Discurso durante a 107ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise da questão fundiária no Brasil.

Autor
Garibaldi Alves Filho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RN)
Nome completo: Garibaldi Alves Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Análise da questão fundiária no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2003 - Página 25309
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • GRAVIDADE, PROBLEMA, REFORMA AGRARIA, BRASIL, INVASÃO, SEM-TERRA, MOBILIZAÇÃO, FAZENDEIRO, DEFESA, PROPRIEDADE RURAL, APREENSÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, CRISE, AGRICULTURA.
  • DEFESA, REFORMA AGRARIA, OBJETIVO, SOLUÇÃO, CONFLITO, CAMPO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, REFORÇO, CIDADANIA, FOMENTO, PRODUÇÃO AGROPECUARIA.
  • COMENTARIO, ESTUDO, ECONOMISTA, PROFESSOR, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), VANTAGENS, INCENTIVO, AGRICULTURA, ECONOMIA FAMILIAR.
  • COMENTARIO, SEMINARIO, REFORMA AGRARIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, PROBLEMA, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, BRASIL.
  • APOIO, PROPOSTA, GOVERNO, ARRENDAMENTO, TERRAS, ATENDIMENTO, DEMANDA, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, SOLUÇÃO, FALTA, RECURSOS, DESAPROPRIAÇÃO.
  • IMPORTANCIA, INCENTIVO, COOPERATIVISMO, AGROINDUSTRIA, VIABILIDADE, PRODUÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, COMBATE, EXODO RURAL.

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma das mais importantes bandeiras do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua campanha eleitoral, a reforma agrária, tem sido um dos temas mais discutidos de norte a sul do País, ocupando enorme espaço na mídia impressa e eletrônica, dividindo opiniões e atraindo a atenção da sociedade brasileira até mesmo no momento em que o Congresso Nacional vota as Reformas Previdenciária e Tributária.

De um lado, as invasões patrocinadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) multiplicam-se, o número de acampados aumenta e os proprietários de grandes glebas ou fazendas mobilizam-se em defesa do seu patrimônio; passa-se a temer o risco de um recrudescimento da violência no campo, tanto quanto de uma redução dos investimentos no setor agrícola.

De outro lado, o Governo mostra-se sensível às reivindicações dos trabalhadores sem terra, atento às exacerbações, e anuncia os primeiros passos, ainda que tímidos, para minorar os conflitos e equacionar a questão fundiária.

No momento em que se discute um tema tão caro à nossa paz social e ao próprio desenvolvimento, julgo importante, Srs. Senadores, trazer algumas reflexões sobre o assunto, ora derivadas de minhas convicções pessoais, ora reportando-me a especialistas que vêm estudando a questão fundiária em toda a sua complexidade.

Inicialmente, eu gostaria de enfatizar a importância da reforma agrária como instrumento de promoção da paz no campo, como mecanismo de distribuição de renda e de fortalecimento da cidadania; e ainda como fomento à produção agropecuária, contrariamente à tese de que a produção dos assentamentos não justifica os investimentos e não repercute na economia nacional.

Já aqui quero me socorrer das observações feitas pelo Professor e economista José Eli Veiga, da USP, no Seminário sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Sustentável, cujos trabalhos foram condensados numa publicação do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento -- NEAD.

Tendo analisado os diferentes modelos de produção agrícola no Brasil e em outros países, o economista desfaz o mito de que “promover a agricultura familiar ou de pequena escala é jogar dinheiro fora”. Em relação aos Estados Unidos, por exemplo, ele observa que, nas regiões onde predominou a agricultura patronal, existem poucas escolas, igrejas, clubes e associações. Ele observa: “Nessas comunidades, as condições de moradia são precárias, quase não existem equipamentos de lazer e a delinqüência infanto-juvenil é alta, ao contrário do que ocorre onde predominou a agricultura familiar”.

Ele também rejeita o argumento de que a agricultura familiar nos países ricos só é possível por causa dos elevados subsídios e que, no Brasil, essa atividade jamais se tornaria competitiva. Ele lembra que a agricultura patronal no Brasil é competitiva em alguns produtos, como carne bovina, arroz, soja e cana-de-açúcar, mas que essa competitividade é duvidosa em relação a outros produtos, como frutas e hortigranjeiros.

Para o Prof. José Eli, “mesmo que se aceite essa absurda visão que reduz a eficiência econômica apenas à sua dimensão alocativa, descartando sua dimensão distributiva, a agricultura familiar brasileira continua no páreo”. “Basta comparar o dinamismo do Vale do Itajaí à tristeza do extremo sul para se dar conta.”

Com essa argumentação, acredito, o Prof. José Eli da Veiga não visa a combater ou desmerecer a agricultura patronal, mas apenas demonstrar a viabilidade da produção de menor escala, ressaltando os méritos da sua dimensão distributiva. Na verdade, a agricultura brasileira tem-se mostrado pujante em todos os modelos de produção, sejam eles a grande propriedade mecanizada, os assentamentos, a agricultura familiar, o arrendamento etc. Aliás, a discussão sobre a reforma agrária, que se arrasta há décadas, muitas vezes tende a simplificar e reduzir uma questão de âmbito maior, que é a política fundiária.

