Discurso durante a 97ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da eleição a Intelectual do ano do poeta goiano Gilberto Mendonça Teles, pela União Brasileira de Escritores. (como Lider)

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Registro da eleição a Intelectual do ano do poeta goiano Gilberto Mendonça Teles, pela União Brasileira de Escritores. (como Lider)
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2003 - Página 23617
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, GILBERTO MENDONÇA TELES, POETA, ESTADO DE GOIAS (GO), RECEBIMENTO, PREMIO, ELEIÇÃO, INTELECTUAL, ANO, ELOGIO, ATUAÇÃO, LITERATURA, EDUCAÇÃO, VITIMA, PERSEGUIÇÃO, DITADURA, REGIME MILITAR.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Como líder.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

Os rios de Goiás, além de rios

de verdade, têm peixes, bichos, lendas.

Têm várzeas e vãos e seus resfrios

no fundo dos gerais e das fazendas.

No Meia-Ponte, armei os infinitos

da minha vida e andei sobre a corrente,

pronunciando a tônica dos mitos

espalhados nas margens pela enchente.

Mas é pelo Araguaia que, banzeiro,

meu corpo se distende e se reprime:

vontade de sonhar o dia inteiro,

vontade de chorar por tanto crime.

Esses versos são do poeta Gilberto Mendonça Teles, que acaba de ser eleito Intelectual do Ano em concurso nacional da União Brasileira de Escritores, em parceria com o jornal Folha de S.Paulo. A eleição foi direta, aberta a escritores de todo o Brasil e, sem fazer campanha, sem sequer se lançar candidato, sem lobby, sem vaidade, ele obteve 85% dos votos. É um prêmio merecido, que vai para um verdadeiro mestre das letras, que já publicou cinqüenta livros, entre poemas, ensaios e co-autorias. Essas obras foram apreciadas por duzentos mil leitores e esmiuçadas por centenas de estudiosos de diversos países, que as transformaram em tese de graduação, mestrado e doutorado. São números superlativos de um pensador cuja medida não se alcança por índices nem láureas. A qualidade dos seus versos só se traduz no embevecimento da leitura. O Ministério da Cultura deveria advertir: ler Gilberto Mendonça Teles é essencial à saúde, à educação, à imaginação, ao corpo, à alma. Sobretudo, um escritor essencial. É vital deleitar-se, inquietar-se, embriagar-se dos versos de Gilberto Mendonça Teles.

Apesar dos aplausos populares e acadêmicos, o Intelectual do Ano ainda não obteve do mercado e do Poder Público o reconhecimento a que sua produção faz jus. Infelizmente, o Brasil ainda não acordou para a importância de seus artífices, notadamente os da escrita. O poeta maior Carlos Drummond de Andrade, que, aliás, era admirador e amigo de Gilberto Mendonça Teles, descobriu maravilhado que lutar com a palavra é a luta mais vã; no entanto, lutava a cada romper de manhã. A batalha contra a estultice de autoridades obtusas tem sido ainda mais cruenta. Escritor sofre. Seja o iniciante ou o experiente, a mulher ou o homem, seja um poetastro ou um Gilberto Mendonça Teles. Mesmo sendo um dos principais autores da Língua Portuguesa, ele lutou por muitas manhãs até editar seus poemas reunidos na antologia Hora Aberta, com 1.130 páginas de poemas criativos, ousados, experimentais, sonoros, nos quais inventaria ter “muito amor: cinqüenta formas distintas de amar a vida e perder-se tentando amar muito mais.”

Foi tentando amar cada vez mais a literatura que Gilberto Mendonça Teles começou ainda muito jovem a publicar livros e dar aulas. Após meio século de dedicação exclusiva e absoluta, está aposentado como professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma das categorias de servidores que o Governo quer punir para fazer caixa, porque os mestres cometeram o “pecado” de formar, conscientizar, educar. Se fosse um banqueiro, Gilberto Mendonça Teles seria recebido com tapete vermelho nos gabinetes refrigerados para comemorar o lucro bilionário no semestre em que mais de 500 mil pessoas ficaram desempregadas, milhares de lojas fecharam, os tributos arrebentaram o já estraçalhado cotidiano do profissional liberal e o servidor recebeu reforço na carga de desestímulo, no arremedo de reforma previdenciária. Mas ele não é um banqueiro, não é um especulador, não é um financista; ele é um poeta - aliás, um dos melhores poetas do Brasil.

A trajetória de Gilberto Mendonça Teles é uma saga moderna, que tem até personagens dos tempos da barbárie, inclusive os que o perseguiram na época do regime militar. Para orgulho de meu Estado, ele é goiano, nascido em 1931 na linda Bela Vista, cidade próxima ao local em que o menino Gilberto viu surgir, crescer e se solidificar a nova capital, Goiânia. Passou a infância brincando na vizinhança, deliciando-se com as jabuticabas de Hidrolândia e as goiabas de Inhumas. Começou a se destacar ainda estudante, nos colégios Ateneu Dom Bosco e Liceu de Goiânia, e nas Universidades Federal e Católica de Goiás, onde cursou Direito e Letras Neolatinas. Depois, passou a ensinar o que havia aprendido, a começar dos mesmos lugares. Primeiro, no Liceu; depois, na Universidade Católica e na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal de Goiás. O irrequieto e crítico Gilberto Mendonça agradava aos alunos, mas não aos ditadores, que fecharam o Centro de Estudos Brasileiros, por ele estruturado na UFG.

