Discurso durante a 97ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a proposta de reforma tributária.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Considerações sobre a proposta de reforma tributária.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2003 - Página 23681
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • ANALISE, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, EXAME, CONGRESSO NACIONAL, BUSCA, INCENTIVO, ATIVIDADE ECONOMICA, SIMPLIFICAÇÃO, TRIBUTOS, PROMOÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, COMPLEXIDADE, DEBATE, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), ALTERAÇÃO, ARRECADAÇÃO, ESTADOS.
  • ANALISE, CONFLITO, FEDERAÇÃO, CONCESSÃO, INCENTIVO FISCAL, EMPRESA, RESULTADO, PERDA, TRIBUTAÇÃO, APREENSÃO, REFORMA TRIBUTARIA, POSSIBILIDADE, PREJUIZO, ESTADOS, EXPORTADOR, AUSENCIA, ATENÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL.
  • DETALHAMENTO, PREVISÃO, REDUÇÃO, RECEITA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), INJUSTIÇA, FAVORECIMENTO, LOCAL, CONSUMO, APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, COMPENSAÇÃO, ESTADOS.
  • CRITICA, REFORMA TRIBUTARIA, EXTINÇÃO, FUNDO SOCIAL, FUNDO VINCULADO, RODOVIA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), ANEXAÇÃO, DOCUMENTO, EXPECTATIVA, DEBATE, SENADO.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Meu caro Senador Ney Suassuna, V. Exª manda, e não pede.

Sr. Presidente, desejo falar sobre a reforma tributária e suas conseqüências não só para o Estado de Mato Grosso do Sul, que represento nesta Casa, como para todos aqueles Estados que se caracterizam como “exportadores líquidos”.

A reforma tributária foi encaminhada ao Congresso Nacional no último dia 30 de abril. Seu principal objetivo é estimular a atividade econômica e a competitividade do País. Essa competitividade irá surgir por meio da racionalização e da simplificação dos tributos, reduzindo-se o chamado Custo Brasil.

A reforma pretende também promover a justiça social, beneficiando as pessoas de baixa renda com a desoneração de produtos mais consumidos e com a ampliação da progressividade de alguns tributos.

O Brasil tem hoje uma carga tributária equivalente a 36% do PIB, igualando-se a muitos países desenvolvidos, embora a capacidade contributiva dos brasileiros seja muito menor.

Temos hoje 54 tributos, sendo 17 impostos. O ICMS possui 44 alíquotas diferentes e, para complicar um pouco mais, os Estados praticam inúmeras isenções e deduções. Além disso, os impostos cobrados em cascata oneram a produção, com reflexos negativos nas taxas de crescimento.

Tudo isso, Srªs e Srs. Senadores, nos dá a certeza da necessidade de uma reforma tributária consistente e objetiva.

A PEC 41, encaminhada ao Congresso Nacional, apresenta mais de 60 alterações no texto básico da Constituição Federal e no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, além de adicionar ou suprimir vários outros dispositivos constitucionais. Essas medidas afetam a maioria dos impostos presentes no dia-a-dia de qualquer cidadão, como: Imposto de Renda, Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, Imposto Territorial Rural, apenas para citar alguns.

Mas, indiscutivelmente, é o ICMS o ponto mais complexo, não só do ponto de vista jurídico, como pelo seu impacto na arrecadação dos Estados.

Hoje existem 27 legislações diferentes de ICMS. É preciso ser um especialista para poder acompanhar tudo o que acontece em um País tão grande como o nosso. A complexidade é tamanha que o Brasil é um dos poucos países do mundo que contam mais de dez publicações mensais especializadas em tributos.

Com a reforma tributária, as alíquotas de ICMS seriam apenas cinco, com o argumento principal de que essa redução combateria a guerra fiscal. Apesar da vedação constitucional de concessão de incentivos relativos ao ICMS, Governos Estaduais o fazem à revelia do CONFAZ, gerando uma verdadeira competição que se convencionou chamar de guerra fiscal.

A concessão de incentivos e a retaliação geram numerosos efeitos secundários.

Com a concessão de incentivos, as finanças dos Estados concedentes tendem, no início, a ser deficitárias, resultando em uma dependência em relação ao Governo Federal, para investimentos e equilíbrio de suas contas.

Por outro lado, muitas empresas que se beneficiam dos incentivos, mudam seus objetivos originais, desviando-se de seu planejamento estratégico. Esses desvios, às vezes incorrigíveis, levam até mesmo ao encerramento de suas atividades, causando enorme prejuízo econômico e expressivas perdas sociais.

A guerra fiscal é cruel e só favorece aos Estados ricos. Estados com menor capacidade de investimento tendem a sair prejudicados na concorrência, uma vez que não podem oferecer infra-estrutura de escoamento para a produção atraída pela via dos incentivos concedidos.

Tais benefícios, que chegam a R$ 24 bilhões por ano, são questionáveis do ponto de vista da redistribuição de renda. A longo prazo, a competição entre Estados e a concessão generalizada de incentivos tendem a fazer com que as vantagens e os ganhos iniciais desapareçam, tornando-se meras renúncias fiscais com grande prejuízo para o Estado.