No seminário sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Sustentável, inicialmente referido, o Conferencista Carlos Guanziroli, Professor da Universidade Federal Fluminense e Consultor da FAO, rebate uma teoria, hoje ultrapassada, segundo a qual a reforma agrária, muito onerosa, prejudicaria a recuperação econômica dos países em desenvolvimento. Os defensores dessa teoria argumentavam ainda que, nos países em desenvolvimento, existe uma forte concentração de riquezas, em contraposição aos países desenvolvidos, onde a agricultura de grande escala é predominante e a distribuição da renda é mais eqüitativa.

            Para Guanziroli, ao contrário, as políticas de distribuição das terras facilitam o processo de desenvolvimento, enquanto a desigualdade seria fruto muito mais de políticas equivocadas do que da democratização da propriedade. Ele argumenta que o impulso dado pela distribuição da terra está relacionado com as vantagens da produção agrícola, citando, entre outros estudiosos, Hans Biswanger:

Tanto os países comunistas como muitas economias de mercado têm pago um preço enorme por assumir - sem evidências empíricas suficientes - que as grandes explorações são mais eficientes que as pequenas. As grandes explorações são freqüentemente bem administradas e tecnicamente eficientes para produzir altos volumes de produção. No entanto, seus custos de produção excedem, usualmente, os custos das unidades menores de produção, que se sustentam principalmente no trabalho familiar, tanto nos países em desenvolvimento como nos países desenvolvidos.

A discussão, portanto, sobre a necessidade e a conveniência de se promover uma reforma agrária deveria estar superada, para que pudéssemos nos concentrar em outras questões, especialmente em como fazer a reforma agrária. Ao mesmo tempo, devemos ter em mente que a reforma agrária é apenas uma das possibilidades de equacionamento da questão fundiária, como o próprio Governo Federal sugere ao anunciar um programa de arrendamento de fazendas para atender à demanda dos trabalhadores sem terra.

A previsão do Governo Federal de desapropriações para fins de reforma agrária, convenhamos, é muito acanhada. Os recursos são escassos para a “reforma agrária de qualidade” anunciada pelo Governo Lula, que pretendia assentar 60 mil famílias neste ano. Os recursos disponibilizados até o momento são suficientes para o assentamento de apenas 7.200 famílias. Os arrendamentos, assim, seriam uma forma de o Governo evitar despesas com desapropriações e investir na infra-estrutura e na oferta de terras boas para os trabalhadores.

Por sua vez, os assentados precisam adotar novos modelos de produção para tornar sua atividade viável. Nós, que conhecemos os assentamos na nossa Região do Nordeste, no meu Estado do Rio Grande do Norte, sabemos da absoluta penúria dos assentamentos nos dias de hoje. São raros os que conseguem avançar e trazer bem-estar a seus moradores. Na verdade, Sr. Presidente, apenas os que conseguem investir na agricultura irrigada chegam a algum resultado econômico, capaz de trazer esse bem-estar.

Os assentados, como eu dizia, precisam adotar novos modelos de produção para tornar sua atividade viável, a exemplo do que ocorre em diversos projetos de agricultura familiar, unindo-se na compra de insumos para obter ganhos de escala, por exemplo, ou nas negociações de fornecimento para a agroindústria. É igualmente importante promover o cooperativismo, conforme recomenda a nossa Carta Magna, para lograr melhores condições de competitividade.

Além do cooperativismo, é fundamental que os assentados busquem a diversificação de suas atividades e, principalmente, invistam no agronegócio, de forma a agregar valor à sua produção. É fundamental também que governantes e trabalhadores sem terra se preocupem em estabelecer as bases para que os assentamentos tenham sustentabilidade, evitando-se a continuação do êxodo rural. De acordo com o Incra, a taxa média de evasão nos assentamentos, em todo o território nacional, é de 29,7%. É necessário que os jovens assentados participem das decisões da comunidade e se sintam estimulados a continuar as atividades da família, para que todo esse esforço não seja jogado por terra ao cabo de alguns anos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, ao comentar, há dias, o recrudescimento das invasões de terra, disse estar preocupado com a repercussão desses atos, o que poderia provocar uma retração nos investimentos internacionais. Entretanto, mostrou-se absolutamente confiante no que concerne ao desempenho do setor, tradicionalmente competitivo. “O Brasil é tão competitivo e eficiente em agricultura que é capaz de avançar sobre os demais países”, afirmou o Ministro.

De fato, o Brasil tem um setor agrícola pujante, não obstante as inúmeras dificuldades com as quais luta o homem do campo. Além disso, as dimensões de nosso território são continentais. Nossa área agrícola dá-nos condições de promover a reforma agrária sem prejudicar as grandes explorações já existentes, que inclusive contribuem, de forma significativa, com a nossa pauta de exportações.

Em outros termos, podemos incluir, no campo, os excluídos, sem necessidade de excluir os incluídos, o que representa um motivo a mais para acreditar que este Governo, agindo com o necessário discernimento, aprofundará a reforma agrária e promoverá uma pacificação no campo e uma modernização na nossa estrutura fundiária.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2003 - Página 25309