Pronunciamento de Arthur Virgílio em 08/09/2003
Discurso durante a 115ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Comentários à matéria da revista Época desta semana, na qual o nome do ex-secretário-geral da Presidência da República, Sr. Eduardo Jorge, aparece envolvido em investigações da Receita Federal. Considerações sobre a instituição de inquérito administrativo no BNDES contra o economista Maurício Davi.
- Autor
- Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
- Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA PARTIDARIA.
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
- Comentários à matéria da revista Época desta semana, na qual o nome do ex-secretário-geral da Presidência da República, Sr. Eduardo Jorge, aparece envolvido em investigações da Receita Federal. Considerações sobre a instituição de inquérito administrativo no BNDES contra o economista Maurício Davi.
- Aparteantes
- Antonio Carlos Magalhães, Eduardo Suplicy, Heráclito Fortes.
- Publicação
- Publicação no DSF de 09/09/2003 - Página 26422
- Assunto
- Outros > POLITICA PARTIDARIA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
- Indexação
-
- COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, EPOCA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ACUSAÇÃO, EDUARDO JORGE, EX-CHEFE, SECRETARIA-GERAL DA PRESIDENCIA DA REPUBLICA, PARTICIPAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, RECEITA FEDERAL, SOLICITAÇÃO, LIDERANÇA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), ASSINATURA, REQUERIMENTO, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), APURAÇÃO, DENUNCIA, POLITICO.
- LEITURA, TRECHO, DECLARAÇÃO, AUTORIA, JORNALISTA, EXPECTATIVA, AUMENTO, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), GOVERNO FEDERAL, CRITICA, CHANTAGEM, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), INICIO, INVESTIGAÇÃO, CORRUPÇÃO.
- REFERENCIA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, ELIO GASPARI, JORNALISTA, DESAPROVAÇÃO, ATUAÇÃO, DIREÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), AMEAÇA, PUNIÇÃO, MAURICIO DAVI, ECONOMISTA, FUNCIONARIO PUBLICO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, CRITICA, PROPOSTA, ORÇAMENTO, GOVERNO FEDERAL, DIVULGAÇÃO, TELEJORNAL.
- LEITURA, CARTA, AUTORIA, MAURICIO DAVI, ECONOMISTA, ESCLARECIMENTOS, MANIFESTAÇÃO, OPINIÃO, PROPOSTA, ORÇAMENTO, CRITICA, AUTORITARISMO, GOVERNO FEDERAL, DEFESA, LIBERDADE DE EXPRESSÃO, EXPECTATIVA, ABERTURA, COMISSÃO DE INQUERITO, APURAÇÃO, MATERIA.
- REITERAÇÃO, NECESSIDADE, POSIÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), INVESTIGAÇÃO, EDUARDO JORGE, EX-CHEFE, SECRETARIA-GERAL DA PRESIDENCIA DA REPUBLICA, REGISTRO, ENCAMINHAMENTO, ABERTURA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ANALISE, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, DISTRIBUIÇÃO, CARGO PUBLICO.
O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a revista Época desta semana traz, como uma de suas chamadas de capa, a seguinte nota: “Exclusivo. Fiscal da Receita acusa sua chefia de acobertar Eduardo Jorge”, referindo-se ao Ministro Eduardo Jorge, meu antecessor na Secretaria-Geral da Presidência da República no Governo Fernando Henrique Cardoso, figura extremamente importante e relevante no Partido a que pertenço, o PSDB.
Já defendi o Ministro Eduardo Jorge mil vezes, em horas difíceis, como é do meu feitio, e por acreditar nele. Acabo de receber, Senador Antonio Carlos, seis ou oito laudas, digitadas em computador, com novas defesas do Ministro Eduardo Jorge, e não foi fazer a defesa desta vez. Convido a Liderança do Governo, a Liderança do PT, a assinar comigo requerimento solicitando a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigarmos Eduardo Jorge e acabar com isso de uma vez.
Prefiro assim; realmente, prefiro assim. Não farei a defesa de Eduardo Jorge, apesar de nele acreditar, por entender que é hora de algo mais duro, mais radical, mais profundo, que ponha cobro, de uma vez por todas, ou na infâmia, ou, para alguns, na suposta, falsa defesa do Ministro Eduardo Jorge. Para mim, põe-se cobro na infâmia.
O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Senador Arthur Virgílio, V. Exª me concede um aparte?
O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Concedo um aparte ao nobre Senador Antonio Carlos Magalhães.
