Discurso durante a 105ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da função revisora do Senado Federal na análise da reforma da Previdência, diante da tentativa do governo de votá-la na Casa sem a possibilidade de emendas.

Autor
Almeida Lima (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: José Almeida Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Defesa da função revisora do Senado Federal na análise da reforma da Previdência, diante da tentativa do governo de votá-la na Casa sem a possibilidade de emendas.
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/2003 - Página 25059
Assunto
Outros > SENADO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, AUTORITARISMO, GOVERNO FEDERAL, TENTATIVA, REDUÇÃO, ATUAÇÃO, SENADO, ESPECIFICAÇÃO, TRAMITAÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, CONTENÇÃO, PROPOSTA, EMENDA, SENADOR, OBJETIVO, HOMOLOGAÇÃO, REDAÇÃO FINAL, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, NATUREZA PREVIDENCIARIA, ANTERIORIDADE, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • LEITURA, TRECHO, MENSAGEM (MSG), INTERNET, PUBLICAÇÃO, IMPRENSA, IMPORTANCIA, SENADO, EXECUÇÃO, FUNÇÃO LEGISLATIVA, CAMARA REVISORA, QUESTIONAMENTO, PROPOSTA, GOVERNO FEDERAL, RESPONSABILIDADE, SENADOR, ANALISE, REFORMA TRIBUTARIA, SIMULTANEIDADE, DIREÇÃO, DEPUTADO FEDERAL, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • ANALISE, HISTORIA, CRIAÇÃO, ESTADO DEMOCRATICO, COMBATE, AUTORITARISMO, DIVISÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS, DOUTRINA, FEDERAÇÃO, LEITURA, TRECHO, LIVRO, IMPORTANCIA, SENADO, DEFESA, ESTADOS, DESIGUALDADE REGIONAL.
  • DEFESA, EXECUÇÃO, FUNÇÃO, SENADO, REVISÃO, PROPOSTA, LEGISLAÇÃO, ANTERIORIDADE, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, REITERAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, SENADOR, DEBATE, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago uma preocupação que desejo compartilhar com V. Exªs. Há aproximadamente 20 dias, por diversos fatos e ações, tenho percebido o desejo claro e as tentativas de apequenar, amesquinhar, subalternizar o Senado Federal. Constato ações e omissões inúmeras nesse sentido, quando não se trata de projetos de lei visando à subtração de competências fiscalizadoras do Senado Federal, sobretudo no que diz respeito à execução da política monetária por esta instituição. Parece-nos hoje que o atual Governo vê-se mais confortado seguindo diretrizes e fiscalizações do Fundo Monetário Internacional do que mesmo as do Senado Federal.

A exemplo do companheiro de Partido, Senador Osmar Dias, temos presenciado, reclamado e constatado permanentemente que, enquanto o Senado Federal dá fluxo normal à tramitação de projetos oriundos da Câmara dos Deputados, o inverso não ocorre. Na Câmara dos Deputados, os projetos originários do Senado ficam arquivados em gavetas.

Pelas evidências dos últimos dias, parece-nos que o Executivo planeja transformar o Senado Federal em Casa homologadora dos seus desejos, o que se caracteriza pelo esvaziamento político. Quando propõe “não emendar a proposta de reforma previdenciária”, não está assumindo outra postura senão a de tentar esvaziar politicamente esta Casa e, o que é mais grave, suprimir a sua função, entre tantas outras, de Casa Revisora.

Aliás, pelo que se percebe, se o Governo do Partido dos Trabalhadores pudesse resolver, essas reformas que tramitam hoje na Câmara dos Deputados seriam feitas por decreto, tendo em vista o que estamos presenciando: uma postura mais do que autoritária, que descamba para comportamentos totalitários, a exemplo da substituição de Deputados integrantes das Comissões analisadoras das propostas de emenda.

