Discurso durante a 103ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Irregularidades na malha ferroviária do Nordeste, hoje sob concessão da Companhia Ferroviária do Nordeste - CFN.

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Irregularidades na malha ferroviária do Nordeste, hoje sob concessão da Companhia Ferroviária do Nordeste - CFN.
Aparteantes
Maguito Vilela.
Publicação
Publicação no DSF de 23/08/2003 - Página 24856
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • LEITURA, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO COMMERCIO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), DOCUMENTO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), DENUNCIA, IRREGULARIDADE, ATUAÇÃO, EMPRESA DE TRANSPORTE FERROVIARIO, REGIÃO NORDESTE, ESPECIFICAÇÃO, FALTA, INVESTIMENTO, AMPLIAÇÃO, RECUPERAÇÃO, FERROVIA, ABANDONO, INSUFICIENCIA, MÃO DE OBRA, MANUTENÇÃO, SERVIÇO, DESRESPEITO, OBRIGAÇÃO, NATUREZA CONTRATUAL, PREJUIZO, ECONOMIA, REGIÃO, AUMENTO, CUSTO, TRANSPORTE.
  • NECESSIDADE, APURAÇÃO, IRREGULARIDADE, EMPRESA DE TRANSPORTE FERROVIARIO, POSSIBILIDADE, INSTAURAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), SOLICITAÇÃO, COMPARECIMENTO, RESPONSAVEL, EMPRESA, COMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE, COMISSÃO DE SERVIÇOS DE INFRAESTRUTURA, ESCLARECIMENTOS, SITUAÇÃO.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Luiz Otávio, Srªs e Srs. Senadores, ocupo hoje a tribuna para fazer uma denúncia que merece, sem dúvida, a atenção do Parlamento, do Presidente da República e dos órgãos de controle da Administração Federal. Venho, Sr. Presidente, trazer ao conhecimento do País as gravíssimas irregularidades que ocorreram e que ocorrem na malha ferroviária do Nordeste, hoje sob concessão da Companhia Ferroviária do Nordeste.

A CFN obteve a concessão da Malha Nordeste, pertencente à Rede Ferroviária Federal, num leilão realizado em 18 de julho de 1997. A empresa iniciou a operação dos serviços públicos de transporte ferroviário de cargas em 1º de janeiro de 1998. A área abrangida pela ferrovia engloba os Estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Bahia, que se liga com Minas Gerais. Como pontos de interconexão com portos, temos Itaqui, no Maranhão; Mucuripe, no Ceará; Recife e Suape, em Pernambuco; Natal, no Rio Grande do Norte; Cabedelo, na Paraíba; Aracaju, em Sergipe; Salvador, na Bahia; e Jaraguá, em Alagoas. São mais de 4.500 quilômetros de via férrea, o que dá uma boa dimensão da importância socioeconômica dessa malha ferroviária.

Atualmente, a Companhia Ferroviária do Nordeste opera com os seguintes acionistas: Taquari Participações, 30%; Companhia Vale do Rio Doce, 30%; Companhia Siderúrgica Nacional, 30%; empregados e outros acionistas, 9%. É importante registrar, Sr. Presidente, que está em andamento alteração nesse modelo societário, de maneira que a Companhia Vale do Rio Doce poderá transferir sua cota para a CSN e para a Taquari, até, evidentemente, onde sabemos. Essa operação envolverá recursos da ordem de R$20 milhões.

Em que pese alguns passivos financeiros da Rede Ferroviária, que dificultavam a atuação do Governo Federal na prestação de serviços e na geração de novos investimentos, não é correto afirmar que a empresa concessionária da Malha Ferroviária do Nordeste, a CFN, tenha herdado um “abacaxi” do Estado.

Peço a atenção das Srªs e dos Srs. Senadores para trecho de artigo publicado pela Revista do BNDES, de dezembro de 1997, acerca do processo de privatização da malha ferroviária do Nordeste:

Para tornar a Malha Nordeste atrativa à iniciativa privada e com valor econômico positivo, a solução obtida pela RFFSA foi a renegociação com o Banco Mundial, de créditos ainda não utilizados daquele financiamento. Esse fato criou a oportunidade para o desenvolvimento, pela equipe técnica da empresa, do chamado ‘Projeto Nordeste’, que visou à recuperação do material de tração, modernização do sistema de telecomunicações e licenciamento e melhoria da via permanente. O Projeto Nordeste foi operacionalizado com recursos provenientes do referido financiamento, não importando, em conseqüência, em ônus para a futura concessionária.

