Discurso durante a 97ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da nomeação de um índio para a presidência da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Defesa da nomeação de um índio para a presidência da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Aparteantes
Augusto Botelho, Eduardo Siqueira Campos, Jonas Pinheiro, João Capiberibe.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2003 - Página 23662
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), POSSIBILIDADE, EXONERAÇÃO, PRESIDENTE, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ALEGAÇÕES, LOBBY, SENADOR, GOVERNADOR.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), DESRESPEITO, ACUSAÇÃO, SENADOR.
  • COMENTARIO, CRISE, HISTORIA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), INEFICACIA, ASSISTENCIA, INDIO.
  • REITERAÇÃO, SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, NOMEAÇÃO, INDIO, CARGO PUBLICO, PRESIDENTE, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o jornal Folha de S.Paulo de hoje traz algumas matérias relativas à possível exoneração do Presidente da Funai. Registro esses artigos, porque entendo que é chegado o momento oportuno de o Presidente Lula fazer mudanças nos rumos que vem tomando a Funai. Em 35 anos de existência, a Funai já teve 30 Presidentes, dentre eles 27 titulares. O que está saindo é 27º.

Sr. Presidente, o que considero muito grave é que ele está saindo atirando. De acordo com o jornal, o Presidente disse que espera a exoneração desde segunda-feira. A matéria diz o seguinte:

Pressionado pelo Governo para que entregue o cargo, o jornalista e indigenista Eduardo Aguiar de Almeida, 53, afirmou hoje que deve deixar a presidência da Funai (Fundação Nacional do Índio) nos próximos dias.

E ele sai dizendo o seguinte:

O Ministro nega participação nessa decisão, tem dito que é uma questão de estilo, de desarmonização. As condições de convívio são normais. Há alguma coisa que não está sendo revelada.” Almeida afirma que as razões de sua iminente saída “são obscuras e artificiais”, mas admite que pressões dos Senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Romero Jucá (PMDB-RR) -, que presidiu o órgão de 1984 a 1987 - estariam motivando a decisão. Também estariam influenciando pressões dos governadores Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC) e Blairo Maggi (PPS-MT).

E ele faz aqui uma afirmação, Sr. Presidente, que acho no mínimo depreciativa, contra três Senadores desta Casa. Ele diz o seguinte:

A gente sabe que Romero Jucá, apesar de não ser do PFL, e ACM são tudo de uma origem só, crias do Marco Maciel, é tudo família. E o ACM não seria a primeira vez.”

Esse senhor, que não teve competência para conduzir os destinos do órgão, sai ainda fazendo declarações contra três Senadores da Casa. Fala ainda que a pressão dos índios esbarrou no orçamento do órgão, o que motivou também a sua má condução à frente do órgão.

Sr. Presidente, primeiramente, eu gostaria de fazer aqui esse registro, porque considero bastante sério que o Presidente de um órgão saia fazendo essas acusações.

Quero chamar a atenção para uma matéria que retirei do site do ISA -- Instituto Socioambiental, onde há uma página com a listagem dos Presidentes da Funai: Galeria da Crise Permanente. E lista todos os presidentes da Funai: indigenistas, sertanistas, antropólogos, advogados, militares, economistas, todos esses estão listados na página do ISA, e também na página da Funai, só que com título diferente. O título do ISA é Galeria da Crise Permanente - e com isso sou obrigado a concordar, porque verdadeiramente a Funai, desde a sua criação, tem sofrido uma crise atrás da outra, mas não muda seu modo de ser. A Funai não tem, há muito tempo, uma política direcionada de maneira correta para assistir ao índio.

Por isso, quero aproveitar esta oportunidade em que mais um Presidente da Funai sai, novamente, como diz o ISA, no auge de uma crise e atirando contra Senadores desta Casa, pedir ao Presidente Lula que aproveite este momento histórico e nomeie um índio para presidir a Funai. Até agora, entre os presidentes da Funai, houve indigenistas; aliás, eu nem sei exatamente o que é indigenista, porque desconheço a existência de um curso que forme indigenista. Ora, por que não colocar um índio? Quem melhor do que um índio entende de índio? Quem melhor do que um índio entende das peculiaridades da cultura, do modo de ser, do modo de trabalhar dos índios?

Já sugeri em outro pronunciamento e quero sugerir de novo alguns nomes. Marcos Terena, que está concluindo o curso de Mestrado, é uma pessoa que tem preparo também do lado, vamos dizer assim, não-índio. E gostaria de incluir aqui mais duas sugestões: o índio Orlando Justino, que tem sido muito competente à frente da Secretaria do Índio lá de Roraima, mostrando ser capaz de conduzir um órgão que trata da vida dos índios; e o índio e ex-vereador Jonas Marcolino, da Região da Raposa Serra do Sol, que conhece bem as peculiaridades dos seus povos e parentes e que tem preparo suficiente, pois está se formando, ano que vem, em matemática pela Universidade Federal de Roraima.