Isso é grave, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sobretudo quando percebemos em alguns setores desta Casa a complacência, a omissão, a falta de compromisso com esta instituição. Quando vejo, são apenas palavras. Não sinto as ações em defesa do Senado Federal. O distanciamento do povo, que esta Casa estabelece, está às escâncaras, pois presenciamos repetidas vezes o Parlamento votar contra os interesses do povo brasileiro. E isso tem levado a observações as mais espúrias e estapafúrdias possíveis.

Outro dia recebi um e-mail, cujo autor assim se referiu:

Um determinado Ministro fez ao Senado Federal a seguinte proposta: que no tocante à reforma da Previdência, o Senado Federal não modifique o texto que for aprovado pela Câmara dos Deputados.

E ele indaga:

Será que tal proposta é indecorosa? ou não?

Se, porventura, o Senado Federal resolver aceitar a proposta, o Senado Federal terá de deixar de cumprir seu dever primordial, sua missão vital?

Algumas pessoas acham que o Senado Federal não deveria existir, pois a Câmara dos Deputados, sozinha, seria suficiente para cumprir a missão do Poder Legislativo Federal, tanto quanto cada Assembléia Legislativa Estadual é suficiente para cumprir a missão de cada Poder Legislativo Estadual.

            E isso é grave, pois, enquanto aqui é um popular, aqui, ali e acolá, estamos ouvindo opiniões, evidentemente não abalizadas, sobretudo na teoria política, na Teoria do Estado, mas opiniões.

A imprensa publicou:

O Ministro José Dirceu (Casa Civil) propôs a Senadores aliados que o Senado mantenha as mudanças feitas pelos Deputados nas regras da Previdência em troca da hegemonia na elaboração da Tributária.

 

            Em outras publicações:

Senado vai comandar debate da reforma tributária; mas isso em substituição à omissão quanto à reforma da Previdência.

A reforma sobre pressão. Planalto tentará aprovar Previdência sem alterações.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, as conseqüências são gravíssimas, é o estabelecimento de um conceito, de uma definição de desimportância, de desnecessidade. E dizem que Estados e Municípios possuem uma única Câmara, por que não no plano nacional? É a negação da função revisora, uma das razões da existência do Senado Federal.

O Senado é uma instituição milenar, embora na antiguidade exercesse uma função distinta. A partir daquela que chamam de Revolução Americana, não apenas o fato da luta pela independência, da Guerra de Secessão, mas o estabelecimento de um modelo de federação que foi copiado basicamente por todos o países, não apenas os da América, da Ásia e da África, que optaram pelo federalismo, o Senado, a partir de então, adotou uma nova fisionomia. A fisionomia de uma instituição que vem complementar a função legislativa em uma federação, a partir do conceito de república, do conceito de federação, do conceito de bicameralismo, com seus pesos e contrapesos, sobretudo em um país como o Brasil, de extensão continental, que busca, na verdade, um equilíbrio de forças.

Aliás, a teoria da divisão dos poderes, da tripartição dos poderes, que veio com o Iluminismo, estabeleceu as condições necessárias para a eliminação do Estado absoluto, comandado por um único senhor, no auge, na França, não apenas com Luís XIV, L’État c’est moi, enfeixando em uma única pessoa todos os poderes. E a Revolução Francesa de 1789, 14 de julho, acabou com o Estado absolutista e estabeleceu a tripartição dos poderes como fórmula capaz de acabar com as tiranias, dividindo os poderes, pelo fato de o Estado não poder ser governado a partir de uma única autoridade. Divide os poderes para poder governar.

A doutrina federalista, com o bicameralismo, exatamente estabeleceu os freios e os contrapesos. Daí a importância do Senado Federal, a importância do Poder Judiciário, para não se deixar apenas o mando e o comando do Estado nas mãos do Poder Executivo, que possui a espada para comandar.

