Discurso durante a 107ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Crise nas universidades brasileiras.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • Crise nas universidades brasileiras.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2003 - Página 25318
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • REGISTRO, CRESCIMENTO, IMPORTANCIA, ENSINO SUPERIOR, MUNDO, NECESSIDADE, INCLUSÃO, ENSINO, PRIORIDADE, ELABORAÇÃO, POLITICA NACIONAL.
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ENSINO SUPERIOR, BRASIL, AUSENCIA, RECURSOS FINANCEIROS, INVESTIMENTO, SETOR, PRECARIEDADE, INSTALAÇÕES, INSTITUIÇÃO FEDERAL DE ENSINO, INSUFICIENCIA, NUMERO, PROFESSOR UNIVERSITARIO, PREFERENCIA, TRABALHO, INICIATIVA PRIVADA, APOSENTADORIA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, POLITICA, ENSINO SUPERIOR, REESTRUTURAÇÃO, FUNCIONAMENTO, ADMINISTRAÇÃO, INSTITUIÇÃO FEDERAL DE ENSINO, ESTABELECIMENTO, PISO SALARIAL, PROFESSOR UNIVERSITARIO, CONCESSÃO, AUTONOMIA ADMINISTRATIVA, UNIVERSIDADE.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, grande atenção vem sendo atribuída à educação no mundo todo pelos mais diversos setores da sociedade. Tanto os países desenvolvidos como os que se encontram nas diferentes etapas de desenvolvimento colocam a educação no foco central de suas políticas públicas.

Esse fenômeno ocorre basicamente em razão de dois fatores. O primeiro refere-se a uma mudança profunda nas demandas que a sociedade vem fazendo aos sistemas de ensino, devido ao avanço tecnológico, ao impacto da informatização, à mundialização da economia e aos novos modelos de organização do trabalho.

O segundo diz respeito ao esgotamento do modelo econômico sustentado por mão-de-obra barata e abundância de matéria- prima, que aponta a necessidade de redirecionar as prioridades de investimento para fatores do desenvolvimento humano: inteligência, conhecimento, criatividade, capacidade de solução de problemas, adaptação às mudanças do processo produtivo e, sobretudo, capacidade de produzir, selecionar e interpretar informação passam a ser altamente valorizados.

A educação, particularmente o ensino superior, conseqüentemente, passa a ocupar papel central na pauta das políticas governamentais, sendo entendida como uma necessidade estratégica dos países na promoção do desempenho social e econômico de sua população, condição indispensável para obter sucesso na nova ordem internacional, marcada por grande competitividade entre os países.

Diante desse cenário, fica-nos uma questão inevitável, Srªs e Srs. Senadores: como o ensino superior, ou melhor, a universidade brasileira vem enfrentando as questões impostas pelos novos tempos?

O nosso ensino superior, 68,4% em universidades, enfrenta sérios problemas e desafios; as grandes diferenças regionais, a pressão por aumento de vagas, a contribuição para o desenvolvimento tecnológico e inovação, a necessidade de expansão e atualização da pesquisa, a elevação dos padrões de qualidade, os custos elevados e a conquista da autonomia didático-administrativa e financeira são suficientes para dar uma idéia das dificuldades que precisam ser enfrentadas em curto prazo, se se quiser evitar uma decadência que, para muitos, já é visível.

Embora todos os problemas estejam relacionados e não possam ser tratados isoladamente, as dimensões e o propósito deste pronunciamento levam-me a destacar um aspecto que considero o mais dramático entre os dilemas da universidade em nosso País. À falta de melhor denominação, chamarei de “cultura do mérito” ou “instituição meritocrática” a questão para a qual passo a solicitar a atenção das Srªs e dos Srs. Senadores.

O Exame Nacional de Cursos, o Provão - instrumento criado pelo próprio governo para avaliar o ensino superior -, novamente revelou um diagnóstico ruim do ensino superior brasileiro como um todo. No geral, das 24 carreiras avaliadas, apenas em uma - odontologia - foi registrada média superior a 50% do total dos pontos possíveis. No desdobramento desses resultados, porém, é que alguns dos principais problemas do ensino superior podem ser encontrados.

