vez que sempre impediu retaliações contra os vencidos.

O longo primeiro governo de Getúlio Vargas viu o crescimento da importância daquele líder do Seridó, tanto no campo empresarial quanto no político. Mesmo se opondo a Vargas, era considerado pelo próprio Presidente, ao que se sabe, um importante interlocutor. Por vezes, canalizou reivindicações do empresariado nordestino, conseguindo atenção e atendimento do Catete.

A outra vocação, Sr. Presidente, revela-se ao final da ditadura Vargas: hábil articulador político, foi um dos responsáveis pela construção da União Democrática Nacional (UDN), ficando nos bastidores da sua organização, favorecendo o seu fortalecimento. Na presidência regional do partido, sem cargo público por quase dez anos, garantiu importantes vitórias de seus liderados nas eleições proporcionais. Conviveu com as grandes figuras nacionais do Partido, Eduardo Gomes, Milton Campos, Daniel Krieger, Carlos Lacerda, Otávio Mangabeira, Juarez Távora, José Américo, Afonso Arinos, Bilac Pinto, Aliomar Baleeiro e tantos outros, que sempre mostraram respeito pelo incansável Dinarte.

A primeira eleição da qual decidiu ele mesmo participar, venceu. Por essa via, chegou diretamente ao Senado Federal em 1954. Entretanto, ainda dessa vez, foi mais forte o apelo regional que o levou à candidatura ao governo do seu Estado em 1955, com respeitável vitória eleitoral.

Fez um governo memorável, aberto, próximo às causas populares, batalhando pela educação, equilíbrio das contas públicas, eletrificação do Estado e buscando soluções para os problemas comuns não apenas ao Rio Grande do Norte, mas a todos os Estados nordestinos. E foi vitorioso em quase todos os pleitos junto ao Governo Federal, mesmo não sendo aliado do Presidente Juscelino Kubitschek. Até mesmo a criação da Sudene teve o dedo de Dinarte. Também é responsabilidade dele a criação da Universidade do Rio Grande do Norte, posteriormente federalizada, assim como de importantes institutos de educação localizados no interior do seu Estado.

Recebia o povo diretamente no Palácio do Governo e em casa. Conversava com as pessoas mais simples pelas ruas ou no Grande Ponto, centro da conversação política em Natal. Ficou conhecido, na época, como um governante justo, de tempo integral, antecipando o estilo de rápidas decisões e comunicação por bilhete com seus principais auxiliares, que posteriormente caracterizou Jânio Quadros no exercício da Presidência. Aliás, muitos atribuem ao discurso de Dinarte Mariz na Convenção da UDN, logo após uma das brilhantes falas de Carlos Lacerda defendendo sua própria candidatura, a vitória de Jânio. O próprio Lacerda foi convencido pelo potiguar a apoiar o líder paulista.

Não conseguiu, entretanto, fazer o seu sucessor no Estado, derrotado pela divisão interna do seu partido. Seu candidato e amigo, Djalma Marinho, não era afeito às campanhas travadas no corpo-a-corpo com o eleitor, bem a gosto de Dinarte, a quem nunca importou se o comício era para seis pessoas ou para sessenta mil, discursando com a mesma desenvoltura. Acabou derrotado, curiosamente, por outro candidato do próprio partido, Aluísio Alves, a quem lançara jovem, pouco tempo antes, na política.

Deu a volta por cima na nova eleição para o Senado, posto que não abandonou até seu passamento, em 9 de julho de 1984. Sempre foi campeão de votos, apesar de sua última recondução pela via indireta - Senador biônico, como foi apelidado na época - ter-lhe roubado o prazer de mais uma vitória.

O capítulo de Dinarte Mariz nesta instituição parlamentar merece, por si só, destaque e reconhecimento, não fosse resultado da brilhante vida que tivera até aquele momento.

Notabilizou-se, mais uma vez, como articulador de acordos, tendo sua probidade, lealdade e firmeza ficado tão conhecidas quanto o seu apego aos valores da Pátria, da família, da solidariedade cristã, que sempre exerceu e defendeu com convicção.