Pois bem, hoje estamos vendo, por ações e omissões as mais diversas, a tentativa de tornar pequeno, de amesquinhar o Senado Federal, como se a função legislativa em uma federação como a brasileira pudesse ser executada apenas por uma única Casa, quando sabemos que este Poder, representando os Estados, estabelece a igualdade entre as Unidades da Federação, enquanto a outra Casa, representando o povo brasileiro, esta representando, sobretudo, os Estados, principalmente em um país com desigualdades e injustiças regionais como o nosso, em que Estados como São Paulo, os do Sul e Sudeste do País, desejam dominar a economia e a produção nacional. Não fosse esta Casa, estaríamos à mercê de todos eles, ampliando e aprofundando cada vez mais as desigualdades. E esta Casa, estabelecendo o equilíbrio federativo, dá aos Estados pequenos e não desenvolvidos como os outros a condição de poder se manter nesta Federação, teoricamente, em igualdade de condições.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa é a minha preocupação: não podemos passar um atestado de iniqüidade, de pequenez, aprovando a reforma da Previdência sem que esta Casa exerça sua função revisora. O Senado Federal tem exatamente a função de revisar as propostas legislativas, que, vindas da Câmara dos Deputados, aqui chegam carentes de uma reflexão maior, de uma consciência mais abalizada. Daí por que esta ser a Casa revisora, ser a segunda Casa que toma conhecimento para deliberar sobre as propostas vindas do Executivo.

É esta Casa, formada por Senadores e Senadoras, que, para se habilitarem ao mandato, precisam ter, no mínimo, 35 anos de idade, o que é diferente da Câmara dos Deputados, que exige apenas 21 anos. Porque isso é da essência do Senado Federal, não sem razão Fernando Limongi, ao analisar artigos de um federalista, disse:

A adoção do princípio da separação dos poderes justifica-se como uma forma de se evitar a tirania, onde todos os poderes se concentram nas mesmas mãos. Os diferentes ramos de poder precisam ser dotados de força suficiente para resistir às ameaças uns dos outros, garantindo que cada um se mantenha dentro dos limites fixados constitucionalmente. No entanto, um equilíbrio perfeito entre essas forças opostas, possível no comportamento dos corpos regidos pelas leis da mecânica, não encontra lugar em um governo. Para cada forma de governo, haverá um poder necessariamente mais forte, de onde parte as maiores ameaças à liberdade. Em uma monarquia, tais ameaças partem do executivo, enquanto para as repúblicas, o legislativo se constitui na maior ameaça à liberdade, já que é a origem de todos os poderes e, em tese, pode alterar as leis que regem o comportamento dos outros ramos de poder. Daí porque sejam necessárias medidas adicionais para frear o seu poder. A instituição do Senado é defendida com este fim, uma segunda câmara legislativa composta a partir de princípios diversos daqueles presentes na formação da Câmara dos Deputados, sendo previsível que a ação de uma leve à moderação da outra.

Do mesmo modo, James Madison, em O Federalista, no art. 62, assim se expressou:

A necessidade de um Senado é não menos indicada pela tendência de todas as assembléias únicas e numerosas em ceder aos impulsos de súbitas e violentas paixões e ser levadas por líderes facciosos a tomarem resoluções intempestivas e perniciosas.

Não é diferente o que estamos verificando hoje, com todo rolo compressor, na Câmara dos Deputados.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Desculpe-me Senador, não poderia nem interrompê-lo, mas estou recebendo um apelo. Eu gostaria que V. Exª abreviasse o seu discurso, pois os outros inscritos e os Líderes ainda querem usar a palavra. V. Exª tem todo o direito de continuar falando, pois seu tempo ainda não se esgotou. Estou transmitindo o pedido das Lideranças.

Muito obrigado.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE) - Acato a orientação de V. Exª. Requeiro que me seja garantido o tempo de 50 minutos como regimentalmente está estabelecido. Tenho certeza de que não terei necessidade de todo esse tempo.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - V. Exª dispõe de 50 minutos. Estabelecemos que a palavra seria usada por um inscrito e por um Líder, que tem preferência no uso da palavra. Para evitar que os inscritos fiquem aqui desde a primeira hora e não consigam falar é que estamos contemporizando. No entanto, V. Exª dispõe de 50 minutos.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE) - Agradeço a V. Exª. Tenha a certeza de que serei compreensivo com relação à solicitação da Mesa.

