Discurso durante a 112ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Anúncio da apresentação de emenda à proposta de reforma da Previdência, para transferir para os estados, o Distrito Federal e os municípios a atribuição de estabelecer as regras de cobrança e as alíquotas da contribuição previdenciária de servidores públicos ativos, inativos e pensionistas.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Anúncio da apresentação de emenda à proposta de reforma da Previdência, para transferir para os estados, o Distrito Federal e os municípios a atribuição de estabelecer as regras de cobrança e as alíquotas da contribuição previdenciária de servidores públicos ativos, inativos e pensionistas.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/2003 - Página 26051
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, DEBATE, SENADO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, LEITURA, JUSTIFICAÇÃO, EMENDA, AUTORIA, ORADOR, TRANSFERENCIA, RESPONSABILIDADE, ESTADOS, MUNICIPIOS, DISTRITO FEDERAL (DF), DEFINIÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, SERVIDOR PUBLICO ESTADUAL, SERVIDOR PUBLICO MUNICIPAL, APOSENTADO, PENSIONISTA, PRESERVAÇÃO, AUTONOMIA, DESCENTRALIZAÇÃO, FEDERAÇÃO, LIMITAÇÃO, ALIQUOTA, VALOR, SALARIO, INCIDENCIA, GARANTIA, CONSTITUCIONALIDADE.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no momento em que chega a esta Casa, para deliberação, a reforma da previdência, faço uma ponderação que é do mais alto interesse do Senado Federal, qual seja, a de discutirmos sem emoções, mas com objetividade, matéria tão importante, que vai repercutir no futuro deste País.

Sabemos que a reforma da Previdência é necessária. Sabemos que existe um déficit descomunal a ser corrigido. Sabemos que existem privilégios que têm que ser subtraídos. Sabemos que existem injustiças que devem ser corrigidas.

Sr. Presidente, quero crer que, sendo eu um Senador da base do Governo, tenho o dever e a obrigação de alertar, de sugerir, de ajudar naquilo que for possível, não somente no intuito de preservar a imagem da coerência deste Senado e a do próprio Governo como também reafirmar nossa posição de confiança neste Senado Federal, que vai se debruçar sobre matéria tão relevante como a da Previdência com muita responsabilidade e interesse no sentido de que, hoje, a Previdência, que não dá segurança aos seus segurados, amanhã possa promovê-la.

Com esse intróito, Sr. Presidente, já comuniquei à Liderança do Governo, ao nosso Líder do Bloco do Governo, Senador Tião Viana, que vou apresentar e tentar aprovar na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e, conseqüentemente, no Plenário do Senado, uma emenda à reforma da Previdência, que vai traduzir, sem dúvida alguma, se aprovada, os reclamos de muitos Parlamentares que estão aí assumindo responsabilidades - inclusive eu - que não deveriam ser nossas e sim dos Estados, das Assembléias Legislativas, dos Governadores, dos Municípios, dos Prefeitos e dos Vereadores. A contribuição dos servidores públicos dos Estados e dos Municípios é um caso típico. Estaríamos ferindo a autonomia dos Estados e Municípios se mantivéssemos um dispositivo estabelecendo as regras e o valor da alíquota correspondente a ser cobrada dos funcionários públicos ativos, inativos e pensionistas.

Ora, como vivemos em uma Federação, sabemos que os Governadores reclamam a respeito da quebra da autonomia. Os Governadores, vez por outra, estão dizendo que a União só pensa em tirar proveito de uma reforma tributária para aumentar a sua receita em detrimento da dos Estados. Isto é invasão de autonomia, com a criação de contribuições, como a CPMF, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, a Cide - contribuições criadas no passado e que visam contornar as dificuldades da divisão do bolo tributário. O Dr. Fernando Henrique Cardoso foi professor em aumentar o bolo tributário criando contribuições, inclusive a CPMF, que era provisória, deveria vigorar por um ano - inclusive eu a assinei - se tornou um tributo quase que permanente em seu Governo.

Por isso, Sr. Presidente, passo a ler, para o conhecimento da Casa e desta Nação, o inteiro teor da Emenda, à qual já dei entrada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania:

Art. (...) Compete exclusivamente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer as regras de cobrança e fixar as alíquotas correspondentes à contribuição previdenciária dos seus servidores ativos, inativos e pensionistas.

§ 1º. No caso da fixação de alíquotas que venham a incidir sobre os valores das pensões ou proventos da aposentadoria de servidores, a proposta deverá ser aprovada por, no mínimo, três quintos dos membros da respectiva Casa Legislativa, em dois turnos de votação.

§ 2º. A contribuição previdenciária, em qualquer caso, observará, obrigatoriamente, ao disposto no art. 4º, parágrafo único, inciso I desta Emenda Constitucional e sua alíquota não poderá ultrapassar o percentual estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos da União.