Outro efeito grave é a oferta de vantagens às empresas que estão se estabelecendo, em detrimento das empresas que já atuam há muito tempo no Estado. Chega-se ao absurdo de empresas estabelecidas em um Estado fecharem suas fábricas, escritórios e linhas de produção, para migrar para outro Estado, buscando incentivos semelhantes. O resultado social é desastroso.

O que queremos é uma reforma tributária inteligente, que desonere a produção e o trabalho; uma reforma que acabe com a cobrança em cascata, danosa em qualquer economia; uma reforma que, antes de tudo, preserve a arrecadação dos Estados.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os Estados “exportadores líquidos”, catorze no total, (SP, MG, PE, PR, RS, RO, SC, AM, BA, CE, ES, GO, MT e MS) são aqueles que vendem mais produtos para outros Estados do que compram. Esses irão sofrer drásticas reduções em sua arrecadação de ICMS e ficarão sem capacidade de investimento em infra-estrutura e em obras sociais.

Com um orçamento apertado e a necessidade de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, os Estados deverão participar de um fundo de compensação, que não fará parte da primeira fase da reforma.

Para alguns, o fim da diferenciação das alíquotas do ICMS seria uma excelente medida, mas prejudicará, sem dúvida, os Estados desfavorecidos geograficamente, situados em regiões distantes dos grandes centros consumidores.

Na ausência de uma política nacional de desenvolvimento que reduza desigualdades regionais, a concessão de incentivos e benefícios fiscais no ICMS tem sido o principal instrumento de desenvolvimento das regiões mais atrasadas do País.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Peço permissão ao Sr. Senador para, de acordo com o Regimento, prorrogar a sessão por mais dez minutos.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Pois não, Sr. Presidente! Muito obrigado!

Graças aos incentivos e benefícios fiscais, os Estados das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste conseguiram atrair empreendimentos privados para agregar valor às suas matérias-primas e diversificar suas economias. Ressalvados os exageros cometidos na “guerra fiscal”, a política de incentivos fiscais, voltada para a produção industrial, trouxe crescimento econômico principalmente para as regiões menos desenvolvidas.

A proposta de reforma tributária (PEC nº041/03), ressalvadas as microempresas e empresas de pequeno porte, veda expressamente toda e qualquer concessão de incentivos e benefícios fiscais vinculados ao ICMS, inclusive para a agricultura, atividade fortemente incentivada em qualquer país desenvolvido do mundo. Com essa proibição, os Estados mais atrasados, sem a logística e a infra-estrutura das regiões mais desenvolvidas e sem qualquer instrumento fiscal, terão que disputar os investimentos privados com as regiões mais ricas e competitivas do País, regiões essas que se desenvolveram graças aos fortes investimentos e incentivos federais acumulados ao longo de séculos.

De forma alternativa ao desenvolvimento, os Governadores do Centro-Oeste propuseram a criação de um fundo nacional para o desenvolvimento regional. A sugestão foi acolhida pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República e traduzida na proposta de criação do fundo na PEC nº041/03 (alínea “d” do inciso I do artigo 159). Entretanto, os recursos destinados ao fundo, pouco mais de dois bilhões/ano (2% da arrecadação de IR e IPI), são insuficientes para qualquer programa que pretenda reduzir as enormes desigualdades regionais do Brasil. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste recebem 3% do Imposto de Renda e do IPI para os fundos FNO, FNE e FCO, e o dinheiro do FCO para 2003 acabou no mês de abril.

A aprovação da reforma tributária na forma proposta impõe tratamento igual a Estados e Regiões efetivamente desiguais - aliás, muito desiguais. O resultado será uma maior concentração econômica nas Regiões Sul e Sudeste e estagnação no desenvolvimento das demais regiões.

Entre as Unidades da Federação, o Estado de Mato Grosso do Sul é um dos que mais perderá receita com a reforma tributária. Várias são as alterações propostas que afetam diretamente a receita do Estado.

A aplicação da menor alíquota para os gêneros alimentícios de primeira necessidade reduzirá o ICMS das vendas interestaduais de carne, óleo de soja, farinha, macarrão, arroz, feijão e outros itens produzidos em Mato Grosso do Sul, de 12% para algo em torno de 4%. Ou seja, não apenas Mato Grosso do Sul, mas também todos os Estados produtores de alimentos básicos passarão a financiar o consumo dos grandes Estados consumidores.

            Atualmente todos estados têm redução interna no ICMS da cesta básica, mas nas operações interestaduais a tributação é normal. Por exemplo: o óleo de soja sai de Mato Grosso do Sul com alíquota de 12%; em São Paulo, como está na cesta básica, ele é tributado em 7%; assim, São Paulo não arrecada nada do óleo de soja e ainda suporta parte do crédito de Mato Grosso do Sul. Com o sistema proposto o óleo já sairá de Mato Grosso do Sul com a mesma alíquota final do produto (cerca de 4%) e o Estado de São Paulo que não arrecadava nada passará a tributar o valor agregado em seu comércio. Em resumo, o Estado produtor reduzirá dois terços de seu imposto para beneficiar o consumo no Estado de destino.

