Discurso durante a 106ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o empenho do Presidente Lula para promover a integração dos países da América do Sul.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações sobre o empenho do Presidente Lula para promover a integração dos países da América do Sul.
Aparteantes
Ney Suassuna, Rodolpho Tourinho.
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/2003 - Página 25140
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ELOGIO, POLITICA EXTERNA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ACORDO, ALFANDEGA, PAIS ESTRANGEIRO, PERU, INICIO, PROCESSO, ADESÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), EMPENHO, INTEGRAÇÃO, AMERICA DO SUL.
  • ANALISE, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), RISCOS, MANUTENÇÃO, DISPARIDADE, DESENVOLVIMENTO, ESTADOS MEMBROS, HEGEMONIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PREJUIZO, SUBORDINAÇÃO, AMERICA DO SUL, ELOGIO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, PRIORIDADE, INTEGRAÇÃO, TERCEIRO MUNDO, PROCESSO, INCLUSÃO, ECONOMIA, SOCIEDADE, CULTURA, POLITICA.
  • REGISTRO, ASSINATURA, ACORDO CULTURAL, AGENCIA NACIONAL, CINEMA, BRASIL, AGENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, VANTAGENS, DISTRIBUIÇÃO, FILME.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesses últimos dias, o Presidente Lula deu mais dois passos extremamente importantes para a consecução do ideal de integração da América do Sul. Essa integração não deve ser apenas econômica, até porque, para isso ocorrer, exige-se um mínimo de integração política, cultural, de conhecimento entre os povos, a fim de que as oportunidades e os potenciais de desenvolvimento da integração consigam se realizar em plenitude. Um projeto de integração exclusivamente econômica fica pela metade, não realiza inteiramente o seu potencial. Como o Presidente Lula afirmou no Peru, é preciso criar a nação sul-americana, ou seja, que se faça uma integração econômica, política, cultural, de conhecimento entre os povos.

O Presidente Lula, no exercício da sua liderança, hoje reconhecida internacionalmente, conseguiu que o Peru desse um primeiro passo para sua adesão ao Mercosul ao firmar um acordo aduaneiro. Começa por esse acordo e prossegue por outras linhas de integração até que as nações do continente estejam todas voltadas para esse projeto, que constitui uma prioridade em termos de um desenvolvimento pleno das respectivas nações.

Claro que Brasil e Argentina têm uma posição natural de destaque pelas etapas já cumpridas num processo de desenvolvimento global. Não vamos negar que o Presidente Fernando Henrique deu passos importantes para que o Brasil tivesse um papel de destaque no continente, como a convocação de um congresso de Presidentes da América do Sul, ao qual todos compareceram, sem exceção. Isso mostra o prestígio do Brasil. Entretanto, o Presidente Lula está levando esse potencial e essa vocação do País às últimas conseqüências, empenhando-se pessoalmente e colocando-nos numa posição de liderança, com caráter igualitário e democrático, nunca hegemônico. Essa sempre foi uma preocupação justa dos demais países da América do Sul, dada a dimensão natural da economia brasileira, da própria Nação brasileira.

Mas é louvável a declaração feita pelo Presidente Lula de que precisamos construir uma nação sul-americana, bem como os seus gestos, as suas viagens sucessivas, o seu empenho e a sua preocupação com a Alça. O Presidente disse, anteontem, que a Alca não pode nos sufocar. O fato é que há um potencial de sufocamento da Alca sobre as demais economias da América do Sul, que advém da própria natureza das economias envolvidas. Mesmo que houvesse uma atitude generosa e compreensiva da Nação mais rica e mais desenvolvida no sentido de reduzir ou eliminar seus subsídios sobre agricultura, suas barreiras não-tarifárias e moderar o chamado livre fluxo de capitais, o próprio livre comércio acaba por perpetuar uma situação de desigualdade, que é da essência das nações, no momento em que se realiza a integração.

É óbvio que, num processo de integração, uma economia com uma produtividade industrial muito mais alta, com uma sofisticação tecnológica muito mais avançada acaba se especializando em setores produtivos mais avançados. E não é por acaso que os Estados Unidos insistem em colocar a propriedade intelectual como a pedra de toque de todo acordo que integre as Américas. Essa integração acaba se perpetrando sem que o continente tenha algum mecanismo de socorro ou de equalização que possa contrabalançar essa tendência natural que se expressa no momento da integração.

Essas desigualdades ocorrem também dentro de um país, mas o governo pode tomar medidas de correção, como o Brasil tem procurado fazer ao reduzir as desigualdades incentivando as economias do Nordeste e do Norte e das regiões menos desenvolvidas. Entretanto, numa integração entre esses países, não há força governamental ou internacional que seja capaz de tomar as medidas necessárias à correção. Então, uma integração bem-feita e até benevolente por parte do país hegemônico tende a perpetuar uma situação de desigualdade ou de especialização, onde uma parte é tecnologicamente avançada, progressista, e a outra parte está sempre retardada em relação aos padrões internacionais.

