Discurso durante a 110ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

O papel do estado na economia brasileira.

Autor
Efraim Morais (PFL - Partido da Frente Liberal/PB)
Nome completo: Efraim de Araújo Morais
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • O papel do estado na economia brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 03/09/2003 - Página 25825
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, REFORMULAÇÃO, ADAPTAÇÃO, APERFEIÇOAMENTO, CAPACIDADE, ESTADO, EFICACIA, INTERVENÇÃO, ECONOMIA, FUNCIONAMENTO, MERCADO FINANCEIRO, MELHORIA, ATUAÇÃO, SISTEMA, BUROCRACIA, REGULAMENTAÇÃO, RELACIONAMENTO, INICIATIVA PRIVADA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, CLASSE POLITICA, CIDADÃO.

O SR. EFRAIM MORAIS (PFL - PB. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o objetivo de se proceder à reforma do Estado deve sempre ser o de construir instituições que fortaleçam o aparato do Estado para que este possa fazer o que deve fazer e evitar o que não deve fazer.

A teoria econômica mais moderna conclui que os mercados não são totalmente eficientes e que a intervenção do Estado pode melhorar as distribuições resultantes do mercado. O Estado desempenha um papel importante, não só garantindo a segurança física para cada cidadão e assumindo a realização de outras metas sociais, como também participando da promoção do desenvolvimento econômico. Porém, nada garante que a intervenção do Estado será efetivamente benéfica. Ao operar com a informação limitada e sob pressões de interesses especiais, os funcionários públicos poderiam ignorar como realizar ações que promovam o bem-estar geral, mais que o seu próprio ou o de seus aliados privados, ou simplesmente poderiam não querer empreendê-las. Por um lado, a tarefa da reforma do Estado consiste em equipar o Estado com os instrumentos para levar a cabo uma intervenção efetiva; por outro lado, consiste em criar incentivos para que os funcionários públicos atuem de acordo com o interesse público. Alguns desses incentivos podem ser obtidos por meio da organização interna do governo, porém estes não são suficientes. Para o governo ter uma boa atuação, a burocracia deve estar efetivamente supervisionada pelos políticos eleitos, que, por sua vez, devem prestar contas aos cidadãos. Em particular, os políticos devem utilizar o conhecimento que possuem os cidadãos sobre o funcionamento da burocracia para vigiar os burocratas; para tanto os cidadãos devem ser capazes de discernir sobre a responsabilidade desses burocratas e sancioná-los apropriadamente, de maneira que os governos que tenham um bom desempenho permaneçam no poder e aqueles que não o tenham não permaneçam no poder. Se estes mecanismos estão bem desenhados, uma economia com um Estado intervencionista gerará um melhor desempenho que uma economia de mercado funcionando por sua própria conta.

Podemos citar, para resumir o que dissemos, a afirmação de James Madison, na obra: O Federalista:

No desenho de um governo, através do qual os homens deveriam administrar homens, a grande dificuldade consiste em: primeiro, deve-se capacitar o governo para que controle os governados e, depois, obrigá-los que se controlem a si mesmos.

Faz-se necessário um esclarecimento. Muitos dos problemas vinculados ao desenho das instituições estatais surgem devido ao fato de que os políticos eleitos e os burocratas designados tenham interesses e objetivos próprios. Não estou afirmando que todos os funcionários públicos são motivados só por seus interesses pessoais. Sei que muitos se preocupam com o bem-estar público; de fato, existem boas razões para crer que muitos dos que ingressam no serviço público o fazem porque desejam servir ao público. Porém, o funcionamento das instituições não pode depender da boa vontade das pessoas que as integram. Como assinala Madison: “o objetivo de toda constituição política é - ou deve ser -, primeiro, indicar para governantes, homens que possuem a sabedoria para discernir e que sejam virtuosos para perseguirem o bem comum da sociedade; e, em segundo lugar, deve-se tomar as maiores precauções para conservá-los virtuosos no tempo que lhes é confiado o interesse público”.

Uma vez que entendemos que os mercados, inevitavelmente, são incompletos, e que os agentes econômicos têm acesso a informação diferente, descobrimos que não existe uma coisa equivalente ao “mercado”, mas somente sistemas econômicos organizados de maneira diferente. A mera linguagem de “mercado” sujeito a intervenções governamentais é enganosa. O problema que enfrentamos não é de “mercado” contra o “Estado”, mas o de instituições específicas que induzem os atores individuais - sejam eles agentes econômicos, políticos ou burocratas - a conduzir-se de uma maneira coletivamente benéfica.

