Discurso durante a 111ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem a memória do Jornalista Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a memória do Jornalista Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo.
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/2003 - Página 25899
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ROBERTO MARINHO, JORNALISTA, EMPRESARIO, PRESIDENTE, REDE DE TELECOMUNICAÇÕES, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • SOLIDARIEDADE, FAMILIA, MEMBROS, REDE DE TELECOMUNICAÇÕES.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Dr. João Roberto, Ministro Nelson Jobim, demais autoridades presentes, Srªs e Srs. convidados, na qualidade de representante do Partido dos Trabalhadores, venho associar-me à homenagem que hoje é prestada, em sessão especial, à memória do jornalista e empresário Roberto Marinho, proprietário das Organizações Globo, recentemente falecido.

A melhor manchete no dia dos funerais de Roberto Marinho foi publicada em O Globo: “O homem que apostou no Brasil”.

E quem aposta num país implicitamente aposta nos seus cidadãos. Na competência deles. Nas suas aptidões. Na sua vontade e determinação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no caso do “doutor” Roberto, essa aposta no País e na sua gente foi sustentada durante décadas. A ponto de hoje, por ter apostado no Brasil, e só no Brasil, as Organizações Globo, criadas por ele, atravessarem momentos de dificuldades, como todo o setor de comunicações.

Mas temos certeza de que o mau tempo passará. Roberto Marinho, se estivesse vivo hoje, concordaria conosco. E continuaria apostando no Brasil, como sempre fez. A história desse homem único mistura ao mesmo tempo ousadia e cuidados, momentos de avançar rapidamente sobre seus objetivos e momentos de paciência, de espera, de observação.

Seu pai, Irineu Marinho, também jornalista por vocação irresistível, foi abatido pelo destino no momento culminante da sua vida. Acabara de lançar um novo jornal no Rio de Janeiro, O Globo. Desde a primeira edição, O Globo se caracterizava por seu aspecto inovador. Vinte e cinco dias depois, Irineu Marinho estava morto.

Roberto, o herdeiro, aos 21 anos, tinha a seu favor, na época, o modismo da precocidade. O Brasil e o mundo estavam povoados de exuberantes talentos precoces.Roberto Marinho teve a intuição ou a sabedoria de que era cedo demais para assumir o comando do jornal. Embora herdeiro e maior acionista, recolheu-se a funções subalternas. Sem pressa, foi descobrindo os segredos do jornalismo. Aprendeu todos, nos mínimos detalhes. Foi da revisão ao copidesque. Somente em 1931, aos 27 anos, considerou-se apto a assumir a direção de O Globo.

Na área da televisão, onde acabaria criando uma das emissoras mais importantes do planeta, também agiu com a necessária prudência. Já passava dos 60 anos quando inaugurou o Canal 4, a TV Globo do Rio de Janeiro. Acompanhara, é claro, o fracasso e outras empreitadas, avaliara os riscos do negócio, percebera que a televisão era de uma voracidade ainda maior do que de um jornal diário em se tratando de consumir investimentos. No entanto, enquanto outros empresários da mídia vacilavam, Roberto Marinho, no momento em que decidiu apostar na televisão, o fez com coragem, audácia e dinamismo nunca vistos. Durante décadas, tudo o que a Rede Globo arrebanhava em publicidade e promoções era reinvestido na emissora. Walter Clark, já falecido, dizia que esse era o segredo do “padrão Globo de qualidade”. O que entrava ficava na emissora na forma de equipamentos sofisticados e/ou na contratação do que havia de melhor na praça. Era sempre o estilo Roberto Marinho de administrar, apostando no potencial do mercado brasileiro.

Mas nem o jornal, as influentes rádios, nem a Rede Globo transformariam Roberto Marinho num mito, em que ele se transformou ainda em vida. Muito mais decisivo para a criação do “mito” Roberto Marinho foi, sem dúvida, sua extraordinária competência de responder rapidamente aos desafios que o poder colocaria diante dele.

