Discurso durante a 114ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração do Dia da Amazônia. Preocupação com a propaganda que incentiva o consumo de álcool.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE. SAUDE.:
  • Comemoração do Dia da Amazônia. Preocupação com a propaganda que incentiva o consumo de álcool.
Aparteantes
Geraldo Mesquita Júnior, Marcelo Crivella.
Publicação
Publicação no DSF de 06/09/2003 - Página 26315
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE. SAUDE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, FLORESTA AMAZONICA, APREENSÃO, INEFICACIA, POLITICA DO MEIO AMBIENTE, IMPEDIMENTO, CONTRABANDO, RECURSOS FLORESTAIS, DESMATAMENTO, QUEIMADA, FLORESTA, IRREGULARIDADE, DEMARCAÇÃO, TERRAS.
  • REGISTRO, NECESSIDADE, INCLUSÃO, FLORESTA AMAZONICA, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, BRASIL, AUMENTO, INVESTIMENTO, CIENCIA E TECNOLOGIA, MELHORIA, UNIVERSIDADE, IMPEDIMENTO, APROPRIAÇÃO INDEBITA, PAIS ESTRANGEIRO, RECURSOS NATURAIS, REGIÃO AMAZONICA.
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESPANHA, SEMINARIO, ANALISE, EFEITO, PUBLICIDADE, BEBIDA ALCOOLICA.
  • REGISTRO, CONTRIBUIÇÃO, PROPAGANDA COMERCIAL, AUMENTO, CONSUMO, BEBIDA ALCOOLICA, JUVENTUDE, CRITICA, PUBLICIDADE, UTILIZAÇÃO, ESPORTE, MUSICA, CULTURA, DIVULGAÇÃO, PRODUTO, AUSENCIA, ADVERTENCIA, CONSUMIDOR, BEBIDA, POSSIBILIDADE, DEPENDENCIA QUIMICA, PREJUIZO, SAUDE.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Geraldo Mesquita, Srªs e Srs. Senadores, hoje é um dia muito especial para nós, amazônidas.

Hoje, comemoramos, com um sentimento que mistura alegria, entusiasmo e, ao mesmo tempo, um pouco de tristeza e desânimo, o Dia da Amazônia.

Sentimos alegria e entusiasmo quando percebemos que a Amazônia é uma dádiva de Deus; talvez a obra divina das mais importantes não só para o Brasil, mas para toda a humanidade. Com suas inesgotáveis riquezas hídricas, os seus abundantes recursos minerais, sua cobiçada biodiversidade, sua cultura e, principalmente, o seu povo, a Amazônia, certamente, será o celeiro das mais prósperas e importantes incursões humanas deste milênio que ora iniciamos.

Sentimos também nesta importante data um sentimento de tristeza. Não podemos, de maneira nenhuma, desprezar o fato de que a Amazônia, ao lado de seus inumeráveis atributos, tem sido subestimada pela sanha do capitalismo predatório.

Sr. Presidente, Senador Geraldo Mesquita Júnior, todos nós que nos interessamos pelas questões da Amazônia somos testemunhas da forma equivocada como vem sendo tratado esse patrimônio. Queimadas, desmatamentos indiscriminados, conflitos fundiários são algumas das expressões ou reflexos da falta de políticas públicas sérias que contemplem, de forma adequada, não só os recursos econômicos da Amazônia, mas o homem da Amazônia.

Sempre disse e repito: a Amazônia não é somente um patrimônio mineral ou hídrico. A Amazônia é, ou deveria ser, o homem que lá vive. São os ribeirinhos, os índios, os quilombolas, os seringueiros, os colonos, os povos das serras, meus queridos lavrados de Roraima e todos aqueles que formam o que chamaria de “espírito da Amazônia”. Sem essas pessoas, a Amazônia seria somente uma enorme área para a realização de uma fria geração de riqueza, esvaziada de qualquer conteúdo humanístico.

Portanto, devemos frisar, neste dia muito especial para nós, amazônidas e brasileiros, que devemos, antes de qualquer iniciativa exploratória e predatória da Amazônia, socorrer primeiramente os seres humanos que lá vivem.

