Discurso durante a 98ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da construção de uma adutora no rio São Francisco para o agreste meridional de Pernambuco. Apagão ocorrido ontem nos Estados Unidos e Canadá.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. ENERGIA ELETRICA.:
  • Defesa da construção de uma adutora no rio São Francisco para o agreste meridional de Pernambuco. Apagão ocorrido ontem nos Estados Unidos e Canadá.
Publicação
Publicação no DSF de 16/08/2003 - Página 23927
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, CRISE, ABASTECIMENTO DE AGUA, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), NECESSIDADE, URGENCIA, APROVEITAMENTO, RIO SÃO FRANCISCO, CRITICA, PROJETO, GOVERNO FEDERAL, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, AUSENCIA, PLANO, ENGENHARIA, RECURSOS, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, REGIÃO NORDESTE, PROMESSA, OBRA PUBLICA.
  • DEFESA, CONSTRUÇÃO, ADUTORA, RIO SÃO FRANCISCO, BENEFICIO, INTERIOR, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), PRIORIDADE, ABASTECIMENTO, POPULAÇÃO, REGISTRO, DADOS, BACIA HIDROGRAFICA, REGIÃO, EXISTENCIA, APROVEITAMENTO, ELOGIO, PROJETO, CONTRIBUIÇÃO, SOCIEDADE CIVIL, EXPECTATIVA, ATENÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • COMENTARIO, BLOQUEIO, ABASTECIMENTO, ENERGIA ELETRICA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), COMPARAÇÃO, SISTEMA ELETRICO, BRASIL.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Estado de Pernambuco foi assolado por uma crise de abastecimento de água nunca antes sentida na magnitude que se apresentou desta vez. Não escaparam da crise nem áreas consideradas como excelentes do ponto de vista de reservas hídricas. O aproveitamento das águas do rio São Francisco surge como única alternativa capaz de resolver a atual situação. Não há um aproveitamento dimensionado na forma de megaprojetos, como o da transposição conjunta de águas do Tocantins para o São Francisco e do São Francisco para perenizar rios temporários do semi-árido do Nordeste. As soluções que se apresentam são de natureza mais simples, de orçamento modesto, e, principalmente, já têm sua eficácia comprovada pelo decorrer dos anos - nada que lembre os superprojetos sonhados pelo atual Governo.

Inclusive, Sr. Presidente, toda a mídia está noticiando que o Presidente Lula anunciou, ontem, a possibilidade da transposição do rio São Francisco para esses rios temporários do semi-árido, conforme projeto que já vem sendo discutido, há anos e anos, no Congresso e no Brasil inteiro.

Esse projeto custa em torno de US$6 bilhões. Verificamos, no entanto, que esse projeto se revela, para os nordestinos, uma enganação, Senador Efraim Morais. O projeto anunciado pelo Governo não conta, na verdade, com um plano de engenharia. Portanto, esse projeto não tem início nunca.

Ontem, quando da discussão do PPA, vimos que não há recursos ou que os recursos existentes não são nem aplicados nos projetos que já estão em andamento. Cito o exemplo da Cide. Estou vendo a Senadora Serys Slhessarenko, que aqui se tem dedicado, entre outras coisas, à questão da utilização dos recursos da Cide, os quais foram arrecadados com a principal finalidade de construir ou de recuperar as estradas brasileiras. Porém, as estradas estão acabadas. O Governo está guardando os recursos da Cide para aumentar o superávit primário, de acordo com os compromissos assumidos com o FMI - aliás, está indo além dos compromissos assumidos com o FMI -, e, contrariamente a isso, anuncia para o Nordeste um programa de US$6 bilhões, o equivalente a R$18 bilhões. Sabemos que não existe esse montante.

Assim, não adianta mais os nordestinos se enganarem com essas coisas. Queremos, sim, soluções simples, objetivas, práticas, para as quais haja recursos.

Vou defender, hoje, aqui, a construção de uma adutora no rio São Francisco, que vai prestar um serviço muito grande a uma grande parte da população do agreste meridional, do agreste de Pernambuco, e que pode ser realizada com um mínimo de esforço.