Essa é a grande questão que se tem que levantar em relação à Alca. Essa é a nossa grande preocupação. Não é o fato de se poder melhorar um pouco o tratamento dos produtos agrícolas brasileiros. Não é o fato de se aumentar o mercado para os nossos calçados ou para o nosso suco de laranja. Todas essas são vantagens imediatas e aparentes, mas que irão cristalizar uma situação de subordinação, de nação de segunda categoria, no balanço entre a sociedade brasileira e a sociedade americana.

O fato é que o Governo brasileiro agora, pela primeira vez, está tomando atitudes explícitas, embora não tenhamos certeza de que os resultados terão êxitos. As dificuldades são muito grandes, as disparidades são enormes, mas, pelo menos, há explicitamente uma posição governamental, partindo do próprio Presidente da República, de enfrentar essas disparidades, essas desigualdades, ao afirmar que iremos integrar a América do Sul antes de pensar numa integração continental. Na medida em que nossas economias sul-americanas estão em ascensão e numa posição de nível de produtividade média mais elevada, podemos, sim, discutir um acordo de liberalização progressiva do comércio, tendo em vista as possibilidades de equalização mínima dos padrões de produção, de consumo, de próprio estilo de vida.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Vou conceder já o aparte ao Senador Ney Suassuna, Senador muito ocupado com essas questões e muito lúcido.

Lembro que em países como o Brasil e como, aliás, toda a América do Sul e a América Latina, incluindo o México, que já se desgarrou da América do Sul com o Acordo de Livre Comércio com a América do Norte, ocorreu o fenômeno da diferenciação das suas populações, de forma que uma minoria, uma elite econômica, um grupo pequeno que tem destaque, que tem posição de elevação na pirâmide de rendas, na pirâmide de conhecimento, de culturas e tudo o mais, esse grupo minoritário se integra às economias, às sociedades e às nações mais desenvolvidas e imita seus padrões e faz os julgamentos sobre a economia e sobre a política quase que ignorando a massa excluída. A tendência natural do ser humano é pautar seu pensamento, suas ações pela sua situação cultural, pela sua situação social, pelas visões que tem em decorrência dessa situação e julgar os interesses da Nação pelos interesses do seu grupo. Isso existiu ao longo da nossa história e ao longo da história de todos os países da América Latina. Quer dizer, o ideal passa a ser transformar o país chamado subdesenvolvido num país de primeiro mundo, num país com os mesmos padrões de consumo e de cultura dos países mais avançados, quando, na verdade, isso só acaba dividindo mais as nações periféricas, como a nossa, e aumentando o fosso entre essa elite integrada aos países ricos e a massa do povo, cada vez maior, excluída desse processo, porque, dentro dele, não há lugar para inclusão da massa democrática, da massa populacional.

Somente uma atitude governamental, uma atitude da sociedade refletida no seu governo, capaz de pensar na integração da Nação e na integração das nações pares, nas nações semelhantes num processo global que seja econômico, social, cultural, político, só um governo voltado para essa prioridade, para essa meta política e econômica é capaz de dar os passos que o nosso Governo está dando.

Como eu disse, ninguém pode garantir que haverá êxito em todo o processo, mas é muito importante darmos esses primeiros passos decisivos, essa demonstração de vontade política de integrar o Brasil com a América do Sul, antes de qualquer outro processo, de não mais darmos as costas para os nossos países-irmãos e ficarmos olhando para o Hemisfério Norte. Precisamos olhar para o Hemisfério Sul e, depois, para a África, esse continente, com o qual temos proximidades culturais, que nos suscita um sentimento de inconformidade, de lamentação, de perda.

Como brasileiro, tenho um sentimento de perda em relação ao que está se passando com as nações africanas.

A visão do Governo Lula e do Presidente é absolutamente pioneira no mundo. Não é por acaso que muitos líderes mundiais têm reconhecido que a eleição de Lula veio para mudar o mundo, veio com o propósito de construir novos padrões de crescimento que olhem para os respectivos povos dos seus países e dos países que são semelhantes em termos de processo de desenvolvimento.