Essas são apenas três sugestões, Sr. Presidente, Srs. Senadores, mas poderíamos citar aqui dezenas de nomes de índios capazes e conhecedores da realidade dos seus povos e que poderiam pôr fim a essa interminável crise da Funai. Como mencionei antes, a Funai, em 35 anos, Senador João Capiberibe, já teve 30 Presidentes, dos quais 27 titulares, causando uma crise permanente. É a oportunidade de corrigir a crise.

Concedo, inicialmente, um aparte ao Senador Augusto Botelho, com muito prazer.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Exmº Sr. Presidente Romeu Tuma, Senador Mozarildo Cavalcanti, é uma oportunidade de o Presidente, na hora de nomear um novo Presidente da Funai, dar preferência a um índio preparado e determinar que sejam feitas conferências de discussão, principalmente entre os indígenas, que, em sua maioria, já sabem o que querem, para definir uma nova política indígena para este País. Não adianta ficar trocando, trocando e trocando o Presidente da Funai e não mudar a política indigenista aqui. Temos que fazer com que a vontade dos nossos irmãos índios seja respeitada, pois eles têm cabeça suficiente para decidirem o que quiserem. É um erro desta nossa Constituição tratar o nosso índio como um imbecil, um inválido, um incapaz. As pessoas das várias etnias podem decidir por eles. É lógico que os índios mais primitivos podem ser representados por organizações, mas os indígenas em geral podem representar seu povo e decidir a política indigenista que desejam e que rumo querem dar às suas vidas. E é preciso integrar os nossos índios, que já estão aculturados há muitos anos, no processo de desenvolvimento do País, na agricultura familiar, na agricultura com tecnologia, porque todos eles têm capacidade para isso. Então, é hora de aproveitar para não cair no erro de nomear outro Presidente, que cairá no mesmo ritmo do anterior, que é de só pensar em ampliar e criar áreas, mas não em melhorar a vida do cidadão, do nosso irmão índio. Então, eu gostaria de sugerir, também, junto a essa nomeação, que se fizesse um estudo para uma nova política indigenista com a participação dos principais interessados. Não adianta chamar “ongueiro”, antropólogo americano, suíço ou francês para fazer isso, não! Os nossos índios são cidadãos que têm vontade própria, que têm identidade e que podem defender e lutar por seus direitos. Muito obrigado!

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª e tenho o prazer de conceder um aparte ao Senador Eduardo Siqueira Campos.

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PSDB - TO) - Senador Mozarildo Cavalcanti, Líder do PPS nesta Casa, V. Exª faz um grande pronunciamento, principalmente por ter um profundo conhecimento não apenas da Amazônia Legal, mas da Amazônia como um todo. Vem de um Estado que tem relação direta com as maiores reservas indígenas e, talvez, o Estado que tenha dentro do seu território as maiores reservas indígenas do País. V. Exª é conhecedor de toda essa problemática. Fez um desagravo importante a membros integrantes desta Casa que, no meu entendimento - porque li também a matéria -, foram desrespeitados de forma infeliz por quem deixa um cargo. Deixar um cargo é inerente a quem o ocupa, ainda mais quando é um cargo de livre provimento. Por último, faço apenas um registro com o qual sei que V. Exª concordará. Dentre todos os Presidentes da Funai, todos eles com o objetivo de acertar, quero destacar alguém que morreu no exercício da função: um jovem integrante do Ministério Público do Estado de Goiás, Sulivam Silvestre. No dia 1º de fevereiro de 1999, numa das suas vindas à Brasília para solucionar um problema que alguns índios reivindicavam - exatamente quando eu, V. Exª, nós Parlamentares tomávamos posse naquele 1º de fevereiro -, ao retornar à Goiânia, no dia de posse dos Srs. Senadores, o jovem faleceu vítima de um acidente aéreo. Nesse período, os índios comemoravam como nunca pelo fato de terem uma presidência da Funai altamente identificada com seus interesses. Ele até hoje recebe homenagens dos funcionários da Funai, das comunidades indígenas e de todos aqueles que conviveram com sua breve administração. Foi um forte registro de homem público, não penas por vir do Ministério Público, mas também pela sua idade, pelo seu idealismo. Deixou seu nome marcado na história da administração da Funai, principalmente em função do lamentável acidente que lhe tirou a vida tão cedo. Faço esse registro, concordando na íntegra com o pronunciamento e as idéias que V. Exª apresenta, na certeza de que o Presidente Lula há de ouvir o importante Líder, o importante Senador do Estado de Roraima nesta Casa. Parabéns a V. Exª.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Eduardo Siqueira Campos. Quero ouvir agora, antes do Senador Jonas Pinheiro, o Senador João Capiberibe, que já havia manifestado o desejo de me apartear.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Senador Mozarildo Cavalcanti, obrigado. Eu gostaria de relatar que, quando Governador do Amapá, fizemos um programa de saúde indígena que considero muito importante. O médico responsável pela elaboração do programa e pela apresentação do orçamento, quando somou os custos, quando somou os gastos com a saúde indígena, constatou que correspondiam a dez vezes mais aos que tínhamos com o restante da população. E o parecer foi desfavorável ao projeto. Pedi a ele que diluísse os quinhentos anos de exclusão e de genocídio, pois tudo que gastarmos com os remanescentes dos povos indígenas hoje é pouco em relação aos danos provocados pela presença colonial na América. Penso que a sociedade, para ser democrática, tem de respeitar profundamente suas leis, e uma das características do autoritarismo é exatamente o desrespeito à lei. Não podemos deixar de considerar que a Constituição Federal garante o direito originário dos povos indígenas. Temos de aplicar, portanto, a Constituição Federal, de fato garantir os direitos originários e também compensá-los, porque o genocídio dos povos indígenas está encoberto. A história é escrita e contada pelos vencedores, infelizmente. V. Exª propõe a indicação de um índio, e realmente temos índios de altíssima qualificação no País. Mas o problema é escolher entre as etnias, já que essa generalização não corresponde, de maneira nenhuma, à realidade dos povos indígenas no País. Só no Amapá são oito etnias diferentes, as quais, no passado, tiveram confrontos, conflitos internos que até hoje permanecem na memória aural daqueles povos. A nossa dificuldade é imensa e por isso essa permanente mudança na Funai. Ontem, fiz uma visita ao Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a quem pedi um programa claro, definido, para os povos indígenas e, sobretudo, que não falte dinheiro. A Funai vive numa penúria total há anos. É inadmissível que nós, eurodescendentes - sou muito mais índio do que eurodescendente; sou brasileiro, essa mistura de negro, índio e europeu -, não reconheçamos isso. O Governo do Presidente Lula, que também tem sua origem entre os excluídos, teria de forçosa e imediatamente definir, com clareza, recursos para atender as populações indígenas e nada de contingenciamento. Acho que deveríamos colocar os recursos destinados aos povos indígenas em rubrica que não possa ser contingenciada. É um absurdo. Os custos da Funai não são absurdos, são pequenos, e, em geral, não há dinheiro para o combustível, para o medicamento daquelas comunidades. Era o que eu tinha a dizer. Muito obrigado.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Ouço o Senador Jonas Pinheiro, com muito prazer.