Causa-nos estranheza, entretanto, Sr. Presidente, o fato de, na atualidade, estarmos nos confrontando com um verdadeiro abandono do patrimônio da Malha Ferroviária do Nordeste e com uma prestação de serviços muito aquém do esperado pelos usuários da região.

Já em 2001, o Jornal do Commercio, do Recife, chamava a atenção para esses desmandos, cujas conseqüências negativas na economia resultavam em números grandiosos. Passo a ler trecho de matéria daquele matutino, de setembro de 2001:

A falta de conexão da ferrovia do Nordeste com outras regiões e Estados está deixando a região menos competitiva. Somente a fábrica da Rhodia do Cabo de Santo Agostinho (PE) está arcando com um custo extra de US$2 milhões, por ano, devido à transferência do transporte de 60 mil toneladas de matéria-prima que vinham pela linha férrea do Sudeste para a fábrica pernambucana.

Em extenso trabalho, em abril de 2003, elaborado por técnicos da antiga Rede Ferroviária Federal S/A, denominada “De Volta aos Trilhos”, foram apontadas várias irregularidades que passo a narrar. Diz o citado documento:

A Companhia Ferroviária do Nordeste vem realizando investimentos insignificantes, quer seja na manutenção dos bens arrendados, quer seja na aquisição e melhoria de sua frota ou via férrea, muito menos na qualificação de pessoal;

A CFN não vem honrando seus compromissos de pagamentos trimestrais. Há pelo menos dois trimestres, relata o trabalho, os pagamentos não são feitos ao Ministério dos Transportes e à Rede Ferroviária Federal S/A;

Foi verificado o desaparecimento de 58 quilômetros de trilhos e 41 quilômetros de dormentes na linha férrea, entre Recife e Salgueiro, com prejuízos acima de R$1 milhão aos cofres públicos;

Além disso, houve o desaparecimento da totalidade dos bens do ramal ferroviário da Usina Santa Helena (PE) e 47% dos bens do Ramal Barreiros (PE);

As invasões, depredações e a venda de boa parte dos imóveis são fatos corriqueiros em várias estações e vilas ferroviárias;

Desde agosto de 2000, portanto, há três anos, o tráfego entre o Nordeste e todo o Sul do País está interrompido na altura do Município de Palmares (PE), devido às fortes chuvas ocorridas naquele período.

Cauteloso no tratamento do tema e desejando manter o debate no nível da imparcialidade, cuidei de verificar a procedência dessas informações. A propósito, Srªs e Srs. Senadores, ouçam o que pude atestar em peças processuais obtidas no Tribunal de Contas da União. A fala que se segue é leitura integral dos documentos do TCU:

Há trechos em mau estado de conservação, conforme relatório do Poder Concedente e da RFFSA, sendo tal situação confirmada em entrevistas realizadas durante a execução da auditoria. De toda a malha concedida à CFN, os trechos Itabaiana/Macau e Recife/Salgueiro estão com tráfego suspenso, por falta de viabilidade econômica, sob o ponto de vista dos técnicos da CFN. O trecho Recife/Propiá encontra-se com o tráfego interrompido devido às fortes chuvas que castigaram os Estados de Alagoas e Pernambuco, em meados do ano de 2000, destruindo parte da infra e superestrutura da via permanente existente na região.

No tocante à segurança do transporte ferroviário do Nordeste, a Corte de Contas assim se posicionou, revelando a falta de manutenção pela empresa concessionária como principal responsável pelos acidentes. Diz o relatório:

(...) a principal causa de acidentes tem sido o mau estado da via permanente, representando 60% do total registrado; o material rodante responde por 25%, e outras causas (vandalismo, operação, queda de barreira, chuva), por 15%.

Ouçam agora o que diz o Tribunal de Contas da União quanto ao cumprimento das metas contratuais pela empresa concessionária, a CFN. Verão as Srªs e os Srs. Senadores que a concessionária tem apresentado desempenho inferior ao da sua antecessora, a RFFSA.

Ouçam com absoluta atenção as informações do Tribunal de Contas da União:

Durante os cinco primeiros anos de concessão, a CFN não logrou cumprir as metas de produção e de segurança operacional estabelecidas no contrato de concessão. Comparando a produção realizada pela RFFSA nos cinco anos antes da desestatização com a produção da CFN nos quatro primeiros anos de concessão, verifica-se que a empresa privada não conseguiu alcançar o nível médio produzido pela estatal, mesmo com os problemas enfrentados por esta (...)

