Discurso durante a 109ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta para o agravamento da crise das companhias aéreas brasileiras.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Alerta para o agravamento da crise das companhias aéreas brasileiras.
Publicação
Publicação no DSF de 02/09/2003 - Página 25615
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, EMPRESA DE TRANSPORTE AEREO, BRASIL, DEFICIT, FATURAMENTO, REFERENCIA, INFORMAÇÕES, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), MINISTERIO DO ORÇAMENTO E GESTÃO (MOG), AVALIAÇÃO, PROBLEMA, TRANSPORTE AEREO, ESPECIFICAÇÃO, INCOMPETENCIA, ADMINISTRAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, EMPRESA, AUMENTO, CUSTO, COMBUSTIVEL, ARRENDAMENTO MERCANTIL, AERONAVE, DIFICULDADE, PAGAMENTO, INFRAESTRUTURA, AEROPORTO, REDUÇÃO, CONSUMO, PASSAGEIRO.
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, PAIS, AMERICA DO SUL, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA DE TRANSPORTE AEREO, DEFESA, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, EMPRESA NACIONAL, AVIAÇÃO, GARANTIA, SEGURANÇA NACIONAL.
  • EXPECTATIVA, MANIFESTAÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), MINISTERIO DA DEFESA, CONGRESSISTA, ANALISE, PROPOSTA, POSSIBILIDADE, FUSÃO, EMPRESA DE TRANSPORTE AEREO, BRASIL, SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, AGILIZAÇÃO, SOLUÇÃO, CRISE, AVIAÇÃO, CONTENÇÃO, PREJUIZO, USUARIO, ECONOMIA NACIONAL.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós nos orgulhamos muito do tamanho do Brasil. Sempre dizemos, com muito orgulho, que é um país continental. Como tal, tem muitos problemas. O Senador Antonio Carlos Magalhães acaba de citar um deles, a pobreza, contra a qual lutamos há muito tempo, mas que em vez de diminuir está sempre aumentando, por razões às vezes de incompetência.

Quero dar um testemunho. Eu era Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, quando o Senador Antonio Carlos Magalhães, à época Presidente desta Casa, me ligou e disse: “Preciso de uma das emendas da sua Comissão. Preciso que coloque nessa emenda, para combate à pobreza e para combate à fome, um bilhão e meio.”

Respondi dizendo que essa quantia era demasiada para uma emenda. Mas ele me disse: “Faça, que eu vou trabalhar!” E nós conseguimos colocar no Orçamento naquele ano um bilhão e meio, por uma emenda da Comissão de Assuntos Econômicos.

Feita essa lembrança, quero dizer que, num país continental como o nosso e vivendo num mundo globalizado, não podemos voltar, de maneira nenhuma, ao tempo da diligência, muito menos ao tempo do paquete, dos vapores. Às vezes, até mesmo “a jacto” é pouco para a velocidade que todo o sistema exige. E faz muito tempo que conhecemos o problema das companhias aéreas.

Já debatemos isso em profundidade na Comissão de Assuntos Econômicos, inclusive com a colaboração do Cade, que participou de uma reunião com todas as empresas do ramo, a qual ocorreu há três anos no Peru. Sabemos que o Brasil é o único país da América do Sul que detém empresas de bandeira nacional. Todos os demais já venderam as suas. E sabemos que a crise por que passa essa indústria agravou-se.

No segundo semestre de 2002, de 16 empresas brasileiras avaliadas pelas autoridades da aviação civil, apenas duas, que não chegavam a atender a 1% do mercado nacional, não apresentaram saldo negativo em seus balanços.

Segundo os analistas que estudaram a matéria, considerando os resultados referentes aos últimos quatro anos, as dificuldades financeiras dessas empresas apareciam como persistentes e indicavam que os constantes saldos operacionais negativos tornar-se-iam crônicos, o que ocorreu. Por exemplo, em 1999, as empresas consideradas perderam 214,5 milhões de reais; em 2000, perderam 76,3 milhões; em 2001, 311,8 milhões; e em 2002, com dados referentes apenas à primeira metade do ano, os prejuízos já registram 334 milhões. A lucratividade do setor, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está negativa em 13% no exercício deste ano.

Em estudo realizado sobre as causas das crises da aviação civil brasileira, a Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Ministério do Planejamento, aponta alguns aspectos que, em sua avaliação, são os principais causadores das turbulências que atingem as companhias aéreas nacionais.

