Discurso durante a 107ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade da transposição das águas do Rio São Francisco para o efetivo combate à seca no Nordeste.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Necessidade da transposição das águas do Rio São Francisco para o efetivo combate à seca no Nordeste.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2003 - Página 25305
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, CONTINUAÇÃO, PROBLEMA, SECA, ESTADO DA PARAIBA (PB), REGISTRO, CALAMIDADE PUBLICA, MUNICIPIOS, EXPECTATIVA, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, RIO TOCANTINS.
  • VISITA, PAIS ESTRANGEIRO, ISRAEL, ELOGIO, APROVEITAMENTO, RECURSOS HIDRICOS.
  • DENUNCIA, FALTA, APLICAÇÃO, RECURSOS, REGIÃO NORDESTE, HISTORIA, BRASIL.
  • COMENTARIO, DIFICULDADE, MINISTERIO EXTRAORDINARIO DE SEGURANÇA ALIMENTAR E COMBATE A FOME, UNIFICAÇÃO, CADASTRO, PROGRAMA, POLITICA SOCIAL.
  • DEFESA, REFORÇO, DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS (DNOCS), OBJETIVO, CONSTRUÇÃO, ADUTORA, IMPLEMENTAÇÃO, PROJETO, IRRIGAÇÃO, PISCICULTURA.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no segundo mandato, eu esperava não precisar vir a esta tribuna para falar de estiagem e de falta d’água. Isso me envergonha, entristece-me e deixa-me constrangido, mas no meu Estado, Paraíba, neste momento, das 223 cidades, há estado de calamidade em 145. Apenas em uma, Sr. Presidente, não é por falta d’água, mas pelo inverso: houve uma enchente. Refiro-me à cidade de Cabedelo, à beira-mar, onde fica o nosso porto.

É cruel o nosso destino: ser nordestino, ser paraibano. Vemos a aflição da população, a qual já tem os olhos opacos porque não tem sequer esperança de que venha a famosa transposição. O Imperador, quando andou por aquelas plagas, prometeu vender as jóias da Coroa para transpor o rio São Francisco. E dali por diante, houve uma fieira de presidentes, todos garantindo fazê-la, todos dizendo que iriam fazê-la, mas não ocorreu a transposição. Agora, quando um nordestino ocupa a Presidência da República, tomara que seja feita essa famosa transposição.

A transposição poderá ser do São Francisco, mas também poderá ser do Tocantins. Outra opção seria jogar parte da água do Tocantins no São Francisco e retirar 2%. Dos 2.600m³ por segundo, querem retirar 82m³. Apenas 2% seriam suficientes para matar a sede do povo do Rio Grande do Norte, representado pelos Senadores José Agripino e Garibaldi Alves Filho, de Pernambuco, do Ceará e da nossa Paraíba. São 2% da água do São Francisco. Isso não faria falta nem agora que o rio está com dificuldades. Mas se se podem retirar do Tocantins 100m³ para jogá-los no São Francisco, ótimo! Dessa forma, os ribeirinhos não poderão reclamar, embora tenham razão em fazê-lo, porque eles passam sede quase à beira do rio, pois a 100 km desse já não há mais água.

            Há poucos dias, fui com o Senador Eduardo Suplicy a Israel. Sr. Presidente, o Jordão é uma riqueza daquele País. Israel exporta frutas, tem plantações incríveis, bananas de excelente qualidade, perfeitas, sem uma mossa, sem um ponto preto, porque mal o cacho nasce colocam-no num saco plástico. Tudo parece até de plástico, de tão perfeito. E o Jordão não possui a largura que existe entre estas duas tribunas aqui do plenário. O São Francisco, se comparado ao rio Jordão, é de uma riqueza ímpar. Temos essas outras possibilidades, mas, vergonhosamente, nada fazemos.