O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Senador Arthur Virgílio, li agora essa matéria e depreendi que alguma coisa muito grave está acontecendo na Receita Federal, porque quem deveria ser punido é esse Seixas Neto, que disse que não investigou Eduardo Jorge devido a pressões. Então, tendo cedido a pressões, o fiscal não poderia nem deveria continuar na Receita, e o inquérito principal deveria ser contra ele. No governo passado, o fiscal cedeu à pressão - se é que houve, no que não acredito - e hoje diz que não apoiou por pressão, que devemos reabrir o processo? Isso é uma vergonha! Acredito que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não quer esse tipo de governo de perseguição, sobretudo quando ficou provado, depois de exaustivamente procurado por todos os cantos, que não havia nada que acusasse Eduardo Jorge de fato. Portanto, V. Exª não precisa fazer a defesa de Eduardo Jorge, ela já foi feita pela Justiça. E não é agora que a Receita Federal vai querer se vingar de Eduardo Jorge, em função da alegação de um fiscal que, tendo aceitado pressões, não poderia continuar sendo fiscal da Receita Federal, pois, como aceita de um lado, aceita de outro, e poderá aceitar outras coisas mais.
O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Não tenho dúvida, Senador Antonio Carlos Magalhães, V. Exª está coberto de razão.
Depois de tanto corroborar argumentos como os de V. Exª , vejo uma pessoa particularmente querida, o Ministro Eduardo Jorge, ser transformada de Eduardo Jorge em E.J, como se fosse membro do PCC. Isso foi feito; massificou-se por aí. O Partido dos Trabalhadores batia demais nessa tecla, como se fosse dono de uma verdade que estamos vendo desmentir-se na prática de cada dia de Governo.
Volto a oferecer ao Partido dos Trabalhadores duas hipóteses: o PT me diz o que quer, pede a CPI, e assino em seguida, para investigar Eduardo Jorge no que quiserem - e não só Eduardo Jorge, mas qualquer outro fato do governo passado. Outro dia, eu disse que aceito investigações de Ruth Cardoso(*) a Marisa Letícia(*), porque ninguém, para mim, está fora do alcance da lei neste País. Escolham onde querem que se fira a luta, aceito.
O Eduardo Jorge deve estar me ouvindo e já sabe que não vou defendê-lo, porque ou isso pára, ou o defendo numa Comissão Parlamentar de Inquérito pedida pelo PT, ou, se o PT preferir, pode me dizer que peço pelo PT a CPI que quiserem, essa ou outra, para investigar qualquer fato do governo passado.
Com isso, penso que ponho cobro também em um certo quadro que vai ficando ruim para todos, para o Governo e para nós da Oposição. Uma figura respeitável, como o articulista Janio de Freitas(*), da Folha de S.Paulo, menciona o seguinte:
Por iniciativa do Senador peessedebista Arthur Virgílio, o Senado aprovou a criação da CPI do Loteamento de Cargos. Que bom. Pode ser que assim o Governo Lula se ponha em brios e, em resposta, investigue um dos vários casos cujos inquéritos, na Polícia Federal ou como CPI, o governo Fernando Henrique impediu.
Acabei de falar com o jornalista Janio de Freitas - a quem admiro, e cujo papel pela liberdade de imprensa neste País é inestimável - e disse-lhe que a CPI que não permitimos fosse ao ar foi aquela monstrenga, aquela abjeta, de 19 itens, inconstitucional, em que cada um enxertava algo para prejudicar seu inimigo, e, no final, tínhamos a inconstitucionalidade, a perspectiva da ingovernabilidade. Mas permitimos todos os itens, menos a CPI do FAT, pois, àquela altura, os que hoje estão no Governo morriam de medo de que se apurasse alguma coisa. Quando se falava em CPI do FAT, dava uma tremedeira nas pessoas que parecia malária. Eu dizia: peçam qualquer CPI que aceitaremos.
Digo mais, que nenhum governo, nesta República, aceitou tantas CPIs para investigar seus próprios atos quanto o governo do Presidente Fernando Henrique.
Quero pôr um cobro nessa situação. Não quero que pareça que o governo é feito de chantagistas. Sobretudo, quero que fique bem estabelecido que não sou chantagista, nem estou fazendo pedido de CPI para impedir alguma outra, tampouco estou querendo pôr na parede nada parecido.