Por mais que saibamos que o próprio Provão é objeto de algumas críticas, sabemos, também, que o exame só ratifica uma realidade conhecida. A universidade brasileira vai mal, e as universidades públicas, principalmente as federais, vão ainda pior.

As universidades federais choram. De barriga vazia, porque estão sem dinheiro, sem autonomia, sem estímulo. E de barriga cheia, porque seus professores podem chegar tarde, faltar às aulas e parar de estudar. Ainda por cima, aposentam-se cedo.

Ninguém questiona que o salário dos professores é um vexame, mas também é esquisito como os professores são jovens. Cadê o velho catedrático? Possivelmente, aposentado desde os 48 anos e trabalhando em universidades particulares. Ou seja, recebem subsídios do Estado para favorecer a iniciativa privada.

Na situação atual, um docente que nada faz recebe o mesmo salário de um docente dedicado e produtivo. Uma universidade pouco qualificada e de baixa produtividade não poderia pretender receber o mesmo volume de recursos de uma universidade altamente qualificada, com docentes voltados para um trabalho de grande produtividade. O mesmo princípio aplica-se aos alunos que recebem certificados e diplomas que não fazem quaisquer distinções entre os de alto rendimento e aqueles que simplesmente preenchem as condições básicas.

Por outro lado, o Provão avaliou 5.031 cursos, dos quais 31% foram reprovados com conceito D ou E, numa escala de A a E. Entretanto, nenhum curso foi fechado, pois continuaram funcionando com liminares obtidas na Justiça.

Como se vê, Srªs e Srs. Senadores, a universidade brasileira é um sistema impermeável à prevalência do critério do mérito como o mais legítimo e democrático mecanismo de reconhecimento de valor e de obtenção de benefícios.

Não faltam desafios para os novos responsáveis pela área da educação no governo federal, mas, seguramente, um dos que mais colocarão à prova sua competência será o ensino superior.

Antes de se estabelecer a tão propalada “autonomia universitária”, é preciso que se desmonte a carreira docente atual e se estabeleça um modelo baseado no mérito, com perspectivas de aumento salarial associado a responsabilidades e obrigações bem definidas; que se criem condições que inibam a aposentadoria precoce; que se estabeleça um piso salarial uniforme, mas que os salários sejam decididos em cada instituição, em função dos seus recursos; e que um percentual do orçamento esteja vinculado a indicadores de desempenho, tais como número de alunos por docente, avaliação da graduação por comissões de especialistas, pós-graduação, volume e qualidade da produção científica.

Como já afirmou o atual Ministro da Educação, Cristovam Buarque, as universidades surgiram quando os conventos deixaram de se conectar com as realidades locais e a sociedade. Agora, são as universidades que serão desconectadas. O que vem a seguir? Elas deixam de ser, ao mesmo tempo, centro de produção do saber e garantia de emprego. A informação circula freneticamente pelo mundo além dos campi. Os estudantes têm jornal, TV, Internet e as empresas desenvolvem pesquisas e formam profissionais, enquanto advogados, engenheiros, psicólogos e historiadores guiam táxis pelas enlouquecedoras vias das capitais do País.

É por isso que a crise das universidades não é apenas emergencial, mas principalmente estrutural. É preciso saber para que e para quem elas existem. Se são destinadas ao bem coletivo ou ao luxo individual de quem quer um diploma pendurado na parede. Se devem discutir o sexo dos anjos ou propor o fim da miséria.

É preciso reconhecer, Srªs e Srs. Senadores, que ainda não existe clareza sobre como resolver, na prática, uma série de questões que foram aqui colocadas. Porém, o que temos claro é que é preciso mudar radicalmente a política de ensino superior, a fim de que se possam obter eficácia e governabilidade da máquina administrativa, racionalização no uso dos recursos e fomento de uma cultura que valorize o mérito e que persiga a excelência, para que possamos promover o desenvolvimento científico, social, cultural e econômico do País.

Muito obrigado pela atenção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2003 - Página 25318