Discurso durante a 111ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem a memória do Jornalista Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo.

Autor
Antonio Carlos Magalhães (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a memória do Jornalista Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo.
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/2003 - Página 25895
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ROBERTO MARINHO, JORNALISTA, EMPRESARIO, PRESIDENTE, REDE DE TELECOMUNICAÇÕES, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), RELEVANCIA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, BRASIL.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente José Sarney, Exmº Sr. Ministro Nelson Jobim, do Supremo Tribunal Federal, membros da Mesa, meu querido amigo João Roberto Marinho, que representa a família nesta solenidade, a vida me tem levado a grandes alegrias e muitos sofrimentos. Todos viram as minhas lágrimas quando do desaparecimento do meu filho, fato que até hoje me comove. Agora, perco um amigo, um amigo notável como Roberto Marinho, que me aconselhava e com quem trocava tantas conversas íntimas, sempre levando em conta os interesses não da sua organização, mas do Brasil.

Ele estará sempre ao meu lado quando eu me relembrar dessas conversas e do quanto pude crescer com as suas palavras de afeto e de encorajamento para as minhas lutas, principalmente num momento decisivo da minha vida, 04 de setembro de 1984, quando, da Bahia, dei um grito em relação ao regime militar que eu havia servido, mas que se esgotava, e não poderia mais prevalecer a maneira que o Presidente da época desejava. Roberto Marinho encorajou-me, e pude tomar uma atitude que marcou a minha vida e foi benéfica para o Brasil.

O homem Roberto Marinho era alguma coisa de diferente de qualquer outro. Sempre atribuiu a si próprio a obrigação de ser um obsessivo a olhar para o futuro. Segundo suas próprias palavras, trabalhava “pensando nos dias que virão”, em um teste permanente de competência. Essa marca está presente em suas decisões não só a de criar a TV, mas também a de fortalecer, a cada dia, o seu jornal, O Globo.

Embora a TV tenha tido maior ou tanta projeção - é a terceira do mundo -, ele tinha um amor especial pelo seu jornal. Todas as manhãs, ele se dirigia ao Jornal e, de lá, se dirigia ao seu escritório da TV Globo, onde sempre almoçava, ou com um amigo, ou com um de seus filhos, mas, sempre, no trato de assuntos ligados à vida brasileira.

Era um otimista. “Sou um otimista nato no trabalho, na vida; o que faço é convencido de que vai dar certo. Nenhum empresário que pretende dar certo deve pensar diferente”. Assim pensava Roberto Marinho.

Era um homem de coragem, como poucos que conheci em minha vida, embora essa coragem não se traduzisse por aquele aspecto sereno que apresentava. Era um homem de coragem. Pude assistir a alguns episódios de muita coragem em sua vida. Quando do Ato Institucional nº 2, o Ministro da Justiça, na sede do Ministério da Justiça, conclamava - e presenciei - a todos os diretores de jornal a agirem de modo autoritário com o propósito de tirar todas as pessoas de Esquerda, nem precisavam ser comunistas, de seus jornais. Era uma exigência do Regime Militar. Todos silenciaram. Então, surge Roberto Marinho, que se levanta, pede a palavra, e diz: “Ministro, isso não vai ser cumprido no em O Globo. Dos esquerdistas ou comunistas do meu jornal cuido eu. E eles são importantes para a imprensa brasileira e vão ficar lá”. Dizer isso, naquela época, era prova de coragem indômita. Depois dele, outros se pronunciaram, não com tanta firmeza, mas todos se pronunciaram apoiando as palavras de Roberto Marinho. Esse foi, talvez, um dos fatos mais importantes para a imprensa durante o regime militar. Assisti a isso e vi como era Roberto Marinho. Mas isso ele fazia de modo especial, sem ofender ninguém, sem que ninguém ouvisse uma palavra sua maior.

Eu, que convivi com ele tanto tempo, quero dar um testemunho, e desafio a quem quer que neste País tenha convivido com Roberto Marinho e que dele tenha ouvido um grito ou uma reclamação exagerada em suas palavras. Reclamava, sim, mas com serenidade. Desafio também quem o tenha visto perder sua autoridade, embora com esse feitio sereno. Não a perdia nem dela abdicava. Ele sabia comandar, com a serenidade dos verdadeiros comandantes, e sabia mandar, sem que a pessoa sentisse que ele estava mandando.

A sua preferência, como disse há pouco, era pelo jornalismo. Inclusive quando a ele se referiam como “o empresário Roberto Marinho”, ele não ficava zangado, mas franzia um pouco a testa, porque ele gostava de ouvir “o Jornalista Roberto Marinho”.

Dizia Roberto Marinho: “A clareza de exposição e a economia de palavras é que fazem um grande jornalista mas, principalmente, o apego aos fatos e à honestidade e um forte sentido de ética.” Nada disso faltava a Roberto Marinho. Era, portanto, um jornalista acima de tudo.

Foi um empresário vitorioso, é verdade, mas, sempre gostou, como acabei de dizer, de ser jornalista.

Ele foi o responsável pela formação de um conglomerado de empreendimentos que emprega 14 mil pessoas neste País, reunindo emissoras de rádio, televisão, jornais, portais de notícias na internet, produtoras de discos, editoras, empresas a cabo, tudo isso Roberto Marinho fazia com a coragem de um grande empreendedor.

Certa feita me contou que precisava, para fortalecer a TV, de um empréstimo bancário. De onde ele esperava, não saiu o empréstimo, e sim de onde ele não esperava. Para isso, deu como garantia a sua própria casa, uma das coisas que tanto estimava, onde vivia com a sua família. Foi sempre vitorioso, porque acreditava no que pensava e no que fazia.

O empresário.