Na tentativa de escapar da ditadura, foi para a Europa estudar e semear conhecimento. Continuou seu ofício, ministrando aulas em Portugal, como professor catedrático visitante da Universidade de Lisboa; na França, nas Universidades de Rennes e Nantes; e na Universidade de Salamanca, na Espanha. Foi professor ainda na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, e no Instituto de Cultura Uruguaio-Brasileiro, de Montevidéu. É doutor em Literatura Brasileira não apenas porque fez a pós-graduação que lhe outorgou o título; seu diploma de doutorado está em cada verso. O Ato Institucional nº 5, que lhe tolheu os direitos políticos, não lhe cassou a liberdade de criar nem ofuscou seu talento. Quando voltou ao Brasil, nos anos 70, Carlos Drummond de Andrade o saudou com um poema em que dizia florescer em seu coração itabirano a admiração e a amizade ao poeta de Goiás. Drummond mostrou que “ciência e poesia em Gilberto Mendonça Teles são acordes de uma harmonia”.

Desempregado pela ditadura de seu cargo de professor na Universidade Federal, Mendonça Teles voltou a dar aulas para secundaristas, sobrevivendo às agruras impostas pelos perseguidores. O ocaso que o regime militar tentou lhe imputar foi ferido de morte pelas homenagens de outros grandes da literatura brasileira, como Abgar Renault, Alphonsus de Guimaraens, A.G. Jubé, Antônio Olinto, Assis Brasil, Cassiano Ricardo, Fábio Lucas, Ivan Junqueira, José Guilherme Merquior, Tristão de Athayde. Por que a perseguição a Gilberto Mendonça Teles? Ele não era comunista, não tinha militância partidária, não liderava nenhum movimento além daquele que ia da impressão digital à tecla da antiga Olivetti 20 em que datilografava seus textos. Era apenas poeta e professor, dois dos ofícios que mais honram e constroem honrados. Queria uma revolução, a do aprendizado; um só levante, o da cultura.

O magistério e a poesia continuaram ocupando-lhe a vida, pois nem tudo os censores lograram negar. Conseguiu emprego de professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, e até ali chegaram as garras da perseguição, que não o alcançaram novamente graças à coragem de Ormindo Viveiros de Castro, um reitor que realmente mereceu ser chamado de magnífico. A ameaça do regime era de que a PUC perderia verbas e incentivos se não demitisse o “perigoso” Gilberto Mendonça Teles. A direção da universidade, num gesto histórico, preferiu a estrela da poesia às estrelas dos generais. O reitor sabia que Gilberto era perigoso apenas para a mesmice. Verbas e incentivos para a academia eram poucos, mas Gilberto Mendonça Teles se resumia a um; grande, mas único. Depois, a União reparou o erro cometido pelo AI-5 e o readmitiu como professor da universidade federal. As discussões que ele provoca desde então se restringem a sua obra. É matéria obrigatória nos cursos de Língua e Literatura no Brasil e em outros países da América Latina e da Europa. Aos 72 anos, aposentado de duas universidades, continua na ativa como professor de outras tantas. Não sossega um dia sequer. Está sempre viajando para fazer palestras acerca de uma produção que não se encaixa em rótulos, não se fixa em gerações, não teme o novo.

De onde vem tamanho assombro, tão refinado destemor? Ele não diz, mas é da força de sua verve. Seu irmão, historiador e também escritor, José Mendonça Teles, o poeta Luiz de Aquino e tantos outros são testemunhas de fatos que fazem do Intelectual do Ano uma personalidade realmente diferente. Diversas são as narrativas e episódios em que um dos principais poetas brasileiros recita versos para homens do povo, lê poemas junto com pescadores do rio Araguaia, pois a sua literatura tem esse condão, o de ser tão profunda que gera teses de doutorado e o de ser tão simples que até os menos instruídos conseguem entender.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Estou concluindo, Sr. Presidente. Essa facilidade em transitar com uma obra de alto nível por públicos tão distintos não é novidade para quem o acompanha desde Goiás. No nosso Estado natal, então adolescente e sob o apelido de Mosquitinho Elétrico, foi rapidíssimo ponta-esquerda do Atlético Clube Goianiense, mas logo driblou o futebol e foi fazer gol de letra em outro campo. Presidiu a associação que ele mesmo transformou em União Brasileira de Escritores. A UBE de Goiás teve dois momentos marcantes em termos de estrutura: no mandato de Gilberto, quando tomou posse em seu pioneiro espaço próprio para as reuniões; e, agora, sob o comando da competente Malu Ribeiro, que inaugurou uma das mais organizadas e confortáveis sedes de entidades culturais no Brasil. Gilberto presidiu também o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, verdadeiro cérebro dos mais de dois séculos do Estado, agora dirigido com eficiência e denodo por José Mendonça Teles.