Peço desculpas ao Senador Ney Suassuna porque demorei a lhe dar o aparte, o qual ouço com muito interesse.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Em absoluto nobre Senador. Estava aqui atento, concordando com V. Exª quando faz a análise correta de que, num país, regiões diferenciadas e inferiores economicamente têm um mecanismo de correção e que, num acordo internacional, nós não o teríamos. Não temos como fugir da Alca; teremos que participar dela mais cedo ou mais tarde. Agora, não podemos nos entregar de peito aberto, até porque a tradição do nosso vizinho do Norte é de querer que os outros abram os seus mercados, mas não quer abrir o seu. V. Exª falou do suco e do têxtil. E o nosso aço, sobre o qual não nos deixam sequer ter quotas? Não há taxação; simplesmente nosso aço não entra. O nosso fumo hoje está com mais de 300% de taxação, o suco de laranja com mais de 200% e vai por aí afora. Quer dizer, é um país, como todo país poderoso, que quer o “venha a nós”, mas “ao vosso reino” muito pouco. Então, não podemos nos furtar de participar já que se trata de um mercado incrível, mas temos que adotar essa postura do Itamaraty: discutir e, se possível, participar de forma gradativa. Estamos falando de tudo isso, mas e os serviços? Nobre Senador, se a Alca abrir de uma vez no item serviços, vamos apanhar de dez a zero. Será uma bancarrota e um enorme desemprego. Temos, portanto, que ter muito cuidado, porque é preciso. Concordo com V. Exª em gênero, número e grau de que não há um mecanismo de correção. E, mais ainda, vamos ter dificuldades para ter paridade nesse tratamento. O “venha a nós” vai funcionar mais do que “o vosso reino”. Parabéns a V. Exª pelo discurso. Realmente, precisamos ter muito cuidado, embora estejamos vendo que o Governo está agindo com muita prudência. Quem poderia admitir, há anos atrás, que o Peru iria permitir toda essa abertura e essa nossa visita? Era um país adversário, fazia parte de uma coligação que, em hipótese de guerra, apoiava os argentinos contra nós. Tínhamos apenas o Chile a nosso favor. O Peru era a nossa segunda hipótese de guerra. E os nossos militares, na época do governo militar, ficavam maquinando como é que poderia ser e, por outro lado, incentivando os outros militares, porque a toda ação corresponde uma reação igual e contrária. Mas exulto ao ouvir da tribuna V. Exª e solidarizo-me inteiramente com as suas posições.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Obrigado, Senador Suassuna. O aparte de V. Exª acrescenta bastante ao meu pronunciamento.

V. Exª me fez lembrar, no seu aparte, o meu período de juventude, quando fiz o CPOR - nos primeiros anos 50 -, em que a hipótese de guerra estudada pelo Exército Brasileiro era com a Argentina. Essa é a verdade. E a hipótese de guerra era que a Argentina avançasse e ganhasse os primeiros impulsos do combate e chegasse até - sei lá - a tomar o Rio Grande do Sul ou Santa Catarina. Então, o Exército brasileiro se preparava para a retomada desses territórios e a vitória na guerra.

Essa era a hipótese de guerra, que, hoje, parece-nos absurda. Graças a Deus, dizemos V. Exª e todos nós. Mas era há até bem pouco tempo. No meu horizonte de vida, essa mudança ocorreu, graças a Deus. Isso é importantíssimo!

Passos vão sendo dados. Ontem, tive a oportunidade de presenciar, no Palácio do Itamaraty, a assinatura de um acordo cultural entre a Ancine - Agência Nacional do Cinema, brasileira, e a correspondente agência argentina, pelo qual os dois países propiciarão a distribuição de filmes de um país no mercado de outro, com vantagens. O que é extremamente importante, porque a integração econômica precisa da integração cultural para se realizar inteiramente.

Antes que acabe o meu tempo, ouço o Senador Rodolpho Tourinho com muita atenção.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - Muito obrigado, Senador Roberto Saturnino. Na linha do aparte do Senador Ney Suassuna, também solidarizo-me com o pronunciamento de V. Exª e chamo a atenção de quão importante é ter esse cuidado citado por V. Exª naquilo que devemos analisar e do processo que devemos participar. Hoje é um dia importante, pois foi aprovado na Comissão um projeto de lei do Senador Eduardo Suplicy que dá efetivamente uma participação ao Senado muito maior na discussão de todos esses acordos. Creio que o ponto da integração nacional versus a integração das nações parece que será fundamental, porque, na questão do Mercosul - e vejo o enorme esforço que o Governo está fazendo para essa integração da América do Sul - precisamos começar a integrar as outras regiões do País ao Mercosul. E essa é até uma razão pela qual eu quis participar da Comissão, para tentar, com os olhos do Nordeste, compreender um pouco. Mas considero perfeitas as palavras de V. Exª nessa análise. Solidarizo-me com V. Exª.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/ PT - RJ) - Senador Rodolpho Tourinho, agradeço o aparte de V. Exª e também o cumprimento por essa visão correta: que história é essa de que só o Sul do Brasil estaria integrado ao Mercosul? Não, tem que alcançar o Brasil como um todo e muito especialmente o Nordeste e as regiões mais ao Norte, porque esse processo tem que ser integral, tem que abranger a totalidade do território e da sociedade brasileira.

Sr. Presidente, era basicamente o que eu queria dizer e, encerrando as minhas palavras, ressalto que, hoje, houve, na reunião conjunta da Comissão de Assuntos Econômicos e de Relações Exteriores, a audiência do economista Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel, que nos apresentou uma visão que muito nos favorece, tendo em vista a credencial de quem assim se expressa e a visão correta pelo ponto de vista que abrange também as nações retardadas no processo econômico e cultural, como é o caso do Brasil.

Agradeço muito a generosidade de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/2003 - Página 25140