Só a Fundação Roberto Marinho realizou mais de 80 projetos de preservação e valorização dos bens históricos e culturais brasileiros: igrejas, museus, conventos, casarões, teatros.

Por isso mesmo, sem que a Fundação Roberto Marinho participasse, quando restaurei o conjunto do Pelourinho, Patrimônio Nacional, não convidei o Presidente da República para a sua inauguração, mas, sim, Roberto Marinho, em 23 de março de 1993.

Quem vê o Projac não acredita que estejamos em uma TV brasileira. Talvez seja o maior projeto da América Latina, orgulho da TV Globo, mas, sobretudo, orgulho dos brasileiros. Roberto Marinho, como seus filhos, logo que foi inaugurado, tinha o prazer de convidar todas as pessoas para conhecerem aquele grande projeto, porque ali também estava demonstrada a grandeza da TV Globo.

Posso falar do amigo que não faltava e que também aconselhava quando se estava no caminho errado.

A nossa amizade é de quase 44 anos. Nunca tivemos uma divergência sequer. A ele devo muito, desde que cheguei ao Rio de Janeiro, como Deputado Federal, em 1959.

Sofro, juntamente com sua família, a perda desse homem, desse jornalista maior de sua época, desse empresário, um dos maiores do País, que construiu essa TV, orgulho não de seus proprietários, mas do Brasil.

Perco um amigo com quem convivi estreitamente.

Hoje compreendo, mais do que nunca, uma frase de Flobert: “Quando morre um amigo, morre também algo de nós mesmos”. Isso aconteceu comigo quando da morte de Roberto Marinho.

Era um verdadeiro líder; um líder realmente, que tinha coragem de comandar. Como disse um pensador, “sou líder e tenho que segui-los”. Assim, era Roberto Marinho: seguia a opinião de seus companheiros, mas seguia, sobretudo, a opinião pública nacional. Por isso, o seu jornal e a sua TV foram sempre grandes e hão de continuar a sê-lo até pela memória de Roberto Marinho.

Ele, como eu disse, não impunha, comandava. Viveu - e isso é muito importante que eu diga -, até o seu último dia, com o carinho de sua esposa, Dª Lily e de seus três filhos, Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto.

Recordo-me, pela coincidência de estar aqui o João Roberto, de que, quando nos encontrávamos, eu perguntava a ele sobre João Roberto: “Como vai o seu Luís Eduardo?” Ele, então, me perguntava: “E como vai o seu João Roberto?” Assim, tínhamos este tratamento tão importante para ambos: familiar e, sobretudo, afetivo.

Contarei um fato que mostra a grandeza de Roberto Marinho. Fui convidado por Tancredo Neves para ser Ministro das Comunicações. Tancredo, ao me convidar, disse: “Você já é o Ministro das Comunicações, mas quem vai convidá-lo é o Roberto Marinho”. Era a habilidade de Tancredo Neves, que telefonou para o Dr. Roberto Marinho e disse-lhe: “Você está incumbido de convidar o Antonio Carlos Magalhães para Ministro das Comunicações”. A resposta de Dr. Roberto Marinho, com todo o poder que tinha na área de comunicações, na imprensa, no setor de rádio e televisão foi: “Não, Tancredo, quem vai convidar é você mesmo, porque não vou diminuir a autoridade do Antonio Carlos”. Só um homem como Roberto Marinho seria capaz de dar uma resposta como essa.

Quanto à liberdade de imprensa, ninguém foi maior do que ele. Um dos oradores citou a sua presença sempre aqui no Planalto. É verdade, eu o acompanhei várias vezes ao Presidente José Sarney e conversávamos bastante, sempre após o jantar que os dois faziam sozinhos. Os assuntos sempre eram os do País, porque ele achava que o primeiro passo de um governo para chegar ao genocídio seria a supressão da liberdade de imprensa. Ele não admitia que não houvesse liberdade de imprensa, e o seu jornal refletia tudo isso.

Causa espécie - eu dizia isso, há pouco, a Colegas neste Plenário - que um homem que viveu 98 anos, que realizou tanto por este País, que criou tantas empresas, que a sua morte - 98 anos, repito - tenha causado surpresa. Só mesmo Roberto Marinho. Porque de um homem de 98 anos se espera a morte; mas, no caso de Roberto Marinho, ele não era imortal apenas por ser acadêmico, era imortal pelo que realizou em benefício deste País para a sua grandeza.

Tenho certeza de que o Brasil ainda está de luto, mas também tenho a certeza de que os seus filhos continuarão a sua obra. Unidos, como sempre, ficarão e vão continuar fazendo das Organizações Globo, da TV Globo e de todo o conglomerado, empresas que trabalharão a serviço do Brasil, porque eles têm o exemplo maior do que todos de Roberto Marinho.

O Boni dizia, com muita propriedade, que o Dr. Roberto é uma pessoa extraordinária, desprendida. Foi o primeiro empresário a acreditar realmente nos artista brasileiros, e se criou, no Brasil, uma plêiade de artistas que hoje causa inveja ao mundo inteiro.

Morre Roberto Marinho, e por isso cabe aqui uma frase dita por ele. Quando lhe perguntaram sobre a morte, disse: “Faz parte da vida, mas sempre vivi muito ocupado para pensar nesse assunto”. Nunca pensou na morte e por isso pôde realizar tanto.

O que me cabe agora, Srªs e Srs. Senadores, em nome do meu Partido, o PFL, é agradecer, na figura de seu filho aqui presente, o muito que Roberto Marinho fez pelo Brasil e pela democracia brasileira, e a certeza que temos de que vocês continuarão, pelo exemplo do pai, a honrar a sua memória.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/2003 - Página 25895