Em resumo, Sr. Presidente, o que quero dizer com esta Emenda é que será responsabilidade exclusiva dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios estabelecer políticas de previdência, inclusive fixar alíquotas com relação aos seus servidores ativos, inativos ou pensionistas.

E, para a aprovação da proposta no Estado ou no Município, cada Casa Legislativa terá que ter o quorum de três quintos, no mínimo. Além do mais, a votação deverá se processar em dois turnos, como, aliás, acontece nesta Casa quando da apresentação ou da tramitação de emenda constitucional.

Por outro lado, a contribuição previdenciária, se a Assembléia ou a Câmara aprovar, a mando do Governador ou do Prefeito, incidirá somente sobre salários acima de R$1.200,00, como, aliás, está na proposta do Governo Federal, que tramitou na Câmara e que agora está no Senado. Também a alíquota correspondente não poderá ser superior ao estabelecido pela União. Isto é, não poderá ser superior a 11%. Há Estados que cobram de 14% a 15% da alíquota de seus servidores.

Sr. Presidente, faço questão de ler a justificação, na íntegra, para conhecimento de todos:

O objetivo da presente Emenda é o de atribuir competência aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para estabelecer (ou não) a contribuição previdenciária dos servidores ativos, inativos e pensionistas, respeitados alguns limites, quais sejam, de que a contribuição somente incidirá acima do teto de R$1.200,00 e que alíquota não ultrapassará o percentual fixado para os servidores efetivos da União.

Com clarividência, somente os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem estabelecer suas regras, pois, como é sabido, somente levando-se em consideração as circunstâncias locais é que a legislação melhor cumprirá a sua finalidade disciplinadora.

Ora, se por um lado alguns Estados e Municípios se queixam da pouca margem de manobra para investimentos, em decorrência direta da grave situação financeira pela qual atravessam, inclusive com dificuldades de observar os limites com gasto de pessoal previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, por outro lado, alguns outros Estados e Municípios fazem questão de divulgar sua política de austeridade fiscal e de gastos públicos adotada nos últimos anos, capaz de deixar as contas públicas saneadas.

Ademais, não se pode deixar de reconhecer que existe uma multiplicidade de variáveis para a gestão de pessoal por parte de cada governo de Estado ou Município, diferenciando-se desde o número de servidores, ativos ou inativos e pensionistas, até a maior ou menor remuneração desses.

O princípio aqui é simples: o princípio da igualdade não está fundado na premissa de se tratar desiguais de maneira isonômica, mas, pelo contrário, é necessário reconhecer a desigualdade fática existente e tratá-los em suas desigualdades, buscando a igualdade.

Não se pode deixar de registrar que o Brasil adota a forma federativa de Estado. Trata-se de uma descentralização vertical e espacial de poder, de modo que os três níveis da Federação brasileira dispõem a seu favor de autonomia, isto é, capacidade de auto-organização e autogoverno, ou seja, com capacidade para que o gerenciamento da coisa pública se dê no âmbito local, com geração própria e independente de recursos econômico-financeiros, além da autonomia política (eleição de representantes legislativos e executivos) e autonomia legislativa, em que as leis são produzidas por órgãos locais (Assembléia Legislativa e Câmara de Vereadores).

Ora, a forma federativa de Estado se dá na medida em que as particularidades locais são valoradas de tal modo que as soluções devem ser encontradas partindo-se do particular para o geral. No caso brasileiro, a característica maior do Estado Federal é a existência de multiplicidade de direito administrativo interno. Não se pode, portanto, regredir nesse diapasão!

As competências dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal foram fixadas pelo Constituinte originário, sendo certo que o poder constituinte derivado não pode ser capaz de macular a forma de descentralização administrativa adotada.

Por seu turno, a forma como os Estados e Municípios devem se auto-organizar administrativamente, na qual adentra a esfera da política de gestão de pessoal e de cobrança tributária - é pedra fundamental da salvaguarda da Federação brasileira.

Portanto, a presente emenda também tem o objetivo de espancar o vício de inconstitucionalidade existente na PEC, na medida em que, partindo-se do pressuposto de que a lei nacional pode estabelecer a previsão de cobrança da contribuição previdenciária sobre os proventos dos inativos e pensionistas - questão bastante controvertida, visto que muitos juristas de renome apontam pela sua inconstitucionalidade, e o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, assim se manifestou no bojo da ADIN nº 2.189 -, a eventual instituição (ou não) dessa contribuição deve respeitar a autonomia dos Estados e dos Municípios, isto é, levar em conta a conveniência e a oportunidade de se adotar essa medida pela Administração Pública de cada Estado, Município e do Distrito Federal.

Portanto, Sr. Presidente, o nosso objetivo é a salvaguarda da Constituição, é o direito da autonomia do Estado e o direito da autonomia do Município em gerir a sua administração e estabelecer ou não - se for o caso - o regime de contribuição dos seus funcionários públicos.