Do ponto de vista das cláusulas contratuais, penso que, a bem do interesse público, há a necessidade de aditamento ao contrato de concessão de forma a se incluir dispositivo que preveja punições e penas nas hipóteses de descumprimento do pacto feito entre Poder Concedente e a Companhia Ferroviária do Nordeste. Tal previsão não há, conforme aponta o Tribunal de Contas da União, em relatório cujo texto novamente passo a citar:

No que se refere ao descumprimento das metas contratuais por parte das concessionárias do serviço de transporte ferroviário de carga, a questão foi analisada no TC 003.835/2001-1, em que se abordou a inexistência de penalidades específicas para o não-cumprimento de metas de produção e de segurança operacional (...)

Como se observa, as opiniões e pareceres caminham num mesmo sentido. A grave situação em que se encontra a malha ferroviária do Nordeste, aliada às irregularidades acima identificadas, são evidências comuns na visão dos antigos técnicos da Rede Ferroviária Federal S/A, das auditorias do Tribunal de Contas da União e das matérias trazidas pela própria imprensa.

Não creio que o Senado Federal e o Poder Executivo venham dar tratamento menor aos fatos que aqui elenco. Pelo contrário! As irregularidades aqui denunciadas, por si só, denotam a necessidade de uma investigação mais profunda, talvez mesmo requeiram a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Tais fatos desafiam a moralidade administrativa, princípio consagrado pela nossa Carta Política. O caso é sério porque acaba por implicar na elevação dos custos de transporte dos produtos do Nordeste, fenômeno oposto ao desejado pelas atuais políticas estruturantes do Governo Federal.

Não esqueçam as Srªs Senadoras e os Srs. Senadores que, a se perpetuar a situação atual, corre-se o risco de a União, em breve, ter de reestatizar aquela malha ferroviária, o que representaria novos custos para o Governo Federal. E esse risco, Sr. Presidente, é mais preocupante quando se discute a necessidade de injeção de recursos públicos para a construção da ferrovia Transnordestina, que é muito importante, que precisa começar logo, mas não antes que se restaure preliminarmente a ferrovia existente na Região.

Em Alagoas, o trecho de ferrovia compreende um total de 388 quilômetros, sendo 356 quilômetros administrados pela Companhia Ferroviária do Nordeste, com o transporte de cargas privatizado. Esses 356 quilômetros de ferrovia operados pela Companhia Ferroviária do Nordeste estão paralisados desde agosto de 2000 - pasmem V. Exªs! Do total, cerca de 110 quilômetros estão invadidos por mato e o restante, destruído, sem lastros, pontes e trilhos. Os outros 32 quilômetros urbanos são administrados pela CBTU/Maceió, com o transporte de passageiros - esse trecho em operação normal, já que conseguimos, junto ao Governo Federal passado, recursos para a recuperação de vagões, aquisição de equipamentos fundamentais à atualização e modernização do trecho administrado - e muito bem - pela CBTU.

Desde agosto de 2002, a Companhia Ferroviária do Nordeste retirou de nosso Estado todas as suas locomotivas, vagões, pessoal e - pior - vendeu quase a totalidade das estações. Para se ter uma idéia, numa situação normal de operação, só com a manutenção da via férrea, seriam necessários 400 homens. Hoje, apenas dez pessoas estão trabalhando. Pelo porto de Jaraguá, Alagoas, escoava 30% do açúcar produzido em Pernambuco e grande parte do açúcar produzido em Minas Gerais. Tudo isso, sem falar na produção alagoana de álcool, açúcar, uréia, potássio, produtos cerâmicos, cimento, soda cáustica e muitos outros. Atualmente, Alagoas está ilhada, fora desse mercado - um crime praticado contra um dos Estados mais pobres da Federação.

Conclusão, Sr. Presidente: o que a Rede Ferroviária Federal levou 50 anos para construir, a Companhia Ferroviária do Nordeste precisou de apenas dois anos e meio para desmontar. A privatização destruiu um patrimônio considerável de leitos de ferrovia e de máquinas em Alagoas e em todo o Nordeste. Hoje, a Companhia Ferroviária do Nordeste está inadimplente com as prestações e nunca cumpriu as metas estabelecidas na privatização de investimentos, conservação, diminuição de acidentes e revisão de locomotivas.