Segundo o Ipea, o primeiro aspecto é a má gestão das empresas. Na opinião do Instituto, grande parte da crise que assolou a Transbrasil deveu-se a problemas gerenciais. Por outro lado, no caso da Viação Aérea Rio-Grandense (Varig), o estudo mostra que é um contra-senso uma associação de funcionários dirigir os destinos da empresa.

Aliás, no ano 2000, uma das maiores lições de má gestão foi o pagamento de trinta milhões de reais a membros da Fundação a título de participação nos lucros, ao mesmo tempo em que a empresa fechava seu balanço, registrando um rombo de R$189 milhões de reais.

Apesar de tudo, o Ipea admite que a operação foi perfeitamente legal, mas pecou no momento em que os dirigentes da Varig, de maneira precipitada, olharam apenas para a coluna dos lucros e ignoraram os enormes prejuízos que a empresa vinha acumulando e que aumentou ainda mais naquele ano.

Apenas esse erro cometido pode ser creditado como um dos fatores que causaram dificuldades financeiras que a empresa vem enfrentando nos dois últimos anos.

Outro aspecto determinante da crise das companhias aéreas nacionais apontado pelo Ipea é o estrutural. Na avaliação do Instituto, todas as empresas aéreas sofrem demasiadamente com os impactos causados pelos fatores estruturais.

Dificilmente podem ser controlados, porque fazem parte de um conjunto das variáveis independentes que interferem a cada momento, quase sempre de maneira negativa no equilíbrio das empresas.

Mesmo empresas consideradas bem administradas, como é o caso da TAM e da GOL, não conseguem escapar dos choques que são gerados fora das suas áreas de controle.

Esses impactos inviabilizam praticamente qualquer previsão de planejamento estratégico das empresas, alteram significativamente os custos e, o que é mais complicado, provocam um desequilíbrio crônico entre receitas e despesas.

Para se ter uma idéia do tamanho dos prejuízos, basta lembrar alguns dados que fazem parte do cenário da aviação civil no ano de 2002.

No ano passado, as passagens aéreas subiram 45,9%, ao mesmo tempo em que o combustível teve um aumento de 134,72% e o leasing dos aviões teve uma alta de 57,82%. E, o que é pior, não era taxado e passou a sê-lo. Além disso, em relação ao ano de 2001, registrou-se uma queda na oferta de assentos nos aviões e o índice de passageiros transportados caiu em 9,1%.

Outro aspecto que merece consideração são as altas taxas que são cobradas aos viajantes pela utilização da infra-estrutura dos aeroportos e que estão entre as mais caras do mundo. No Brasil, essas taxas são 65% mais caras do que nos aeroportos dos Estados Unidos e 35% maiores do que as cobradas nos aeroportos da Europa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu diria que existem outros fatores. Por exemplo, o problema da escala. Todas as nossas companhias, juntas, representam dez por cento da maior empresa americana. Quando vamos comprar, fazer leasing, não temos poder de pressão para realizar um bom negócio.

Mas não basta isso. E o câmbio? As empresas tomaram dinheiro emprestado a um por um e, de repente, salta para três e o faturamento é irreal. Esse é outro problema sério, mas existe uma legislação que penaliza mais ainda, Senador Antonio Carlos Magalhães. Toda vez que compramos uma passagem, pagamos o imposto para as empresas regionais, o que aumenta o preço. É preciso, não tenha dúvida, que essas empresas regionais sejam instigadas, ajudadas a crescer, mas é um custo a mais.

Não é só isso. Ainda temos os problemas como o do leasing ter sido penalizado e se passou a cobrar impostos sobre ele. Sobre os aeroportos já falei. Existe, ainda, outra concorrência muito séria na área internacional. Na época da euforia, pedimos vários vôos para o exterior. A cada vôo que pedíamos era concedido um de retorno. Atualmente, há 162 vôos indo e vindo, mas só utilizamos 45, 50, no máximo. E as empresas americanas continuam realizando os vôos, pois para elas a diferença é pequena. Acabam fazendo dumping aqui e perdemos mais passageiros.

São muitas as razões. Todos estamos passando dificuldades. Voar com a sua bandeira, não tenha dúvida, é um orgulho. Para isso, a França investiu vários bilhões de dólares e sustentou a crise da Air France. Não foi diferente na Inglaterra, em Portugal, na Suíça ou com a Ibéria, mas no Brasil o Governo deixa as empresas, elas que se virem, quando não sugerem, como sugeriram, uma fusão, o que parece normal, se não estivesse na contramão, primeiro, do interesse público. Com a fusão, existirá uma única empresa detendo cerca de 70% do mercado. E aí, nós usuários estaremos muito mais reféns.

