Discurso durante a 111ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem a memória do Jornalista Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a memória do Jornalista Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo.
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/2003 - Página 25898
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ROBERTO MARINHO, JORNALISTA, EMPRESARIO, PRESIDENTE, REDE DE TELECOMUNICAÇÕES, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador José Sarney, Ministro Nelson Jobim, demais integrantes da Mesa, familiares do homenageado, Srªs e Srs. convidados, Srªs e Srs. Senadores, dizem que um bom discurso deve conter necessariamente dois componentes: novidade ou/e originalidade. Lamento se vou frustrar os que me ouvem, porque não vou conseguir dizer coisas novas nem originais a respeito do Dr. Roberto Marinho. Farei apenas um esforço para não repetir clichês e lugares comuns. Mas eu não poderia deixar de, em meu nome e do meu Partido, sob pena de omissão imperdoável, registrar aqui esta manifestação.

Eu tinha que falar obrigatoriamente sobre um homem pelo qual sempre senti enorme fascinação à distância. Começou isso muito cedo - começou pela aversão, que evoluiu para a admiração. Aversão decorrente de uma paixão política juvenil, militante que eu era de esquerda, e via no Dr. Roberto o comandante daquele poderoso jornal - já então poderoso - de linha política contrária à minha. Lembro-me ainda hoje da raiva que eu sentia ao ler os editoriais de primeira página, da lavra daquele estilista primoroso que foi o Embaixador João Neves da Fontoura*, que me irritava sobretudo pelo brilho dos argumentos contrários às minhas convicções.

Com o tempo, esgarçou-se e arrefeceu meu fervor ideológico. E comecei a rever posições e a julgar melhor as pessoas. Passei, lentamente, a admirar aquele capitão de indústria excepcional que foi o dirigente das Organizações Globo.

Nos últimos anos, senti um desejo enorme de conhecê-lo e de me tornar seu amigo. Várias vezes, neste Senado, pensei em recorrer a amigos comuns para fazer essa aproximação, que nunca levei a cabo em razão de um escrúpulo. Tinha o receio de que essa iniciativa fosse encarada por ele como manifestação oportunista e interesseira de quem queria apenas abrir espaço em seus meios de comunicação. Arrependo-me de não ter feito isso e de ficar, assim, frustrado até hoje de não conhecê-lo melhor, por não ver a outra face daquele homem tão poderoso, sobre quem eu ouvia referências a respeito das virtudes que lhe esmaltavam a personalidade. Fiquei, portanto, sem oportunidade sequer de apertar-lhe a mão. Mas, hoje, penitencio-me por isso e rendo aqui homenagem a ele.

Um homem que foi, antes de tudo, um entrepreneur, palavra francesa que define com mais precisão e graça do que a nossa, “empreendedor”, aquilo que Roberto Marinho foi, não um empresário comum, mas aquele outro tão bem definido pelo economista Joseph Shumpeter, aquela figura de inovador, que, mais do que qualquer fator de produção, é o dínamo principal, responsável pelo impulsionamento de qualquer economia. É aquele que reúne um conjunto de qualidades excepcionais de determinação, de força de vontade, de visão empresarial, de espírito de inovação, de capacidade de comando e de liderança, que consegue realizar os seus sonhos e levar a economia para frente. Sem dúvida nenhuma, Roberto Marinho foi isso, como é universalmente conhecido.

A outra faceta da sua personalidade, tão exaltada por tantos também, esta rara no mundo empresarial brasileiro, foi a do mecenas, algo que é regra no empresariado americano e exceção entre nós. Devido a um fator cultural, quem sabe, é uma característica do empresário daquele país o mecenato. Isso talvez seja decorrente daquilo que foi a matriz que deu o vetor na formação da sociedade americana, a matriz dos primeiros colonizadores, dos pilgrims pioneiros, com origem na ética calvinista em sua pureza, a qual contém três elementos básicos: considerar que a prosperidade individual, longe de um pecado, é uma demonstração da graça divina; valorizar a poupança e condenar o luxo e a ostentação; e, finalmente, o senso de responsabilidade social que impõe o compartilhamento da riqueza adquirida com a comunidade.

Isso está entranhado na sociedade americana e vem de longe, já há quase 300 anos. Como lembrava, há pouco, a matéria de uma revista de circulação nacional, John Harvard deixava toda a sua fortuna para a grande universidade que leva seu nome, e isso continua com os grandes tycoons do século XIX. Assim foi com John Rockefeller, Henry Ford, J.P. Morgan, Cornelius Wanderbilt, todos eles associaram seus nomes a fundações que levaram grande parte da sua herança. E, recentemente, o dono da Microsoft deixa mais de 90% do seu patrimônio para uma fundação de pesquisa da Aids e da malária. Exceção no Brasil, Roberto Marinho foi o mecenas, com a fundação que também leva seu nome.

Por tudo isso, por tudo que já se sabe e que não vou repetir, porque o volume de manifestações a respeito dele já é torrencial, quase oceânico - hoje é difícil encontrar alguém que não o conheça -, não poderia, em meu nome e no do meu Partido, deixar de fazer este registro, em memória daquele homem que, em seu final de vida, foi abençoado com a longevidade lúcida e por se haver transformado naquilo que os italianos chamam o grande vecchio, a figura do ancião dotado de autoridade, a quem os amigos procuram para dele receber conselhos e ensinamentos.

De forma que deixo aqui a minha comovida homenagem àquele homem que, por esforço próprio, ergueu-se como um pico altaneiro e luminoso na freqüentemente árida planície empresarial e jornalística do nosso País.

(Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/2003 - Página 25898