Suponha que seu carro tenha estado fazendo ruídos raros. Vá a um mecânico, explique-lhe o problema, deixe o carro e espere o resultado. Um dia depois, o carro está pronto, e o mecânico lhe diz que necessitava de mudar os amortecedores e que foram necessárias cinco horas. Você paga e sai da oficina mecânica, o ruído acabou. Você escolhe o mecânico e pode recompensá-lo voltando sempre a ele se você está satisfeito com o serviço ou castigá-lo procurando outro mecânico se não está satisfeito. Mas há muitas coisas que os mecânicos sabem e que você ignora: por exemplo, se o mecânico queria fazer o trabalho da melhor forma possível ou se se esforçou o menos possível para fazê-lo, se o carro requeria uma reparação maior ou somente um ligeiro ajuste, se realizou o trabalho em uma hora ou em cinco. Você é o “principal”, ele é o “agente”. Você o contratou para atuar em seu interesse, mas sabe que ele tem seus próprios interesses. Pode castigá-lo ou recompensá-lo. Mas você terá que decidir o que fazer em condições de informações imperfeitas, dado que ele sabe coisas que você ignora e faz coisas que você não vê. O que você poderia fazer para induzi-lo a trabalhar para você tão bem quanto possível?

A economia é uma rede de relações diversas e diferenciadas entre classes particulares de agentes e principais: gerentes e empregados, proprietários e administradores, investidores e empresários, cidadãos e políticos, políticos e burocratas. O desempenho das empresas, dos governos e da economia, como um todo, depende do desenho das instituições que regulam essas relações. O que importa é se os empregados têm incentivos para maximizar seus esforços, se os administradores têm incentivos para maximizar os benefícios, se os empresários têm incentivos para somente correr riscos com bons resultados, se os políticos têm incentivo para promover o bem-estar público, se os burocratas têm incentivo para implementar as metas fixadas pelos políticos.

O desempenho de um sistema econômico depende do desenho de todas essas relações: entre o Estado e os agentes econômicos privados, entre os políticos e os burocratas, assim como entre os cidadãos e o Estado, os agentes privados devem beneficiar-se ao atuar de acordo com o interesse público e devem ser penalizados quando não agem assim, o mesmo se aplica para os burocratas e os políticos.

Feita esta introdução, hoje pretendemos discutir a relação entre o governo e os agentes econômicos, que denominamos de regulação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o papel do Estado é único, a singularidade de seu papel é derivada de sua ação ao estabelecer as estruturas de incentivos entre os agentes privados exercendo o seu poder coercitivo legalmente qualificado, mandando ou proibindo algumas ações por intermédio da lei e mudando os preços relativos através do sistema fiscal.

Este é um exemplo. Suponha que eu compre um seguro contra roubo de carros. Dirijo-me ao meu destino e posso escolher entre um estacionamento a umas quantas quadras do lugar a que me dirijo, em um local onde é provável que se roubem o carro. Como estou assegurado, corro o risco e estaciono no lugar mais perigoso. Agora entra em cena o Estado: cobra-me o imposto e o emprega para colocar um policial no lugar perigoso. Como resultado, o roubo de carros é menos provável, a companhia perde menos dinheiro e minha apólice diminui, mais que compensada pelo incremento do imposto. O Estado está inexplicavelmente presente em minha relação com a seguradora; apesar de nossa relação ser estritamente “privada”, está modelada pelo Estado. O Estado permeia a comunidade inteira; é um fator constitutivo das relações privadas. Os problemas de desenho institucional não podem ser evitados retirando o Estado da economia. Devem ser confrontados como tais.

A intervenção do governo na economia - por exemplo, o que se denomina regulação - não é um assunto simples nem se quer teoricamente, para não falar da prática. O problema genérico é o seguinte: a empresa regulada tem informação sobre algumas de suas condições, tais como seus custos de produção ou a demanda de seus insumos, que é superior à informação disponível para o governo - o “regulador”, entendido em termos amplos como os políticos eleitos ou os burocratas designados. Ainda mais, a empresa leva a cabo algumas ações que o regulador não pode observar diretamente, mas pode inferir da observação do produto ou da vigilância da empresa, incorrendo em um custo. O regulador tem a autoridade legal para estabelecer preços ou regras. Uma vez que a regulação se estabelece, a empresa decide se produz ou não e em que quantidade. O problema do regulador é estabelecer o menor intercâmbio entre os lucros da empresa e o excedente do consumidor. Dado que existem informação e ações ocultas, a regulação ótima não é possível. A empresa sempre obtém lucros. A regulação pode ser ótima só sujeita à informação disponível para o regulador; no mais se trata de uma “regulação de menor valor”.