Por isso, no meu sentir, hoje deveria ser também o dia do homem e da mulher da Amazônia.

Sr. Presidente, muito se tem discutido sobre a Amazônia. Temas como biopirataria, desenvolvimento sustentado, queimadas, demarcação e ampliação de áreas indígenas, internacionalização da Amazônia estão na ordem do dia. Todos esses temas são de fundamental importância para o Brasil. Tão importantes que já se fala da necessidade de se “amazonalizar” o Brasil.

De fato, a população brasileira deve tomar conhecimento do que significa a Amazônia. Nosso Governo precisa compreender a Amazônia e lá investir. A Amazônia, hoje, é uma região totalmente carente de recursos. Aliás, de há muito, a Amazônia foi riscada do mapa do desenvolvimento nacional.

A biopirataria, por exemplo, nada mais é do que fruto da falta de investimentos em ciência e tecnologia na região e investimentos nas nossas universidades. Sem recursos humanos aptos a pesquisar e dar aplicação à biodiversidade da Amazônia, o patrimônio genético e os conhecimentos tradicionais e ancestrais da região são facilmente apropriados pelos países que investem milhões em pesquisa e em ciência aplicada. Sem investimento em ciência e tecnologia na Amazônia, permaneceremos na contramão da história e do desenvolvimento.

Enfim, neste dia, gostaria de congratular-me com todos os homens e mulheres que lutam pelo desenvolvimento da Amazônia e fazer um apelo ao Governo para que realmente se sensibilize e invista nessa região tão carente.

Aproveitando o tempo que me resta, gostaria de tratar de uma outra questão que reputo de fundamental importância para a nossa sociedade, especialmente para os nossos jovens, qual seja, a perniciosa e irresponsável ligação entre o marketing e a bebida alcoólica.

Propagandas de bebidas alcoólicas, principalmente as de cerveja, seguem uma receita clássica: festas agitadas, pessoas (geralmente jovens) divertindo-se e muita cerveja e mulheres bonitas. Vende-se a imagem de que apenas com a soma desses elementos seria assegurado o resultado almejado em uma festa, ou seja, a garantia de diversão. É como se, onde houvesse festa e pessoas, fosse obrigatória a presença de bebidas alcoólicas.

Em uma reunião técnica promovida pela Organização Mundial de Saúde, em Valência, na Espanha, de 7 a 9 de maio de 2002, que se dedicou a analisar a situação do marketing e a promoção de bebidas alcoólicas aos jovens, estiveram reunidas cinqüenta pessoas de vinte e dois países, entre especialistas em marketing, saúde pública e comunitária, jovens dedicados à prevenção de abuso de substâncias e outros.

Técnicos presentes nesse encontro produziram e apresentaram à imprensa de Valência uma declaração que fornece recomendações à OMS sobre a situação global da propaganda de álcool e ações a serem tomadas. Segundo esse documento, jovens no mundo todo vivem em ambientes que se caracterizam por esforços agressivos e intensos para encorajar não só que eles iniciem a beber, mas também que bebam pesadamente. A propaganda de álcool vinculante no Brasil confirma plenamente a afirmação acima citada, evidente no uso praticamente exclusivo de modelos jovens para vender seus produtos, ou ainda no desenvolvimento de novos produtos alcoólicos voltados especificamente ao público jovem.

Ainda segundo esse mesmo documento, exemplos do mundo inteiro mostraram que, cada vez mais, a indústria do álcool utiliza-se da associação de seus produtos com eventos esportivos, musicais e culturais, entre outros, para apresentar as bebidas alcoólicas como uma parte normal e integral da vida e da cultura dos jovens. Lembrando aqui que o álcool é o primeiro passo para as drogas ilícitas.

E o fato é que as pesquisas apontam que os jovens tendem a responder a esse marketing agressivo em um nível emocional, mudando suas crenças e expectativas em relação ao beber. A exposição e a apreciação que os jovens desenvolvem pelas propagandas do álcool predizem um beber mais freqüente e pesado por eles. O marketing contribui para os jovens superestimarem a prevalência do beber pesado e freqüente por seus pares e cria um clima que aumenta anda mais o consumo de álcool pelos jovens.