O Sr. Jonas Pinheiro (PFL - MT) - Sr. Senador Mozarildo Cavalcanti, foi muito oportuna a intervenção de V. Exª no dia de hoje. Estão nos causando um problema muito sério, sobretudo para a estabilidade do agronegócio brasileiro, alguns aspectos. Eu acrescentaria os transgênicos, as invasões, a chamada reserva legal de forma indiscriminada e o problema de expansão de reservas indígenas. No Mato Grosso, já há 15,5 milhões de hectares de áreas indígenas. Pois bem, Sr. Senador, há uns 15 dias, quase três milhões de hectares de áreas de expansão de reserva indígena estavam sendo prometidos aos índios, que nem estavam em busca dessas terras. E onde estão buscando essas expansões? Exatamente nas áreas mais produtivas, nas terras mais férteis do Estado do Mato Grosso. O Ministro da Justiça, em uma das reuniões que tivemos no Ministério, comprometeu-se com o Governador do Estado de Mato Grosso, Blairo Maggi, no sentido de que em qualquer ação de expansão de reserva indígena estaria envolvido o Estado do Mato Grosso. No entanto, isso não está acontecendo. Ontem, infelizmente, havia dois focos muito perigosos em áreas ditas indígenas. Falo das regiões de Urubu Branco, em Confresa, e de Primavera do Leste. Em Primavera do Leste, 110 mil hectares, totalmente produtivos, estão envolvidos na disputa. Ontem, 200 produtores rurais estavam em litígio com índios e funcionários da Funai. Houve até tiros, felizmente sem mortes. O problema é muito complexo. Os produtores, que estão em suas propriedades, legitimamente adquiridas, produzindo bem, não vão abrir mão dessas áreas. Mesmo os índios não precisam delas e não estão tão afoitos por elas, mas apenas foram incentivados por maus brasileiros. Muito obrigado, Senador.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Jonas Pinheiro, como quero agradecer também a participação dos Senadores Augusto Botelho, Eduardo Siqueira Campos e João Capiberibe.

Depois de 35 nomeações diferentes de não-índios para a Funai - indigenistas, antropólogos, sertanistas, economistas, advogados -, que não conseguiram mudar essa realidade, acredito que não será tão conflitante a preocupação com a etnia indígena, porque será o índio de uma etnia discutindo com outra etnia. Mais difícil, no meu entender, é um não-índio tratar com qualquer etnia indígena.

Então, repito, reitero meu apelo neste momento oportuno para que o Presidente Lula mude a história da Funai, começando pela nomeação de um índio para a sua Presidência e acolhendo a sugestão do Senador Augusto Botelho, para que se faça uma política indigenista brasileira, comandada pelos índios brasileiros e realmente voltada para o futuro dessa raça brasileira.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/2003 - Página 23662