Discurso durante a 114ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a política nacional de assistência técnica e extensão rural.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações sobre a política nacional de assistência técnica e extensão rural.
Publicação
Publicação no DSF de 06/09/2003 - Página 26349
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PERIODO, MIGRAÇÃO, CAMPO, CIDADE, REGISTRO, INVERSÃO, PROCESSO, ATUALIDADE, OBSERVAÇÃO, SAIDA, POPULAÇÃO, ZONA URBANA, DESTINAÇÃO, ZONA RURAL, FUGA, VIOLENCIA, DESEMPREGO, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • REGISTRO, NECESSIDADE, GOVERNO, REFORMULAÇÃO, POLITICA SOCIAL, ADAPTAÇÃO, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, COMENTARIO, IMPORTANCIA, POLITICA NACIONAL, ASSISTENCIA TECNICA, EXTENSÃO RURAL, AGRICULTURA, PROPRIEDADE FAMILIAR, CRIAÇÃO, OPORTUNIDADE, EMPREGO, CAMPO, DESTINAÇÃO, POPULAÇÃO, ORIGEM, CIDADE.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o inchaço dos grandes centros urbanos brasileiros tiveram, nas últimas décadas, dois impulsos principais: de um lado, os chamados fatores de expulsão do campo e dos pequenos municípios brasileiros; de outro, os fatores de atração das cidades. Por muito tempo, a migração rural-urbana foi o retrato mais que fiel de duas dimensões de uma mesma realidade: a real precariedade do campo e o virtual fascínio pelas luzes da cidade.

Os governos que se sucederam enfrentaram a questão a partir de uma visão pontual, com soluções que se mostraram paliativas, por atacarem o problema através de programas setoriais, localizados e sem participação efetiva da população. O que mais se percebeu foram intervenções compensatórias, a reboque dos principais problemas, sem uma preocupação mais profunda com suas verdadeiras causas e sem a necessária compreensão das suas inter-relações setoriais e espaciais. Foi o tempo dos chamados programas especiais, ora destinados aos pequenos produtores rurais e aos municípios menores, ora para as populações urbanas mais carentes, notadamente nos municípios de tamanho médio, com a finalidade de estancar as migrações para os grandes centros urbanos. Eram os, assim denominados, PDRIs e os Programas de Centros Intermediários, ou de “Cidades-Diques”.

A realidade mostrou, logo a seguir, que essas intervenções, localizadas e setoriais, não produziram os resultados esperados. Ao contrário, o que se percebeu foi que os programas rurais serviram, na maioria das vezes, como suporte de infra-estrutura para a instalação, logo depois, de empresas rurais, principalmente, grandes projetos de irrigação, pouco absorvedores de mão de obra. Também a chamada “face urbana” demonstrou ser insuficiente para “segurar” a população migrante, igualmente provocando “inchaços” nos municípios de médio porte. É que, esses programas, normalmente financiados por organismos financeiros internacionais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, não por acaso, procuravam escamotear as causas estruturais do problema, como a democratização do acesso à terra e as mudanças na relação de poder e de propriedade dos meios de produção. Identificados os focos de tensão social, as intervenções procuravam criar uma espécie de “barreira” para os problemas locais, como se fossem únicos e sem uma visão de conjunto das causas estruturais que os alimentavam.

Neste quadro, nem mesmo se procurava estender a abrangência das políticas públicas discriminantes ou, o que seria mais adequado, modificá-las. Ao contrário, criava-se uma espécie de “braços” das políticas existentes, para públicos e locais determinados, no claro intuito de preservá-las.

Hoje, o que se percebe, é uma tendência de reversão da migração, agora no sentido urbano-rural. Não se trata, evidentemente, de uma maior atração deste último. Não há, portanto, nem virtualmente, as “luzes do campo”. O real, agora, é o total esgotamento das condições de vida nas grandes e médias cidades, fruto da exclusão social, causadora principal da violência que transformou as áreas urbanas em verdadeiros campos de batalha de uma guerra civil não declarada. O que se percebe, ainda, é que, também agora, essa migração, em sentido inverso, não se dá acompanhada de uma acolhida mais planejada nos locais de destino. Não é à toa que os focos de tensão social se alastram por todas as regiões do país. Também não é à toa que, hoje, esses focos são protagonizados por pessoas mais politizadas, com características adquiridas na trajetória urbana. Não são mais iguais as cabeças que deixaram o campo em outros tempos. Esses migrantes, pelas agruras da vida, e pela luta pela sobrevivência, participaram, nas cidades, de movimentos sociais organizados onde, no mínimo, se acentua a capacidade de crítica e de indignação.

Essa mesma realidade está a reclamar, portanto, que se formule um novo paradigma de desenvolvimento, na elaboração de políticas públicas destinadas a atacar os grandes problemas nacionais nos dias de hoje, como o desemprego, a fome, a miséria e a violência. Por trás de todas essas mazelas, a questão da exclusão social. Essa parece ser a palavra-chave, que deve orientar a formulação desse novo paradigma: a construção da cidadania, que deve se manifestar através da inclusão da população brasileira nos frutos do desenvolvimento e nos destinos do País. O excluído tem que deixar de ser considerado, como antes, um “carente”. Ele é, por direito, um cidadão.

