Discurso durante a 111ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem a memória do Jornalista Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo.

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a memória do Jornalista Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo.
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/2003 - Página 25900
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ROBERTO MARINHO, JORNALISTA, EMPRESARIO, PRESIDENTE, REDE DE TELECOMUNICAÇÕES, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente do Congresso Nacional, nobre Senador José Sarney, demais membros da Mesa, Srªs. Senadoras e Srs. Senadores, Sr. Ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim, Sr. João Roberto Marinho, representante da família e dos amigos neste momento importante da história do Congresso e do País, uma vez o Senador José Sarney contou uma passagem que eu gostaria de utilizar neste momento: um ilustre personagem da história do País disse que tinha escrito um discurso extremamente detalhado, elaborado e longo, que estava tão bom que ele ia deixar para ler em casa. Eu farei o mesmo. Prefiro correr o risco de falar de improviso, seguramente sem o talento do jornalista Roberto Marinho, mas falar como ele encaminhava as suas mensagens, de forma concisa, direta e franca, da forma com que sinto na minha consciência e no meu coração esta homenagem e a relação que tive, ao longo da nossa história, com a instituição da Rede Globo.

Nascer e morrer faz parte do cotidiano da vida das pessoas. Isso é da natureza da vida. No entanto, a morte de uma figura como Roberto Marinho é muito mais do que o cotidiano.

Seguramente, é de uma imensa importância histórica para o nosso País. Acho que todos concordam que ele parte carregado de obras, de glórias e de uma imensa e talvez a maior das responsabilidades: o trabalho intelectual de quem interferia na consciência dos homens e na identidade de uma Nação. Essa não é uma responsabilidade qualquer, talvez seja a mais difícil, a mais temida e a mais relevante.

Foi um homem que atravessou pelo menos 70 anos da nossa história, sempre presente nos fatos mais relevantes da vida pública, interferindo, acompanhando, participando, alterando processos extremamente relevantes para a vida da nossa sociedade.

Se olharmos para o dia-a-dia da população, para o esporte, está lá a Rede Globo com o Esporte Espetacular. Como dizia Nelson Rodrigues, “a Seleção é a Pátria de chuteiras”. Não tem coisa que dê mais coesão à identidade nacional do que os momentos a que assistimos aos jogos da Seleção, motivação para tantas outras práticas esportivas.a

Se analisarmos as nossas telenovelas, elas expressam o nosso talento, a nossa cultura, a nossa história.

Somos um País de língua portuguesa, cercado de espanhol por todas as partes, e com uma influência crescente do inglês. Preservar a nossa cultura, a nossa identidade é fundamental para preservar a razão de ser da nossa sociedade, da nossa forma de viver, dos nossos costumes, das nossas tradições, das nossas raízes. E a Rede Globo tem um papel decisivo na construção dessa identidade e na preservação desses valores.

Se analisarmos o patrimônio cultural do País, a Fundação Roberto Marinho tem uma participação ativa, relevante e destacada. Se analisarmos a vida pública, não há fato que não tenha tido a marca do Jornal Nacional e de todo o complexo de comunicações da Rede Globo. A nossa vida cotidiana, política passa pela CBN, pela Globo News, pelo Jornal Nacional, pelo O Globo, pelo Diário de S.Paulo, enfim, pelo impacto que esse complexo de comunicações tem na vida política e na vida pública do País.

Por isso tudo, pela grandeza de sua obra, citarei uma passagem do jornalista Roberto Marinho ao fazer um discurso franco:

“Utilizando-se a força dos meios de comunicação pode-se, talvez, vencer, mas não convencer. O convencimento exige diálogo e este implica consulta à opinião e à coletividade.”

Uma segunda passagem:

“Sou um democrata que sempre respeitou a livre expressão do pensamento e das idéias, mesmo quando elas são inteiramente contrárias às minhas.”

Ao longo da minha história de vida, foram muitos os momentos em que as opiniões do jornalista Roberto Marinho eram contrárias às minhas convicções, aos meus princípios e aos meus compromissos. Em alguns momentos, foram até dolorosos, pelo impacto que esse complexo de comunicação tinha sobre a vida pública. Mas repito esta afirmação: “o respeito à liberdade de expressão e do pensamento, mesmo quando são contrários aos meus”.

E vou dar o meu testemunho de que o que ele disse é o que de fato acreditava.

Estávamos na CPI do Collor, em meio a um momento extremamente delicado da vida pública nacional, quando eu, e o hoje, Presidente Lula, tivemos uma audiência com o Sr. Roberto Marinho. Foi o primeiro encontro do PT com o Sr. Roberto Marinho.

Houve um diálogo longo, difícil, franco, onde coisas que jamais tinham sido ditas foram ditas. 

E o que mais me impressionou foi a colocação que o Presidente das Organizações Globo, Sr. Roberto Marinho, recebendo neste instante, todas as nossas homenagens, disse ao Evandro, um jornalista que ele chamou para participar da reunião: “Publica tudo”. O jornalista questionou: “Tudo, Sr. Roberto Marinho?” “Tudo”, respondeu ele. “Mas, tudo mesmo?” “Tudo, exatamente tudo. Aquilo que você achar que é impublicável, amanhã estará nos nossos jornais” - respondeu. E tem duas páginas que contam a franqueza e o diálogo dessa conversa que foi um momento muito importante da história.

Quero dizer, com esse episódio, que a coisa mais importante da vida de uma sociedade - e que tenho certeza de que é um compromisso para o futuro das Organizações Globo - é a democracia, a liberdade de expressão, o contraditório, o pluralismo, a tolerância.

É isso que faz a vitalidade de uma sociedade civilizada. 

Talvez, as Organizações Globo, em muitos momentos da história, impulsionaram o processo da democracia, da construção da ética na política e da cidadania. Em outros, talvez, tenham retardado o processo. Mas, analisando a história, a democracia não seria o que é, a nossa identidade nacional não seria o que é sem a presença das Organizações Globo. Elas ajudaram decisivamente no avanço do processo civilizatório em nosso País, mas a sociedade civil brasileira e o debate democrático ajudaram, decisivamente, a mudar a Rede Globo.

Nós mudamos muito - e acho que para melhor - e tenho certeza de que a Rede Globo também mudou muito ao longo desses anos - e também mudou para melhor. A mudança que passamos, a história do Presidente Lula, do nosso Partido, do nosso lugar na sociedade e o lugar das Organizações Globo foi para melhor porque mudamos com a democracia, com a cidadania, com o exercício da liberdade de expressão, do contraditório e do debate.

Por isso, faço, com a mais sincera expressão dos meus sentimentos e da minha consciência, uma homenagem a esse homem, a essa obra e a essa história.

As nossas divergências são pequenas diante do que representou e o que pode representar as Organizações Globo para construir uma sociedade democrática, plural, livre e cidadã.

E repito agora o que disse no momento em fomos informados da sua morte: “A morte faz parte do cotidiano da vida, mas o nascimento de personalidades como Roberto Marinho, definitivamente, não é uma rotina. Ela foi fundamental para a construção de uma imprensa moderna, competente e, sobretudo, livre”. 

Seguramente, há alguns anos, eu não estaria presente a esta homenagem. Hoje, estou convicto de que estou coerente com a minha história, com a minha consciência, com o sentimento do povo brasileiro e com a construção da democracia no Brasil.

Obrigado.

(Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/2003 - Página 25900