Estranho muito, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o Cade não esteja se manifestando contrariamente, tampouco o Ministério da Justiça. Estranho mais ainda a celeridade do processo de fusão, que espanta. A Varig está numa posição de inferioridade, que termina recebendo apenas 5% do valor da nova empresa. Ora, talvez pudesse haver a fusão. Quem sabe a fusão não seria boa? Mas os empregados têm cerca de R$3,5 bilhões. Há um encontro de contas já ganho, não na instância final, mas em primeira instância, de R$1,5 bilhão. Se somassem os dois valores, já seria um capital significativo, bem superior ao da empresa que teria a maior parte. Aí poderíamos ter a fusão sendo feita de 50% e 50%. Mas será que isso interessa à outra empresa, que está, neste momento, mais interessada em ter esse acervo dando apenas 5% em retribuição?

Portanto, esse é um fato sobre o qual devemos nos debruçar. Num País continental como o nosso, o poder nacional não admite não termos uma aviação própria. Imaginem uma crise na Amazônia. Como vamos mandar nossos soldados para lá? De navio? De carro? É impossível. Pela Aeronáutica, talvez, mas a Aeronáutica, à custa do Sivam, dos seus 750 aviões, possui apenas 50 voando. Então, não será também pela Aeronáutica, caso tenhamos que mandar uma quantidade de soldados à Amazônia. Precisamos das companhias aéreas.

Como tem sido feito nos Estados Unidos?

Lá, quando uma empresa vai comprar um avião, por exemplo, pelo lado de fora os aviões têm blindagem para onda de rádio; pelo lado de dentro, não. Por isso não se pode usar o telefone celular. Ao usar o telefone celular, podem ser destravadas as portas. Os americanos dizem: façam a blindagem também pelo lado de dentro, e pagam 30% do custo do avião, para usar caso haja conflito. Infelizmente não temos dinheiro para fazer isso, mas podíamos fazer um encontro de contas. Podíamos retirar impostos que eram retirados até a última Constituição. Quem não se lembra, nesta Casa, de quando os Governadores resolveram cobrar ICMS de todos nós e queriam cobrar 9%? Foi uma guerra conseguirmos 4%, mas foi só o rompimento do dique. A partir daí, foi imposto sobre imposto.

Soluções existem, e muitas, desde que o Governo pense em fazer, primeiro, justiça a uma companhia que é a bandeira do Brasil lá fora, no que se refere às empresas aéreas. Segundo, que o Governo se disponha a arrecadar menos. Lembrem-se de que, num País continental como o nosso, o poder nacional não pode ficar desfalcado de uma aviação civil nossa.

Fui ao Senado da Argentina, conversei com nossos companheiros de lá. A resposta que davam às minhas perguntas sobre a privatização das suas empresas - no caso, a deles foi comprada pela Ibéria: voltamos ao colonialismo. Aqui, para sairmos, temos de ir a Madri, de Madri é que se pode ir para outros cantos.

Foi péssimo, tanto é que estão nos forçando a fazer um acordo, e o Brasil e a Argentina passam a ter novamente uma empresa. É o sonho deles. Enquanto eles sonham em voltar a ter uma empresa nacional, estamos deixando que as nossas se desmanchem.

A fusão pode, por algum tempo, salvar. Agora, nesse ambiente hostil que acabei de descrever, nem Cristo, vindo como administrador da empresa, poderá administrar se não fizer muito milagre. Terá que fazer muitos milagres, porque o ambiente é hostil. E o que me espanta mais é que o Governo Federal faz de conta que não está vendo. Há quantos anos se arrasta aqui essa crise? Há quantos anos esta Casa tem conhecimento de que as nossas empresas estão enfraquecendo? A Varig tinha um patrimônio de 2 bilhões de dólares, nos tempos áureos. Hoje deve, depois de todas essas mudanças, 1 bilhão de dólares. É uma hemorragia grandiosa, e todos olhamos perplexos, mas não tomamos nenhuma decisão!

É preciso que o Senado e o Ministério da Defesa se posicionem e é preciso que o Cade olhe a questão, porque o grande prejudicado não será só o Poder nacional, mas também os que usam e precisam usar os serviços aéreos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/09/2003 - Página 25615