Dos modelos de propaganda apresentados nessa conferência, os exemplos brasileiros chamaram a atenção, principalmente por dois pontos. Um deles é a agressiva utilização da sexualidade nas propagandas, especialmente no caso da cerveja. O código do Conar (Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária), instituição representante do setor publicitário, determina as regras para propaganda em todos os produtos e deixa claro que a propaganda do álcool não deve ser associada à sexualidade. Logo, a indústria de propaganda de álcool está desrespeitando seu o próprio código.

Porém, mais preocupante que o uso agressivo da sexualidade é a utilização do Brasil e de símbolos nacionais para promover a venda de álcool. Como não poderia deixar de ser, o exemplo mais evidente dessa técnica vem da indústria de cerveja, que é responsável por 85% das bebidas alcoólicas consumidas no Brasil. Tome-se, por exemplo, a tartaruga e o jaboti, apresentados por uma das marcas de cerveja como “torcedora símbolo da Nação brasileira”.

Será, que, baseando-se no art. 67 do nosso Código de Proteção e Defesa a Consumidor, que classifica como infração penal fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva, não caberia pena às indústrias de bebidas alcoólicas?

A maior parte dos nossos juristas entende que não; estes não classificam as propagandas de bebidas alcoólicas como sendo enganosas e abusivas, consideram-nas “apenas” indutivas.

Senador Geraldo Mesquita Júnior, Senador Marcelo Crivella, sendo estas indutivas, cabe a tais casos a aplicação de outro artigo, o 37, deste mesmo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que diz que é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva e salienta, em seu § 2º, que é abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou à sua segurança.

Senador Mão Santa, é do conhecimento de todos os danos causados pelo consumo de bebidas alcoólicas.

Segundo dados, 18 de cada 100 brasileiros adultos são dependentes de álcool. O hábito de beber entre crianças e adolescentes é cada vez maior. Setenta e cinco por cento dos acidentes fatais de trânsito são associados ao uso excessivo de álcool. Morrem em torno de 30 mil pessoas por causa disso, e cerca de 40% das ocorrências policiais relacionam-se ao abuso do álcool.

Concedo um aparte ao Senador Marcelo Crivella com muita honra.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PL - RJ) - Senador Augusto Botelho, não posso deixar de me solidarizar com V. Exª, quando ocupa a tribuna por um tema tão relevante. V. Exª tem toda razão quando fala na sutileza da propaganda do álcool, que, aliás, dá origem a essa palavra árabe. Não existe nada mais sutil, Senador. Ela está na confraria dos mendigos debaixo da ponte, mas está também na recepção dos presidentes da república, dos príncipes, das rainhas. As pessoas, quando estão com frio, bebem para se aquecer; quando estão com calor, tomam uma geladinha; se estão tristes, bebem para esquecer; se estão felizes, para comemorar. É a maior desgraça que acomete o ser humano. Havia no meu Estado um grande sanitarista, Oswaldo Cruz, que dizia que é de se estarrecer que o homem, das fezes de pequenas bactérias - porque é por elas que se azedam a cana-de-açúcar e a uva, provocando o teor alcoólico -, tire o seu prazer e a sua delícia. Quando V. Exª ocupa esta tribuna para denunciar este mal, principalmente com relação aos nossos jovens, que estão começando a beber cada vez mais cedo, V. Exª tem o aplauso dos seus companheiros e não está sozinho nesta sua luta. Que Deus o abençoe e o ilumine para que, juntos, possamos conscientizar a sociedade dos malefícios desta droga tão popular e disseminada no seio do nosso povo. Parabéns, nobre Senador!

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Agradeço-lhe pelo aparte e incorporo ao meu discurso as suas palavras.

Concedo um aparte ao Senador Geraldo Mesquita Júnior.