A construção de adutoras destinadas, prioritariamente, ao abastecimento humano é a única opção factível. Mais que criticar o projeto do atual Governo, busco neste pronunciamento sugerir uma alternativa para vencermos a atual crise.

O semi-árido abrange cerca de 88% de Pernambuco, onde chove entre 400 mm a 800 mm por ano, o que não é baixo. Porém temos um índice de evaporação altíssimo, entre 2000 a 3000 mm³/ano, o que, aliado à irregularidade das chuvas, interfere diretamente na disponibilidade para o consumo. Quase todos os rios são intermitentes, secam no verão, e a maior parte do subsolo é formado por rochas cristalinas, tornando a oferta de água subterrânea escassa e, muitas vezes, de alta salinidade.

Desde 1984, Pernambuco iniciou o aproveitamento do rio São Francisco, como manancial de escolha (quantidade e qualidade) para o consumo humano, não apenas nas comunidades ribeirinhas, mas, com a construção de adutoras, para oferta de água a localidades distantes. A adutora do Salgueiro, que foi construída nessa época, com uma capacidade de 300 l/s - não sei se todos sabem, mas a capacidade média do São Francisco é de 2.000 m³/s; um metro cúbico são mil litros, e, então, 300 litros correspondem a um terço de um metro cúbico, não interferindo, portanto, na vazão do rio para suas outras utilidades - e uma extensão de 200 km, capta água no Município de Cabrobó, que é um Município ribeirinho, e atende, sem intermitência, uma população estimada em 70 mil habitantes, nos Municípios de Cabrobó, Salgueiro, Serrita, Parnamirim e Verdejante, entre outros.

Em 2001, a União, em parceria com o governo de Pernambuco, iniciou a operação do ramal principal de outra adutora, chamada Sistema Adutor do Oeste, que, a partir de Orocó, outro Município ribeirinho, já leva água às localidades de Ouricuri, Bodocó, Trindade, Morais, Araripina e Ipubi, com 157 quilômetros de adutora. O Araripe conta hoje com uma oferta permanente de 480 l/s, que atende uma população de 270 mil habitantes e que não está sujeita a fenômenos meteorológicos, como o El Niño, nem a secas periódicas.

Já os moradores do Agreste Meridional e do Alto Agreste Setentrional estão passando por um severo racionamento no fornecimento de água potável. Justamente ali, Sr. Presidente, onde ficam localizadas as nascentes dos principais rios do agreste, três deles, o rio Ipanema, o rio Ipojuca e o rio Canhoto, possuem barragens-mãe localizadas próximas às suas nascentes. Tenho informações de que projetos para torná-los perenes já existem. O quarto deles, o rio Una, que corta grande parte do agreste, tem nas suas águas séria restrição ao uso direto para consumo humano. Ora, se as águas desse rio não são de boa qualidade, podem muito bem ser direcionadas para uso compatível com suas características. Se fossem destinadas à irrigação para a formação de forrageiras, por exemplo, poderiam mudar a face da pecuária do agreste. O mesmo destino poderia ser dado às águas dos chamados rios de médio porte, como o Cordeiro, o Garanhunzinho e os riachos da Chata e Jurubeba, nos quais já foram construídos pequenos barramentos.

Por usa vez, há rios que possuem água de boa qualidade. No curso do rio Bituri, foi construída uma barragem para acumulação de água destinada ao abastecimento de sete cidades localizadas no seu entorno. As águas do riacho do Taquari, também de boa qualidade, abastecem a sede do Município de Garanhuns, o Município de São João e o Distrito de São Pedro. Outros rios de água boa, como Mundaú e o Paraíba, só ficam perenes, praticamente, fora dos limites de Pernambuco. Já existe um projeto de construção de uma barragem para acumulação de água do rio Mundaú, que viria reforçar o sistema de abastecimento que hoje atende à sede do Município de Garanhuns e entorno.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o povo pernambucano do agreste não está mais agüentando viver nessa penúria de água. A água potável só chega nos carros-pipa. É cara e escassa. Os sistemas de abastecimento nas cidades das regiões do Agreste Meridional e do Agreste Central estão operando em situação de extrema precariedade, quase à beira de um colapso. O racionamento é severo. As cidades dispõem de sistema de abastecimento, mas a água não chega, para que ele funcione. A seca que vem castigando o Nordeste brasileiro nos últimos dois anos poderá ocasionar um verdadeiro caos no já precário sistema de abastecimento de água dessas regiões.