Há histórias que já viraram lendas nesse relacionamento entre o doutor Roberto e o poder. Como as duas bofetadas na cara de um censor do Estado Novo de Getúlio Vargas. Ou o diálogo, presenciado pelo então Ministro da Justiça de Vargas, Tancredo Neves, nos dias tensos que antecederam o suicídio de Getúlio em 1954, entre o então jovem diretor da já influente Rádio Globo e o chefe da Casa Militar, General Caiado de Castro. O general pedia que os comentários da Rádio Globo fossem menos agressivos com relação ao presidente. Faço isso para que não tenha de fechar a rádio, disse o general. Roberto Marinho levantou-se e ia se retirando quando Tancredo Neves indagou: “Aonde o senhor vai?”. - Para a rádio, esperar o fechamento no local.

Bem mais tarde, após o golpe militar de 1964, os empresários de comunicação foram chamados para uma reunião com o Ministro da Justiça, Juracy Magalhães. Os militares estavam preocupados com a presença de esquerdistas e cassados políticos nas redações. Uma única voz se levantou. A de Roberto Marinho. Lembrou que o cassado perde seus direitos políticos, mas não o direito ao exercício da sua profissão, que sequer lhe pertence, mas à sua família que, para sobreviver, depende deste direito. Nessa ocasião, teria pronunciado uma das suas frases célebres: “Os senhores cuidem dos seus comunistas que nós cuidamos dos nossos”.

Roberto Marinho sempre atuou como jornalista e como homem de opinião.

Seu posicionamento político sempre foi muito claro, definido, sem sofrer quase alteração ao longo de sua intensa vida intelectual. Foi conservador em política.

Em economia, foi liberal, favorável aos mecanismos de mercado, contra o protecionismo, favorável a integração brasileira à economia internacional. Fez duras críticas ao capítulo econômico da Constituição de 1988, que, segundo ele, favorecia a autarquização do Brasil, baseado que era em concepções nacionalistas ultrapassadas. O que não o impediu, durante um certo tempo, de apoiar discretamente a candidatura Mário Covas à Presidência da República, mesmo sendo Covas um dos artífices da nova ordem econômica preconizada na Constituição.

Fiel a seus princípios, foi opositor de João Goulart, denunciou a comunização do País, e apoiou o golpe de 1964.

Dizem que Collor, então governador de Alagoas, assustou-se com o destaque que o Jornal Nacional estava dando à sua cruzada contra os famosos “marajás”. Collor se abalou para o Rio e pediu uma audiência com o doutor Roberto, com quem nunca tinha conversado a sós. Entrou, e bem ao seu estilo, começou falando: “Doutor Roberto, eu ouço dizer que o senhor está me preparando para a próxima eleição presidencial. Eu gostaria de dizer que não tenho nada contra”. Dr. Roberto Marinho explodiu numa grande gargalhada.Mais um episódio que também entra para o rol das lendas envolvendo doutor Roberto.

Em entrevista no próprio O Globo, ele explicaria, com palavras bastante sóbrias - e sérias - esse suposto poder de fazer e desfazer presidenciáveis e até presidentes: “Não é verdade que eu exerça poder político hegemônico e menos ainda que o faça em caráter pessoal. A orientação que imprimo aos veículos que me cabe dirigir visa estritamente à defesa do que julgo serem os reais interesses do País e dos caminhos a serem trilhados para que se possa alcançar o bem-estar do povo”.

Em outra ocasião, ao receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Gama Filho, doutor Roberto Marinho declarou: “Utilizando-se a força dos meios de comunicação, pode-se talvez vencer, mas não convencer. O convencimento exige diálogo. E este implica consulta à opinião da coletividade”.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o fato é que acompanhar aspectos da vida do homem que hoje homenageamos é revisitar a história do Brasil no século XX.

E eu, pessoalmente, tenho motivos para acreditar na sua sinceridade e honestidade quando fala do seu poder e do poder da mídia.

Em nome do Partido dos Trabalhadores, em nome de todos os Senadores, quero prestar minhas homenagens à família Marinho, D. Lily, Sr. João Roberto, Sr. José Roberto, Sr. Roberto Irineu, netos, bisnetos, extensivas a todos da família das Organizações Globo.

Ao nosso companheiro Roberto Marinho queremos dizer que continuaremos, com certeza, a apostar no Brasil.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/2003 - Página 25899