Ademais, já que qualquer classe de intervenção governamental tem conseqüências distributivas, os diferentes grupos afetados pela regulação - empresas, indústrias, empregados, consumidores ou grupos de interesses - têm incentivos para buscar uma regulação que os beneficie e rechaçar uma regulação que os prejudique. Os reguladores, por sua vez, podem se beneficiar individualmente, ao oferecer a intervenção que pedem os agentes privados. Estas ambições privadas podem ir desde a simples reeleição até o enriquecimento dentro ou fora do cargo público. Como resultado, a regulação podia induzir laços clientelistas entre os reguladores e os grupos regulados. Até este ponto a regulação é “endógena”, em outras palavras se apresenta em resposta às demandas dos grupos potencialmente afetados por ela.

Como exemplo, consideremos uma situação simplificada Existem dois períodos. No primeiro período uma empresa, que é um monopólio natural pode ter custos altos ou baixos com determinadas probabilidades. Uma empresa com altos custos pode reduzi-los investindo, este investimento é socialmente benéfico. Um bom investimento governamental - aquele que maximiza o excedente do consumidor - ocorre quando o governo subsidia o investimento somente se a empresa tem altos custos no primeiro período, do contrário, o governo não deve pagar pelo investimento. Uma má intervenção é aquela na qual o governo não subsidia a empresa com altos custos ou subsídios a uma empresa com baixos custos e divide os lucros com a empresa.

O problema institucional é duplo: 1) como capacitar o governo para que realize uma boa intervenção? E, 2) como induzi-lo a atuar bem? Queremos hoje discutir a primeira questão, a segunda discutiremos em outra oportunidade.

Para ser capaz de realizar uma boa intervenção, o governo deve ter acesso à informação sobre os custos que enfrenta a empresa, legalmente deve ser capaz de estabelecer os preços para a empresa regulada (de maneira que o custo do investimento seja pago pelos consumidores) ou deve ser financeiramente capaz de subsidiar a empresa a partir dos ingressos que arrecada com os impostos. Porém, isto não é suficiente. A razão é que, ainda que a empresa receba os subsídio por parte dos consumidores ou diretamente do Estado, a empresa não investirá se não estiver razoavelmente segura de que os benefícios derivados do investimento não serão confiscados pelo Estado, uma vez que haja incorrido em custos abatidos. Suponha que a firma espere que seja mudada a equipe de governo e o novo governo lhe cobrará impostos pelos maiores benefícios. Então a empresa não investirá ainda que recebendo o subsidio e se o governo sabe que a empresa não investirá, então a intervenção governamental ótima no primeiro período, é não subsidiar o investimento, ainda que este seja socialmente benéfico. Neste problema, para que o governo seja capaz de promover um bom investimento, deve comprometer-se a não confiscar os benefícios da empresa no segundo período.

O problema do compromisso emerge do risco moral do principal. Ainda quando o governo deseja que a empresa invista, uma vez que a empresa realiza o investimento, o governo desejará cobrar-lhe impostos por estes benefícios. Portanto, os agentes não podem ficar seguros de que seu bom comportamento será recompensado, este problema está presente em muitas relações agente-principal, incluindo aquelas que são puramente privadas. Mas também é inerente às relações políticas. A fonte última da soberania política - exercida por um processo democrático - reside no “povo”, particularmente no Século XVIII. Isto implica que nenhum governo pode comprometer a todos os governos futuros. Não é possível outorgar uma garantia absoluta dos direitos de propriedade. Certo, os direitos de propriedade podem ser protegidos até certo ponto, pela Constituição. Mas as constituições não podem especificar tudo e devem deixar uma margem para a discricionariedade legislativa, bem como para a interpretação judicial. Além disto, ainda que o processo seja difícil, as constituições podem mudar, veja a nacionalização da indústria de cobre chilena através de uma emenda constitucional em 1970. Portanto, os direitos de propriedade são inerentemente inseguros.

Ainda que a subutilização dos recursos seja o custo desta insegurança, o compromisso nem sempre é ótimo. O perigo latente é que um governo em particular realize um mal compromisso, ou seja um que sirva a seus próprios interesses ou aos de seus aliados privados, mais que aos da nação.