A divisão entre problemas rurais e urbanos deve se circunscrever, no máximo, às finalidades de cunho meramente didático. Na verdade, eles são faces de uma mesma moeda, que tem no modelo concentrador de renda e excludente, a sua cunhagem. Os problemas podem estar se transferindo da cidade para o campo, com maior intensidade e diferente roupagem, mas as soluções não merecem mais qualquer adjetivação, se rurais ou urbanas. O que eu defendo é que se assuma, desde já, uma mudança de postura diante desses problemas e um novo enfoque territorial na implantação de políticas públicas. O Estado deve se adiantar e criar todas as condições possíveis para que, no confronto entre problemas e potenciais, ganhem estes últimos. Tudo indica que é nos municípios, principalmente os de menor porte, que afloram esses potenciais. Não se pode, entretanto, manter a concepção de programas setoriais, unidisciplinares e com público hermeticamente definido. Não se trata, mais, de um problema rural, ou urbano. Há problemas nacionais, que os municípios podem contribuir, com vantagens, na busca da melhor solução. Não há, portanto, placas de perímetro urbano ou rural a definir limites de problemas, ou de soluções. 

O Governo atual demonstra ter essa preocupação. É o que está estampado na proposta, em fase final de gestação, de uma política nacional de assistência técnica e extensão rural - ATER, no Ministério do Desenvolvimento Agrário. Em primeiro lugar, está muito presente, na proposta, a compreensão dos grandes problemas nacionais, decorrentes e propulsores da exclusão social: o desemprego, a fome, a miséria, a violência, a falta de cidadania. Em segundo lugar, a constatação de que a agricultura brasileira tem todas as condições de responder, a contento, a essa exclusão social. Por fim, que, dadas as suas características, é a agricultura familiar que tem as melhores condições de propiciar, não apenas as melhores alternativas para solução desses problemas, mas a agilidade que a sua dimensão requer. À primeira vista, pode parecer uma contradição, e indicar tratar-se de um programa setorial, com definição rígida de público. Não é o caso. O cerne da proposta é a construção da cidadania. Para tanto, defende a agricultura familiar como a estratégia mais adequada para atingir esse objetivo, tendo em vista que é ela a mais viável, levando-se em conta as habilidades da população e a capacidade da atividade agrícola de pequeno porte no sentido de gerar empregos, produzir alimentos, gerar excedentes, auferir renda e de contrapor a exclusão. De construir a cidadania, enfim.

É bom lembrar que a agricultura familiar gera o maior número relativo de empregos, a um custo menor, que qualquer outra atividade produtiva. Segundo a FAO, ela cria uma ocupação para cada 9 hectares explorados, com um investimento de pouco menos de R$ 10 mil por família. Ela já mobiliza 14 milhões de pessoas, o equivalente a 60% de todos os trabalhadores na agricultura brasileira, que produzem 31% do arroz, 70% do feijão e 49% do milho. No modelo de produção familiar, o trabalho e a gestão da atividade são intimamente relacionados, é o próprio produtor quem dirige os negócios, há uma ênfase na diversificação das atividades, na durabilidade dos recursos e na qualidade de vida. Por ser mais diversificada, ela é mais imune a crises.

Portanto, é nesta perspectiva que vejo a formulação da “Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural”, pelo novo Governo: o Estado se antecipa na preparação das condições necessárias para transformar a questão migratória cidade-campo, não como um novo problema, agora com mão trocada, mas como solução para os grandes problemas nacionais do desemprego, da fome, da exclusão social e da violência. Não há, como antes, uma visão difusionista de tecnologias que permitam, como objetivo central, aumentos de produção e de produtividade, mas a construção da cidadania, em falta, principalmente, nas grandes e médias cidades, para onde se dirigiu o fluxo migratório dos anos anteriores e que, agora, tende a refluir.

Não se quer, com isso, refrear o agronegócio, ou a empresa rural. Ao contrário, é aí que reside o nosso maior potencial de exportação, o que tem permitido os nossos superávits comerciais. O que se quer enfatizar é que, as populações que se dirigem para o campo, ou a que nele quer permanecer, quase sempre não possui condições de gerar negócios que demandem investimentos significativos. Mais do que isso, o seu nível de exigência, por parte do Estado, tem se demonstrado diminuto em relação à sua resposta em termos de produção e de geração de renda e de emprego. Está aí, quem sabe, a chave para a resolução da grande maioria dos problemas que povoam as pesquisas de opinião pública, nos dias de hoje.

A proposta de Assistência Técnica e Extensão Rural, a ATER, não poderia estar em lugar melhor. Fosse antes, independendo de onde se encontrasse, institucionalmente, com certeza, ela se proporia, no máximo, atualizar medidas compensatórias no sentido de minimizar problemas localizados. No contexto da reforma agrária, no Ministério do Desenvolvimento Agrário, tudo indica que, agora, a assistência técnica adquira uma visão, proativa, de potencial, e não apenas, reativa, de problema. Não é para manter vivo um “carente”, vítima da modernização do campo. É para conceber cidadãos, excluídos, até aqui, por um modelo, unicamente, difusionista e modernizante. A reforma agrária não será, com essa política, uma mera distribuição de terras. Integrada com essa concepção de ATER, ela é, então, uma proposta de construção de cidadania.

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/09/2003 - Página 26349