Indago aos presentes: onde estão, portanto, os instrumentos jurídicos à disposição da União Federal para prevenir e corrigir essas distorções legais e operacionais? Eles existem, Srªs e Srs. Senadores. Ouçamos as palavras do mestre Celso Antonio Bandeira de Mello, ilustre administrativista:

Sendo a concessão um instituto oriundo da necessidade de satisfazer pelo melhor modo possível o interesse público, dispõe o concedente de todos os meios necessários para adequá-la ao alcance desse propósito.

Fala o renomado professor, portanto, de ações como a intervenção, a fiscalização, a aplicação de punições e até mesmo a extinção da concessão, se ficar demonstrada a incapacidade operacional e financeira da concessionária. Essas afirmativas estão todas contempladas na Lei nº 8.897/95.

De minha parte, comunico a V. Exªs que estarei solicitando o comparecimento de autoridades do Executivo e de dirigentes da Companhia Ferroviária do Nordeste para, em audiência na Comissão de Serviços de Infra-Estrutura e na própria Comissão de Fiscalização e Controle do Senado Federal, prestarem os esclarecimentos necessários sobre a situação aqui delineada. O que foi dito aqui necessita, sem dúvida, ser esclarecido detalhadamente. Precisamos efetivamente apurar o que ocorre com a malha ferroviária do Nordeste, sob pena de estarmos contribuindo para a destruição do patrimônio estatal e para a elevação dos custos de transportes no País, com prejuízos irrecuperáveis para a Região.

Ouço, com muita honra e muita satisfação, o Senador Maguito Vilela.

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - Senador Renan Calheiros, acompanho o pronunciamento de V. Exª com muita preocupação. V. Exª faz uma denúncia grave e séria, mas, acima de tudo, uma denúncia responsável com relação à malha ferroviária do Nordeste, especificamente com relação a seu Estado de Alagoas. V. Exª tem sido um grande defensor do seu Estado, da sua Região e também dos interesses maiores do nosso querido Brasil. V. Exª tem a solidariedade da Bancada do PMDB, extremamente bem liderada por V. Exª, e sei que V. Exª terá a solidariedade do Senado da República e do Congresso Nacional nesse seu pleito de esclarecimento a respeito de fatos que tanto prejudicam Alagoas, o Nordeste e, naturalmente, o Brasil. Sabemos da importância de uma malha ferroviária federal conduzida com seriedade, honestidade e competência, acima de tudo. O Brasil sente por não ter mais ferrovias no seu território. Antigamente, a opção foi por rodovias - uma opção errada, mas, infelizmente, a opção feita - e o Brasil hoje ressente de ferrovias em todos os Estados, principalmente em função de suas dimensões continentais. Cumprimento-o pela defesa intransigente do seu Estado e da sua Região. Cumprimento-o pelos esclarecimentos que deverão ser feitos, não só a V. Exª, mas ao Senado de uma forma geral. V. Exª tenha a certeza da nossa inteira solidariedade, não só como Líder, mas também como um Senador extremamente atuante e que sempre defendeu com unhas e dentes, com alma e coração o seu querido Estado de Alagoas. Muito obrigado.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Agradeço, honrado e feliz, o aparte, o apoio e a solidariedade de V. Exª, que é um dos maiores homens públicos deste País, foi um grande governador do Estado de Goiás e é um Senador muito respeitado nesta Casa. V. Exª tem absoluta razão.

Não queremos apenas definir responsabilidades. Queremos que tudo, absolutamente tudo, seja esclarecido. De nada adianta apontarmos os responsáveis, de quem é a culpa. Isso não importa. O que importa é que tenhamos de volta a ferrovia de nossa região, senão o Nordeste continuará perdendo competitividade e isso continuará acontecendo na contramão do que pensa o próprio Governo Federal.

É importante, já disse, começarmos a Transnordestina, que é fundamental e insubstituível para o desenvolvimento da região. Mas, antes de começarmos a sua construção, é fundamental, importantíssimo, que tenhamos condições para devolver a ferrovia ao Nordeste, àquela região tão sofrida que precisa ser cada vez mais olhada e defendida por este Congresso Nacional.

O Nordeste não pode - já disse e repito - arcar com esses prejuízos, porque eles são irrecuperáveis.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/08/2003 - Página 24856