Concedo o aparte ao Senador Alvaro Dias.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Antonio Carlos Valadares. V. Exª granjeou admiração e respeito no Senado Federal exatamente pelo comportamento de seriedade - um Senador estudioso, competente e leal aos compromissos assumidos com a sua população. Fico satisfeito ao ver V. Exª defendendo mudanças na proposta de reforma da previdência, que vem da Câmara dos Deputados, mudanças necessárias. O projeto que vem da Câmara não atende às expectativas da Nação, e o Senado tem a responsabilidade de fazer ecoar essas expectativas. Causa-nos espanto verificar que alguns querem praticamente extinguir o Senado Federal, que teria apenas a função da homologação. Não podemos alterar, porque a proposta retorna à Câmara dos Deputados. Surpreendeu-me o Líder Tião Viana ao afirmar que a proposta da Câmara deveria ser aprovada porque é fruto de ampla discussão com a sociedade. Discordo. Não houve uma ampla discussão com a sociedade, em primeiro lugar, e ela não atende às expectativas da sociedade. O próprio Presidente da República cometeu equívoco ao afirmar que, em sete meses, o Governo aprovou a reforma da previdência. Não a aprovou, pois não passou pelo Senado Federal. Não há a conclusão dos procedimentos para que a reforma possa ser considerada aprovada. Senador Valadares, certamente teremos oportunidade de um debate proveitoso, a fim de que as expectativas do povo brasileiro possam ser alcançadas com as alterações que se fazem necessárias na proposta aprovada pela Câmara dos Deputados. Ontem, apresentei duas emendas e ainda vou apresentar outras. O nosso Partido, o PSDB, prepara-se para apresentar emendas. As audiências públicas deverão ser realizadas na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Temos que discutir com as universidades, com os servidores públicos, com os sindicalistas, com os trabalhadores e os empresários do País. Não basta discutir com os Estados, com os Municípios, por intermédio da liderança da União. É preciso que a sociedade realmente seja ouvida, porque estamos elaborando uma proposta de reforma da previdência que diz respeito ao futuro de todos os brasileiros. É uma reforma que deveria ser utilizada como instrumento precioso para a distribuição de renda, porque, lamentavelmente, o Brasil ostenta índices de distribuição de renda sofríveis, colocando-nos numa situação de vexame internacional nesse aspecto. Animo-me ao ver V. Exª. defendendo alterações com esta proposta de emenda constitucional.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Agradeço a V. Exª, Senador Álvaro Dias, as palavras gentis pronunciadas a meu respeito. Sei que V. Exª é um Senador que tem idéias avançadas sobre o desenvolvimento do nosso País, conhece melhor do que ninguém o servidor público, porque foi Governador de Estado - aliás, um grande Governador -, e, aqui no Senado Federal, nesses últimos quatro anos, com a nossa convivência, pude constatar em V. Exª o alto grau de responsabilidade, o espírito de visão, a ótica positiva que tem da administração pública quando praticada de forma democrática, com a participação das duas Casas do Congresso Nacional - da Câmara e do Senado.

Portanto, V. Exª tem razão quando diz que nenhuma reforma chega ao final e pode ser promulgada sem o “aceite-se”, sem o “aprove-se” das duas Casas. Aliás, como se trata de uma reforma, exige consenso, entendimento. Todo os entendimentos havidos na Câmara para aperfeiçoar as matérias, tanto a previdenciária quanto a tributária, são essenciais para se alcançar justamente o que o povo brasileiro quer: uma reforma consentida, aprovada e aceita por toda a sociedade.

Senador Álvaro Dias, V. Exª falou em lealdade. Como ajo sempre com lealdade, em uma reunião que tive com a Bancada que apóia o Governo e da qual faço parte, pois sou líder do PSB e integro o Bloco do Governo, na presença do Ministro José Dirceu, eu disse que apresentaria esta emenda, mostrando que o Senado não poderia deixar de apreciar não só esta matéria, como também outras, e discutir tudo que vem da Câmara, sob pena de anularmos a função específica do Senado Federal, uma vez que esta Casa não pode ser confundida com um cartório da Câmara dos Deputados, não pode ser um mero carimbador daquilo que foi aprovado naquela Casa, com todo o respeito que temos aos Srs. Deputados.

Portanto, Sr. Presidente, ao terminar minhas palavras, quero que esta emenda não seja interpretada apenas como uma tentativa de restabelecer e de fixar responsabilidades para Estados e Municípios - que, aliás, são previstas em nossa Constituição -, de prestigiar o direito à autonomia dos entes federados, mas também e, em resumo, como a prestação de um serviço ao Governo de Lula, que não pode, de forma alguma, ser imerecidamente taxado - conforme está sendo - como responsável pela cobrança disso e daquilo de funcionários públicos, nos Estados e Municípios, onde a União não tem poder de administração. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/2003 - Página 26051