Outro momento importante de perda de receita para Mato Grosso do Sul será na uniformização das alíquotas. Atualmente, Mato Grosso do Sul pratica alíquotas de 17% no óleo diesel; se a uniformização se der em 12%, Mato Grosso do Sul perderá R$90 milhões/ano. No caso do serviço de comunicação, Mato Grosso do Sul pratica alíquota de 27%; se for uniformizada em 25%, o Estado perderá mais de R$22 milhões/ano.

A perda mais severa pode ocorrer na importação do gás natural, pois na substitutiva preliminar do Relator está sendo criado o princípio de destino na importação, ou seja, o ICMS caberá ao Estado de destinação da mercadoria, independentemente da localização do importado. Mantida essa proposta, Mato Grosso do Sul perderá mais de R$ 190 milhões/ano e outros Estados importadores, como o Espírito Santo, por exemplo, também perdem muito.

Além desses pontos, Mato Grosso do Sul perderá receita pelo aumento dos créditos dos insumos agropecuários, implementos e máquinas agrícolas e equipamentos e máquinas industriais, todos atualmente tributados com redução para 2,8%, 4,1% e 5,1% respectivamente, mas que, se depender do interesse dos Estados que produzem esses bens, sofrerão aumento em sua tributação.

Vou concluir, Sr. Presidente. Somados todos os efeitos negativos na receita, Mato Grosso do Sul perderá mais de R$ 400 milhões/ano, ou aproximadamente 25% da sua arrecadação do ICMS.

Permitam-me, Srªs e Srs. Senadores, identificar algumas soluções que podem ser adotadas para atenuar as perdas de receita de Mato Grosso do Sul:

a)     Com relação às perdas decorrentes da aplicação da menor alíquota para a cesta básica, é necessário criar um fundo de compensação para os Estados produtores;

b)     Com relação à uniformização das alíquotas, é necessário deixar permanente a banda de aumento de alíquotas internas em até 5% e não provisória por três anos, como consta da versão do relator;

c)     c) Quanto às importações, não há motivo para tratar de forma diferenciada a repartição de receita do produto nacional e do produto importado. Se no produto nacional a tributação é mista (parte origem, parte destino), no produto importado deve-se adotar o mesmo sistema;

d)     d) A solução para insumos agropecuários é incluí-los na menor alíquota de ICMS; para os bens de capital é aplicar a não-incidência do imposto, o que beneficiaria muito o setor produtivo e o investimento no País.

Outro ponto que merece destaque diz respeito aos fundos estaduais. Juntamente com os incentivos fiscais, Mato Grosso do Sul perde o seu principal fundo, o Fundo de Investimento Social - FIS, um investimento aprovado pela Assembléia Legislativa do meu Estado. Com esse fundo, que funciona de forma semelhante aos fundos da cultura, Mato Grosso do Sul realiza seus principais programas sociais como Bolsa-Escola, Segurança Alimentar e outros. Na forma proposta no substitutivo do Relator, os fundos vinculados à cultura foram preservados, mas os fundos sociais ficam extintos.

Além do fundo social, Mato Grosso do Sul tem um fundo rodoviário, denominado Fundersul, financiado por recolhimentos dos produtores rurais que utilizam o diferimento do ICMS. Esse é um fato inovador, Sr. Presidente. Com isso, recuperamos todas as estradas vicinais, as estradas que atendem os produtores para escoamento da nossa produção. Com a restrição total do legislador estadual, os Estados perderão autonomia para estabelecer regras específicas de controle e arrecadação. Só com a extinção do Fundersul, que está salvando os nossos produtores em Mato Grosso do Sul, o meu Estado perderá mais de R$89 milhões por ano.

A solução para os fundos estaduais seria ressalvar os fundos vinculados aos programas sociais e ao esporte, semelhantemente à ressalva dos fundos vinculados à cultura, e dar um mínimo de liberdade para as legislações estaduais estabelecerem regras e normas para o imposto dos Estados.

As perdas de Mato Grosso do Sul estão detalhadas nos quadros que faço anexar a este pronunciamento, que demonstram a complexidade da matéria.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta Casa representa igualitariamente os Estados da Federação. É, portanto, o fórum mais adequado para discussão dos interesses dos Estados Membros. Estou certo de que o aprofundamento da análise da reforma tributária nesta Casa indicará os caminhos que melhor contemplem os objetivos da reforma, em sintonia com a realidade e as especificidades das diversas regiões deste grande País.

Era o que eu tinha a dizer.

Peço a inclusão de anexos ao meu discurso. Quero agradecer a paciência ao Sr. Presidente, pelo adiantado da hora e por V. Exª ter me dado essa oportunidade.

Muito obrigado.

 

***************************************************************************

DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SENADOR DELCÍDIO AMARAL EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

*******************************************************************


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/2003 - Página 23681