Não sei que gigante de pés de barro é o Brasil - só posso compará-lo a essa figura, porque metade da população, ou seja, toda nossa área nordestina está aflita. E, mais uma vez, estou aqui nesta tribuna pedindo carro-pipa, pois não há adutora que seja suficiente; não há transposição; o solo é cristalino; o poço não funciona porque seca o lençol freático. Dos 5 mil poços que havia, 3,5 mil secaram na última seca. Passamos até um tempo bom, sem esse problema, mas, agora, volto a falar neste assunto.

Alguns Prefeitos foram às autoridades competentes e ouviram, Senador José Agripino, que carro-pipa era uma vergonha. Os Prefeitos também concordaram, mas perguntaram qual seria a solução para beberem água e para darem água para o seu povo. A cidade de Serra Branca, que é um ícone da seca, com 9 mil habitantes, não tem água regular há três anos. Eu mesmo já fui lá inspecionar por duas ou três vezes, mas não consegui dar água para beber àquele povo. Às vezes, até fico com vergonha quando chego ao Senado e vejo esses copos d’água cristalinos, sem microorganismos nem sais. E lá o povo está tomando resto de açude novamente, que parece caldo de cana de tão verde que é a água, e, depois, lota os hospitais, todos doentes. É um ciclo vicioso. Até quando isso irá perdurar?

Penso que não há razão de termos mandato aqui; não adianta. Falamos, falamos e nada funciona.

E não é culpa do Governo. Não estou culpando o Governo atual, que ainda tem pouco tempo. Isso vem perpetuando-se desde o Império. Tivemos o primeiro ciclo econômico. O pau-brasil e o açúcar vieram do Nordeste para criar o Sul e o Sudeste, e não recebemos a reciprocidade.

Uma vez, eu disse da tribuna que uma Nação se faz com solidariedade. São irmãos - os membros de uma Nação - ajudando um ao outro. Que ajuda é essa que estamos recebendo, Senador Mão Santa? Pagamos impostos; saem de lá “x” e voltam “x” menos 3 bilhões. Ou seja, contribuímos com 3 bilhões a mais. Era para estarmos recebendo dinheiro ou serviços, porque a Constituição diz que as áreas economicamente com menor índice devem ser levantadas para ficarem no nível da Nação. Essa é a regra. Mas o que está acontecendo? Nessa miséria toda, sem água para beber, estamos contribuindo com 3 bilhões para o resto da República.

Hoje, tomei café da manhã com o Ministro José Graziano, na casa do Senador Eduardo Suplicy. Discutíamos sobre a comissão que está estudando a implementação do Fome Zero.

Segundo o Ministro, Senador Mão Santa, lá no Piauí de V. Exª, que foi piloto do Fome Zero, onde foi feita a primeira experiência, houve uma transformação da cidade. Hoje, a cidade é outra.

Lamentavelmente, o Ministro ainda tem muitas dificuldades quanto ao cadastro. Havia muitos cadastros de programas diversos. A intenção é de se criar um cadastro único, até por uma razão - e vejam que incrível! Vinte por cento do dinheiro destinado ao Fome Zero ou dessas ajudas que damos ao povo termina na mão dos banqueiros. Por quê? Porque custa R$1,20 cada vez que uma quantia é paga a um miserável. Como há muitos cadastros - gás, Bolsa-Escola, vários programas de saúde, como o aleitamento -, cada vez que se faz um pagamento desses, deixa-se pouco mais de R$1,00 no banco. No final, da verba total distribuída, 20% ficam nos bancos, pagando o movimento bancário.

Que sina miserável têm os nossos pobres! Será que somos tão incompetentes? Tenho o maior orgulho de ser latino, pois é um povo afável, caliente, amigo, mas, quando se trata de governo, somos incompetentes. E isso me amargura muito; deixa-me triste ver que não temos capacidade de organizar um País.

Falei aqui de Israel. São 6 milhões de pessoas e, entre elas, há 1 milhão de árabes. Eles receberam, em um ano, 1 milhão de pessoas vindas da Rússia, e têm água, casa e tudo o mais para todos.