O Agreste Meridional, com uma população de 600 mil habitantes, apresenta um dos piores indicadores sociais do Estado e sofre sistematicamente os efeitos das estiagens. É urgente que se apresentem soluções para tão grave problema, soluções que garantam uma oferta permanente de água por meio de uma adutora a partir do rio São Francisco.

Com tal intuito, acabo de receber, do Sr. Pedro Jorge Silvestre Valença, importante liderança do Agreste pernambucano, uma proposta de solução para o problema do abastecimento de água dessa região assolada pela seca. A proposta consiste no uso controlado das águas de boa qualidade reservadas nas barragens existentes associado à implantação de uma adutora para captação de água do rio São Francisco - portanto, seria a terceira adutora a utilizar as águas do rio São Francisco em Pernambuco - e sua distribuição para o Agreste Meridional e parte do Agreste Central. Tal obra viria a beneficiar, diretamente, mais de meio milhão de pessoas.

A concepção da Adutora do Agreste Meridional data de 1999, tendo recebido relevante contribuição de lideranças políticas e técnicos da região, até chegar a sua forma final. O projeto foi ainda amadurecido numa série de reuniões com segmentos representativos da população do Agreste Meridional - todos fortemente envolvidos na definição mais indicada para resolver a grave situação social da região.

O Sistema Adutor do Agreste Meridional, que terá captação a jusante de Itaparica, na localidade de Jatobá, poderá atender 24 localidades, numa extensão de 447 quilômetros e disponibilizará 1000 l/s, portanto, 1m³, a um custo estimado de R$288 milhões. Portanto, se comparamos o custo dessa adutora com o da transposição do rio São Francisco, por exemplo, que é de R$20 bilhões, mas envolve outras questões além do custo, verificamos qual sistema deve ser efetivamente priorizado. Essa nova adutora poderá também ser interligada a outros sistemas já existentes, reforçando a oferta em 300 l/s. A obra irá contribuir fortemente para o desenvolvimento econômico da região e melhoria dos indicadores sociais, com impacto direto na saúde pública. Dezenove Municípios pernambucanos seriam diretamente beneficiados com a implantação da adutora, onde residem mais de 600 mil pessoas, como eu já disse, e onde foi registrada a existência de mais de 140 mil domicílios.

Essa captação de água do rio São Francisco é extremamente importante como fonte de suprimento para o agreste meridional, particularmente nos períodos em que as barragens da região registram decréscimo nos seus níveis de acumulação - de outubro a fevereiro - períodos esses que coincidem exatamente com as cheias do São Francisco, quando existe água em abundância. É evidente que isso está sendo dito, mas essa quantidade de água que seria retirada é mínima em relação à capacidade do rio. 

Sabemos todos das dificuldades financeiras que estão impondo cada vez maior seletividade aos gastos públicos, determinando, por meio de um rigoroso cálculo de custo/beneficio, quando e quanto as torneiras do setor público podem se abrir. No caso em apreço, contudo, é preciso considerar que mais de 600 mil pessoas do agreste pernambucano estão sofrendo na carne o flagelo da seca, a escassez do racionamento, o alto preço da água dos carros-pipa!