Muitas vezes, acompanhou correligionários em peregrinações intermináveis pelos meandros da burocracia do governo, até ver atendidas as suas reivindicações. Aqui, aliás, é necessário incluir mais uma importante característica do Dinarte político: nunca lhe importou a orientação política daquele que pedia sua intervenção. Nesse sentido, foi um representante de todos os seus conterrâneos, puxando para si, de forma destacadamente solidária, a busca da solução para os problemas que traziam a seu conhecimento. Como resultado, Dinarte Mariz arrebanhou uma legião de fãs, que ultrapassou as fronteiras partidárias ou mesmo geográficas.

Seus gabinetes no antigo Palácio Monroe ou na moderna Brasília, assim como os escritórios de suas empresas no Rio e São Paulo, podiam ser considerados como embaixadas nordestinas, pontos de encontro dos conterrâneos longe de sua terra natal, porto seguro para os necessitados nas emergências.

Da mesma forma, foi um batalhador das causas nordestinas, por vezes relator dos assuntos relacionados à Sudene, aos créditos agrícolas para pecuaristas e produtores de açúcar, algodão e outros artigos regionais.

Prestou inestimável serviço na condução da administração da Casa, que o levou a ser sete vezes 1º Secretário da Mesa Diretora. Sua experiência administrativa, tanto no trato dos negócios públicos quanto privados, que já demonstrara em outros momentos, serviu para dinamizar e arejar a gestão do dia-a-dia. A ele é devida, entre outras coisas, a criação e expansão do parque gráfico do Senado Federal.

Ao longo da década de 1960, Dinarte demonstrou estar fortemente sintonizado com os acontecimentos, tendo, por vezes, anunciado com antecipação movimentos que se delineavam sutilmente no horizonte político. Por vezes discursou mostrando preocupação com os rumos que estava tomando o Governo João Goulart. O movimento de 1964 teve sua aprovação, uma vez que enxergou ali a oportunidade de defesa da Nação brasileira contra o oportunismo político que apontava para a quebra da ordem constituída. As reformas “na lei ou na marra” , como se disse na época, nunca foram simpáticas ao Senador, que reconhecia a justeza das solicitações, mas negava-lhes o caminho da violência, preferindo o entendimento. Da mesma forma, antecipou em pronunciamentos o paulatino fechamento do regime, a seu ver necessário para o restabelecimento da ordem e da moralidade do País.

O anticomunismo, que por vezes a imprensa apontou em Dinarte Mariz, era mais uma recusa cristã à violência, via para qual essa ideologia freqüentemente descambou em nosso País, do que um não reconhecimento da obrigação em atender as necessidades do nosso povo, obrigação de que o Senador nunca descuidou. Com igual fervor e lealdade, aconselhou por diversas vezes os governantes do período militar, tendo sido considerado um dos dez homens mais influentes na política na década de setenta. Também não era um simples porta-voz do Governo, como muitas vezes a ele se referiam. Era um líder atuante, fundador da Aliança Renovadora Nacional (Arena), após a extinção dos antigos partidos forjados em meados de 1940, e do Partido Democrático Social (PDS), no qual militou até sua morte, por acreditar na necessidade de vida partidária e do debate político, de que nunca se esquivou na condução dos negócios do Estado.

Os adversários políticos, que, por vezes, sustentaram com ele longos debates, sempre reconheceram sua lealdade e autenticidade. Falava o que acreditava ser verdadeiro; não prometia o que não pretendia cumprir; comportava-se sempre de maneira séria, honrada, coerente e dedicada. O conservadorismo nele sempre significou ideais verdadeiros, fortemente arraigados, nunca atraso, má-fé, reacionarismo ignorante ou obscurantismo. Sempre foi difícil vencê-lo no debate aberto.

Cinqüenta anos de participação ativa na vida pública; quase 30 anos de Senado, com poucas interrupções; 81 anos de uma vida exemplar. Pediu, em seu testamento político, para ser lembrado como solidário. O centenário de seu nascimento e as lembranças evocadas por vida tão intensa devem servir para dar atualidade a seus princípios éticos, que cada vez mais fazem falta aos homens públicos.

Dinarte de Medeiros Mariz foi, assim, mais do que um político, uma verdadeira vocação de estadista, demonstrando, ainda uma vez, a matéria de que feito o sertanejo, o nordestino, o verdadeiro povo brasileiro.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/2003 - Página 23514