Há dias, indagava para alguns amigos: quem tem o maior PIB, a Arábia Saudita ou Israel? É Israel, pela sua tecnologia. Será que a nossa cabeça é mais subdesenvolvida e incapaz de aprender? Mas como ensinar se não há escolas para todos?

O Fundef foi um milagre, mas um milagre pago à custa de Estados e Municípios. Só para esses, devem-se 9 bilhões. Eu não sei quanto os Estados do Piauí ou do Rio Grande do Norte perderam. Mas sei que a Paraíba perdeu cerca de 40 milhões/ano, bancando algo criado pelo Governo Federal para melhorar a situação.

São muitas coisas que precisamos analisar. Mas deixar faltar água, Senador Sibá Machado!... Imagine V. Exª chegar em casa e não poder tomar um banho ou matar a sua sede.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Ney Suassuna, eu gostaria de participar do seu pronunciamento. Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Com muita satisfação, Senador Mão Santa, ouço V. Exª.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Ney Suassuna, anteriormente, ouvimos o grande representante do Ceará, o Senador Reginaldo Duarte. S. Exª é um homem dedicado àquele Estado, de um povo obstinado e criador. Lá, os Governos passaram e encravaram uma grande instituição, o Dnocs. O que seria do Nordeste sem o Dnocs? Ele realizou inúmeros açudes; descrevia a necessidade do Castanhão, a maior obra de retenção de água no grandioso Estado do Ceará. Mas V. Exª foi muito oportuno. Digo-lhe que o Dnocs existiu e trabalhou no Piauí. Eu concluí dezenas de açudes, mas eles estão, como se diz na Bíblia, como o Mar Morto, pois ficam distantes das comunidades. Então, além do que foi colocado por V. Exª, de que eles devem servir à piscicultura, ao turismo, à agricultura, a sua água precisa chegar ao ser humano, que se encontra há muitos quilômetros desses açudes. Dessa forma, é hora de o Dnocs - que teve aqui as suas ações tão bem analisadas - passar para o que a engenharia consegue fazer: as adutoras, que levarão água às pessoas, que são a maior riqueza do nosso Nordeste.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Senador Mão Santa. Se realmente pudéssemos pô-la em prática, essa seria uma idéia fabulosa. Mas eu fui Ministro da Integração, e o Dnocs me era subordinado. O Dnocs, hoje, é um fantasma do que foi. Hoje ele está sucateado. Fecharam as suas sedes e acabaram os seus equipamentos. Ele sequer pode manter as comportas dos açudes já existentes, tornando-os um risco para as cidades que se situam barragem abaixo. Nós precisamos revitalizá-lo; fazê-lo voltar ao que era antes. V. Exª tem razão, a seca já foi até pior. Hoje, pelo menos, temos no Dnocs algo na ordem de 500 km² de espelho d’água. Poderíamos estar criando peixe, fazendo a irrigação e as adutoras. Mas, lamentavelmente, também desmantelamos isso no Governo Collor. Houve um desmantelamento total pelo qual estamos pagando caro até hoje.

Por isso, eu comecei aqui o meu discurso, Senador Mão Santa, dizendo: Que vergonha! Que tristeza ver nosso povo sofrer e não poder fazer nada prático, a não ser ocupar a tribuna e protestar! O protesto, todo o Brasil todo está vendo na TV, mas ele não chega aos ouvidos dos executivos ali, a 300 metros. A insensibilidade é total. Por isso, eu usei aqui a expressão “falta de solidariedade entre as pessoas”.

Eu não sei realmente o que fazer a não ser protestar e procurar as autoridades e falar. E quando vou falar com alguma autoridade, ele diz: eu não tenho verba. Que vergonha um País do tamanho do nosso não ter verba para nada! O pior de tudo é que a verba existe, mas nós somos maus administradores. Quanto ao serviço público, volto a dizer que tenho orgulho de ser latino e brasileiro, mas vergonha de como nós latinos somos maus administradores públicos.

Que pena que eu somente possa fazer isto: protestar, denunciando que 145 cidades estão sem água!

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2003 - Página 25305