Apesar de quase quatro décadas...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - É apenas para pedir o voto de V. Exª, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Pediria que V. Exª desse como lido e publicaríamos nos Anais, porque V. Exª já está com o dobro do seu tempo esgotado e precisamos entrar na Ordem do Dia.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Farei isso, Sr. Presidente. Apenas, para concluir, um último parágrafo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sou um apreciador de Gilberto Mendonça Teles. Não pude ser seu eleitor para dar-lhe o único voto que lhe faltou para ser imortal da Academia Brasileira de Letras. São exatamente seus leitores e suas obras que o imortalizam. Nosso imortal Presidente José Sarney, um escritor que por acaso é político, não por acaso também é leitor, possível eleitor e admirador de Gilberto Mendonça Teles. Nós, de Goiás, esperamos que o Presidente José Sarney o ajude caso seja novamente candidato a uma vaga na Casa de Machado de Assis. Não haveria consagração maior para a academia que incluir em seus quadros os melhores pensadores brasileiros. Assim, Gilberto Mendonça Teles seria duplamente imortal, na Academia Brasileira de Leitores e na Academia Brasileira de Letras.

Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.

 

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SEGUE CONCLUSÃO DO DISCURSO DO SR. SENADOR DEMÓSTENES TORRES.

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O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Apesar das quase quatro décadas exilado no exterior ou morando no Rio de Janeiro, Goiás sempre foi a casa de Gilberto Mendonça Teles. Se um o homenageia em seus versos, o outro o consagra na memória de sua gente. A Academia Feminina de Letras, que também acaba de inaugurar sede própria em associação com o governo de Marconi Perillo, deu a Gilberto o título de “Príncipe dos Poetas Goianos”, eleito pelo voto direto dos que veneram a soberania de sua literatura. Mas o reinado da arte de Gilberto Mendonça Teles não está nas dezenas de prêmios, nos títulos, nas comendas internacionais, nos diplomas de honra ao mérito, nas seguidas eleições para láureas significativas. Sua majestade está em tornar mais felizes o nobre e o plebeu, o famoso e o anônimo, e todos quantos têm acesso a suas obras.

Senhor Presidente, senhores Senadores, Senhoras Senadoras, sou um apreciador de Gilberto Mendonça Teles. Não pude ser seu eleitor para dar-lhe o único voto que lhe faltou para ser imortal da Academia Brasileira de Letras. São exatamente seus leitores e suas obras que o imortalizam. Nosso imortal Presidente José Sarney, um escritor que por acaso é político, não por acaso também é leitor, eleitor e admirador de Gilberto Mendonça Teles. Nós, de Goiás, esperamos que o Presidente Sarney o ajude caso seja novamente candidato a uma vaga na Casa de Machado de Assis. Não haveria consagração maior para a academia que incluir em seus quadros os melhores pensadores brasileiros. Assim, Gilberto Mendonça Teles seria duplamente imortal, na Academia Brasileira de Leitores e na Academia Brasileira de Letras.

A vaga na ABL, a de Letras, seria uma consagração para o jovem de 72 anos. Como cantou em uma balada, “era um menino e trazia/ o mundo inteiro no olhar./ O mundo que se estendia/ sobre a terra, sobre o mar,/ pelas planícies que havia/ perdidas nalgum lugar,/ em rumos que não sabia/ mas que havia de encontrar/ num tempo que não teria/ a não ser para sonhar”. Ainda tem muito tempo para sonhar e transformar essas quimeras em poemas. Ele não ficou envaidecido de ser Intelectual do Ano com 85% dos votos nem ficará quando for eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Goiás se orgulha de ter participado da ABL com um de seus maiores gênios, Bernardo Élis, um contista magistral. O título de Intelectual do Ano já foi concedido a outra protagonista de marcantes momentos do Estado, Cora Coralina, a doce poeta cuja obra enriqueceu a Cidade de Goiás a ponto de a Organização das Nações Unidas reconhecer o lugar como Patrimônio Histórico da Humanidade. Gilberto Mendonça Teles já repetiu o feito de se eleger para o título de Cora Coralina e em breve pode também fixar-se na academia em que brilhou Bernardo Élis. A Cultura de Goiás produziu escritores do nível de Cora, Gilberto e Bernardo, como José J. Veiga, os irmãos Félix de Sousa, José Décio Filho, Rosarita Fleury, além de outros mais novos, que têm a honra de dividir o título de Intelectual do Ano. Como leitor, admirador e conterrâneo, sugiro a esta Casa que registre um voto de aplauso a Gilberto Mendonça Teles. Ele já fez muito por merecer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/2003 - Página 23617