Voltando ao nosso exemplo, um compromisso é socialmente benéfico, somente se o governo intervir bem durante o primeiro período, isto é se subsidiou a empresa com altos custos. Se o governo outorgou um subsídio à empresa com baixos custos, a empresa terá lucros às custas do público e caso se tenha comprometido a todos os governos futuros a não subir os impostos para a empresa, o novo governo não será capaz de recuperar estas rendas.

A diferença na estrutura temporal vinculada aos compromissos pode ser melhor vista invertendo uma analogia de Ulisses de Elster. No caso do bom compromisso, Ulisses antecipa, no primeiro momento, que escutará as Sereias no segundo momento e toma uma decisão antes de escutá-las. No caso de um compromisso ruim, já as escutou em um primeiro momento e se compromete influenciado por sua canção. E se os governos se prendem a si mesmo em respostas as pressões de interesses especiais, seu compromisso não será ótimo. Portanto, um ponto institucional central da reforma do Estado é capacitar aos governos para fazerem bons compromissos e evitar que façam compromissos ruins.

Ainda que os compromissos se associem a boas políticas não é fácil fazê-los confiáveis. Em diversos países os compromissos estão obrigados por: 1) a revisão judicial das decisões dos corpos regulatórios (prevalecendo nos Estados Unidos, onde 80% das decisões da Agência de Proteção Ambiental são disputadas nas cortes de justiça); 2) uma legislação altamente detalhada (a regulação chilena da eletricidade de 1980); 3) contratos entre o governo e empresas obrigatórios sob a lei contratual (por exemplo o COBEE boliviano desde 1912). É fácil argumentarmos que sem a revisão judicial das decisões regulatórias, o regulador tem excessiva discricionariedade. E afirmamos que isto é especialmente correto para os países como o Brasil onde a Constituição provê uma regulação presidencial das leis. Isto é, para implementar uma lei, se requer o decreto presidencial que regula a lei. Portanto, a única forma na qual a legislatura pode comprometer o Executivo é escrevendo uma legislação extremamente detalhada. Mas aqui aparece um paradoxo, se o sistema político gera maiorias e disciplina partidária, esta legislação detalhada pode ser derrubada quando a maioria legislativa for modificada. Por outro lado, quando o sistema político gera um sistema partidário altamente dividido tal legislação é difícil de superar, porém sua adoção também é extremamente difícil.

            Utilizou-se para todo o exemplo de regulação governamental um monopólio, porém, as mesmas observações se aplicam a outras formas de intervenção econômica. Idênticas considerações podem aplicar-se à regulação “social” de saúde, segurança, meio ambiente, emprego, etc. A intervenção do Estado pode ser superior a não intervenção quando o desenho institucional permite ao governo intervir na economia e nas seguintes condições: quando os governos têm informação sobre os agentes privados, quando têm instrumentos legais ou fiscais para regular e quando o marco institucional permite compromissos críveis.

Porém nenhuma destas condições garante que os governos intervenham de acordo com interesse público. A simples capacidade do Estado para intervir nos mercados é um espaço atrativo para a influência dos interesses privados e a simples habilidade de comprometer-se abre a possibilidade de pacto. Por isso, existem razões para esperar que a qualidade da intervenção estatal na economia dependa da organização interna do Estado, - em particular das relações entre políticos e burocratas -, e do desenho das instituições democráticas que determinam se os cidadãos podem controlar os políticos. Abordaremos esses temas em pronunciamentos futuros.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, queremos concluir esse pronunciamento afirmando que tudo quanto o que dissemos tem por desiderato, nesse momento em que tanto se discute o modelo de regulação implementado no País, demonstrar a seriedade e a complexidade do tema. Tememos que também nessa área sejam tomadas decisões açodadas, que assustem ainda mais os investidores _ que praticamente pararam de direcionar seus recursos para o Brasil _ e se condene o País à estagnação. Antes de destruirmos o modelo que aí está _ que evidentemente carece de alguns aperfeiçoamentos _ é importante refletirmos no que está sendo proposto o que é bom para o País e sua população no longo prazo, separando-o das propostas ideologicamente enviesadas, mas péssimas do ponto de vista prático, separando-o do que é medida de curto prazo com intenções eleitorais, e por fim, separando-o daquilo que não tem sustentação do ponto de vista da experiência brasileira e internacional. Fica o nosso alerta.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/09/2003 - Página 25825