Temos de pensar numa solução para o problema que essas pessoas estão enfrentando, problema que se antepõe diante da realização das tarefas mais triviais do dia-a-dia! Regularizar o abastecimento de água potável a mais de meio milhão de pessoas é um benefício social que deixaria qualquer governante orgulhoso de tê-lo feito! Mais ainda se esse governante é de origem nordestina.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eis aí uma proposta prática e exeqüível para resolver o problema do abastecimento de água no Agreste. A implantação da Adutora do Agreste Meridional depende única e exclusivamente de vontade política e responsabilidade social desse governo que, contraditório em suas atitudes, impõe ao País uma recessão nunca vista e, ao mesmo tempo, acena para a população nordestina com o projeto mirabolante de transposição das águas do São Francisco que, segundo seus próprios cálculos, atingirá a cifra divulgada hoje de cerca de US$6 bilhões, ou seja, R$18 bilhões.

A implantação de um sistema de adutoras terá um custo muito menor, algo em torno de 1%, e resolverá o problema rápida e definitivamente em todo o Agreste Meridional, inclusive no Município de Caetés, onde nasceu o pernambucano Luiz Inácio da Silva. Espero que o hoje Lula lembre-se de que um dia foi Luiz Inácio e que a população de Caetés precisa de água e não de sonhos.

Sr. Presidente, como ainda disponho de algum tempo, quero abordar outro assunto, a notícia publicada no jornal O Globo, de hoje: “Apagão pára Nova York e espalha o medo”. Ontem, o sistema de energia elétrica de Nova Iorque e de toda a região leste dos Estados Unidos, inclusive de algumas cidades do Canadá, por um defeito na sua rede de transmissão, caiu, provocando um apagão na cidade mais rica do mundo.

Gostaria de falar sobre esse assunto, porque isso tem acontecido com o nosso sistema, principalmente no Sudeste. E, nesses momentos, muitas pessoas aproveitam para falar mal do sistema elétrico, da forma de trabalho dos funcionários do setor, da Agência, do Ministério, dos técnicos, como se fosse um fato que não pudesse ocorrer. É evidente que a queda do sistema elétrico deve ser um caso de exceção rigorosa. Mas, como vemos, mesmo no país mais rico do mundo, mesmo na cidade mais rica do mundo, mesmo na região mais rica do mundo, o sistema elétrico pode falhar, provocando um apagão com conseqüências catastróficas. V. Exªs não imaginam o que é um apagão numa cidade como Nova Iorque, que tem prédios de mais de cem andares!

Registro esse fato não para dizer que devemos nos descuidar do funcionamento do nosso sistema, mas para que, se algum dia isso acontecer no Brasil, procuremos analisar o problema de forma técnica e compreender exatamente aquilo que aconteceu, sem nos aproveitarmos do momento para desprestigiar, para falar mal, para culpar pessoas, pois, na realidade, muitas vezes se trata de uma questão técnica.

No caso de Nova Iorque os técnicos estão dizendo que a primeira idéia é que um raio desligou uma parcela do sistema em uma usina que fica nas Cataratas do Niágara, no Canadá e, ao atingir o sistema, desligou uma parte da rede. Como isso aconteceu em uma hora de pique de consumo de energia elétrica, como a rede estava toda em uso, o sistema entrou em colapso. Isso aconteceu aqui duas vezes, nos últimos cinco anos, no Sudeste. O que acontece é que o sistema entra em colapso e sai caindo, como um dominó, como uma carta de baralho, um sistema empurrando os demais.

Cito esse fato para mostrar que o nosso sistema elétrico nos permitiria enfrentar isso de maneira tranqüila. No Sudeste existe uma deficiência específica na parte de transmissão, que aumenta a probabilidade de que aconteçam essas falhas. No Nordeste, não. Lá o sistema foi construído de forma integrada, uma única empresa, a Chesf, construiu todo o sistema, enquanto que no Sudeste uma parte foi feita pela Chesf, outra parte por Furnas, outra parte pela empresa do Paraná, outras do Rio Grande do Sul e assim por diante. Mas se houver um caso como esse no Brasil - e esperamos que não aconteça mais -será possível enfrentar o problema de maneira fria, tranqüila e técnica.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/08/2003 - Página 23927