Como dizia, o que se verifica hoje na Câmara dos Deputados não deixa de ser uma resolução intempestiva, perniciosa, danosa ao povo brasileiro, ao trabalhador brasileiro.

O que estamos presenciando é o Governo, mais uma vez, chegando para acalentar os anseios da classe trabalhadora do País, mas prejudicando-a na sua essência, naquilo que representa seus mais lídimos interesses e direitos. E a esta Casa, o Senado Federal, como Poder revisor, com a característica da moderação, compete trabalhar no sentido de promover as emendas necessárias para que a proposta de emenda previdenciária não venha macular, não venha ferir direitos adquiridos e, no mérito, direitos que devem ser considerados os mais legítimos possíveis para a classe trabalhadora.

Tenho certeza de que o Senado Federal se amesquinhará se não exercer a sua função revisora, mas, por outro lado, se engrandecerá se ficar ao lado do povo; e não pode, em hipótese nenhuma, acatar essa que vem como ponderação legítima do Governo, para, num acordo com a Câmara dos Deputados, não discutir e não modificar a reforma da Previdência para ter o privilégio de estabelecer as diretrizes finais da reforma tributária. O Senado Federal se engrandecerá se ficar ao lado do povo.

Devo dizer que entendo, da mesma forma, em V. Exªs o direito de deliberar. Fomos eleitos Senadores e não homologadores. Sr. Presidente, não podemos estar aqui para homologar decisões que venham da Câmara ou do Poder Executivo.

O que estamos vendo? Essas duas reformas chegarão a esta Casa, e aqui tentarão, de todas as formas e por todos os meios, legítimos e ilegítimos, reverter a tendência que sentimos hoje, que é a da deliberação com modificação, sobretudo na reforma previdenciária, que chegará primeiro, não podendo esta Casa aceitar de forma contrária, sem sobre ela, no mérito, manifestar-se, posicionar-se e emendar.

O que estamos vendo, no País, é um Governo com perfil claramente autoritário. O Senado Federal precisa exercer sua competência constitucional, fazendo valer aquilo que está no princípio constitucional da Federação, do bicameralismo com os seus pesos e contrapesos para estabelecer o equilíbrio não apenas entre os Poderes, mas para não deixarmos o povo, onde reside a soberania, maculado por decisões completamente distanciadas dos seus interesses.

Concluo, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, citando agora outro federalista Alexander Hamilton, que diz: “A história nos ensina que dentre os homens que derrubaram as liberdades das Repúblicas, a maior parte começou sua carreira bajulando o povo, começaram demagogos e acabaram tiranos”. Essa é uma frase do federalista Hamilton que se encaixa e se aplica muito bem nos dias de hoje, pois estamos diante de um Governo que se intitulava dos trabalhadores e estamos vendo sua história ser rasgada, suas bandeiras de lutas serem jogadas no leito das ruas, das estradas, bandeiras de 10, 14, 15, 20 e 23 anos. Começaram, como diz Hamilton, bajulando o povo, demagogos, num discurso que objetivava - hoje temos esta convicção - a criação não de um partido político, mas de uma grife que atingisse os olhos do cidadão, do povo brasileiro para, chegando ao poder, acabarem como tiranos desse mesmo povo. É isso, Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, que precisamos evitar. Não podemos - esta é a preocupação que trago na tarde de hoje - amesquinhar, apequenar o Senado Federal nos furtando a debater, discutir e deliberar com modificações a reforma da Previdência Social. Não é isso que a Nação brasileira espera desta Casa. Concluo, repetindo que o Senado se engrandecerá se ficar ao lado do povo e contra aqueles que estão na tentativa de diminuir e amesquinhar o cidadão brasileiro.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/2003 - Página 25059