O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (Bloco/PSB - AC) - Muito obrigado, Senador Augusto Botelho. Eu, como o Senador Crivella, fico feliz ao ouvir o seu pronunciamento, que se refere a um assunto de tanta importância e de tanta gravidade. Fico feliz por várias razões, entre elas porque sei que não estamos sós neste Congresso, no Senado Federal. Assim como V. Exª, tenho um projeto tramitando na nossa Casa que tem por finalidade tirar das televisões e das rádios, instrumentos públicos cedidos à iniciativa privada, os anúncios de bebidas alcoólicas de qualquer teor. Por quê? Porque entendo que o Estado brasileiro, detentor das televisões e rádios, cedidas por concessão à iniciativa privada, não pode se prestar ao papel de instrumento de divulgação do estímulo à ingestão de bebidas alcoólicas, que, para mim, é um tóxico. O Estado brasileiro, portanto, está servindo de instrumento, por meio de sua televisão e rádio, para divulgação de propaganda de bebidas alcoólicas. E, na outra ponta, o mesmo Estado brasileiro arca com todo o ônus nos hospitais - um ônus pesadíssimo -, na recuperação das pessoas que, em razão da ingestão de bebida alcoólica, são acometidas das mais diversas mazelas e se destroem nas estradas. Ou seja, o Estado brasileiro não pode agir dessa forma. Pretendo, mediante a aprovação desse projeto, proibir que, nas televisões e nas rádios brasileiras, sejam veiculados anúncios de bebidas alcoólicas de qualquer teor, porque, em se tratando de instrumentos públicos, o Estado está servindo de instrumento para uma prática como essa e, na outra ponta, responsabilizando-se, praticamente sozinho, pelas mazelas que isso causa, com o elevado ônus que isso acarreta. Para mim, essa é uma contradição que precisa acabar. O País precisa se compenetrar no fato de que não há mais espaço para essa enorme hipocrisia. A bebida alcoólica é um tóxico. Dizem que é um tóxico permitido e legal. Quando ouço falar da legalização da maconha, fico imaginando como será o anúncio da maconha na televisão. Isso já ocorre hoje. O anúncio da bebida alcoólica, na televisão, é o anúncio de um tóxico, que está levando, como bem disse o Senador Marcelo Crivella, mais cedo ainda, a juventude brasileira a embarcar nessa canoa furada e que é a porta de entrada para o consumo do tóxico mais pesado. Assim, Senador Augusto Botelho, parabenizo-o pela sua preocupação e pela sua sensibilidade com um assunto tão importante e de tanta gravidade que ocorre em nosso País. Tenho certeza de que, juntos, resolveremos a questão, seguramente nesta legislatura, para darmos um tratamento definitivo a uma questão tão importante para o nosso País. Muito obrigado.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Senador Geraldo Mesquita Júnior, agradeço a V. Exª pelo aparte, que incorporo ao meu discurso. Pode ter a certeza de que faremos parte desse conjunto de pessoas que lutará para diminuir esta doença de saúde pública do Brasil: o alcoolismo.

Se não bastassem estes alarmantes números - 30 mil mortes no trânsito e 40% das ocorrências policiais -, é bom dizer que a agressão à saúde do indivíduo é também uma agressão à saúde da sua família, porque o alcoolismo está ligado às agressões dentro dos lares, tanto às mães, como aos filhos. Vou relatar algumas doenças provocadas pelo alcoolismo: problemas neurológicos, pancreatite, cirrose, úlcera péptica, doenças cardíacas e aumento da incidência de câncer nos tratos respiratório e gastrintestinal.

Todos os médicos que trabalham em hospitais e pronto-socorros recebem, diariamente, pacientes com essas patologias que, como eles sabem, estão ligadas a esse problema.

Essas patologias acarretam um aumento de quatro vezes na mortalidade geral e um gasto extraordinário decorrente do uso abusivo de álcool, chegando, Senador Geraldo, segundo o Ministério da Saúde, a 310 milhões nos últimos três anos.

A indústria do álcool e a da propaganda desempenham um papel irresponsável no Brasil, pois, ao associarem as bebidas alcoólicas exclusivamente a momentos gloriosos, à sexualidade, a ser brasileiro, criam um clima normatizador.

Devem ser tomadas providências corajosas, como a que V. Exª está levando, e urgentes, para lidar com esse grave problema de saúde pública.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/09/2003 - Página 26315