A jornalista Dora Kramer, com quem acabei de falar, querida amiga, uma das penas mais brilhantes deste País, diz, no final de uma nota intitulada “Só espuma”:
Mas, considerando que ninguém recebe diploma de vestal” - e eu não pretendo ser vestal, pois as vestais estão muito próximas da corrupção; prefiro ficar longe da “vestalidade” e da corrupção - “depois de anos no governo, pode ser que o entusiasmo pela CPI arrefeça na proporção direta em que o PT se dispuser a contar meia dúzia de casos do passado recente.
Quer dizer, se o PT sabe meia dúzia de casos do passado recente e não os revela, o partido é cúmplice da corrupção. Se o PT não sabe de casos comprometedores do passado recente e ameaça revelá-los, o PT é chantagista. Quero que isso fique bem claro.
Agora, direi que não sou chantagista. Tenho certeza absoluta de que não sou chantagista. Para ficar bem claro e isso acabe em definitivo, quero dizer novamente: o PT escolhe o que quer investigar, que não só assino, como peço pelo Partido se o PT fique constrangido. Mais ainda: nada me impede de fazer o que estou fazendo. Quero investigar o MST e o loteamento de cargos. Se quiserem ir para trás, pegando Juscelino Kubitschek, Pedro Álvares Cabral ou Fernando Henrique, também aceito. Estou também pedindo uma CPI para investigar aquela podridão de Santo André. Não pode ficar pedra sobre pedra. Não podemos deixar de passar o País a limpo, se é que todos temos a capacidade e a honradez de querermos passá-lo a limpo para valer.
Concedo um aparte ao Senador Heráclito Fortes. Em seguida, faço a corroboração de uma denúncia da maior gravidade, com cores dramáticas, que mostra o caráter ditatorial, abusivo, de “antiliberdade” deste Governo.
O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Nobre Senador Arthur Virgílio, apenas desejo me congratular V. Exª pelo pronunciamento de defesa do ex-Ministro Eduardo Jorge. Como bem disse, V. Exª não irá defendê-lo, mas apenas solicitar que o Partido dos Trabalhadores se manifeste claramente em relação ao que quer a respeito desse homem público, que já teve sua vida investigada a fio durante quatro anos e nada contra ele foi encontrado. Também quero registrar as oportunas observações do Senador Antonio Carlos Magalhães, ao mencionar que o funcionário da Receita Federal, no momento oportuno, não mostrou à Nação ou à própria revista que hoje lhe dá esse espaço que vinha sendo pressionado. Esses fatos realmente precisam de um melhor esclarecimento, e nada melhor que uma CPI para que tudo seja posto nos seus devidos lugares.
O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - E dou um prazo. até o fim desta semana espero apresentar a CPI de Santo André. Se o PT não se decidir, apresentarei a do Eduardo Jorge*. E estamos conversados. Se houver chantagem, não será daqui para lá e não admito chantagem de lá para cá. Essa história de “sei, mas não digo”, “só digo se ele fizer” e “não digo se ele ficar bonzinho”, isso é conversa de presídio, é conversa de xerife de cela. Isso não é conversa que se aplique a pessoas honradas que têm o dever de zelar pelo decoro parlamentar. Isso atinge o decoro da vida pública brasileira.
Sr. Presidente, chamo a atenção de V. Exª para artigo de ontem desse notável jornalista Elio Gaspari*, com o título de Truculento e delirante, o BNDES está se matando*. Não vou aqui criticar tecnicamente o BNDES, já tenho feito isso à demasia, apenas direi que ele aqui se refere ao fato de que o assessor da Presidência e economista Maurício Dias David, meu querido amigo - adversário ideológico, mas meu querido amigo -, deu uma entrevista que terminou às duas horas da manhã de um dia de semana à TV Educativa, do Rio de Janeiro. Lá, ele como técnico, como economista que é, fez críticas à forma e ao fundo do Orçamento da União.
Muito bem. Há um big brother que vasculha a vida das pessoas neste País e que sabe até quem fala na televisão às duas da manhã sobre um assunto insosso como este da abordagem técnica da questão orçamentária.
No dia seguinte, um cidadão, cujo nome não posso esquecer, pois é um nome pomposo, nome de rua, Márcio Henrique Monteiro de Castro*, Diretor Administrativo, convocou Maurício David e lhe disse: “Brasília não está nada satisfeita com você. Sou obrigado a abrir uma comissão de inquérito para investigar o seu ato”.
Senador Efraim Morais, nosso Líder da Minoria, estou apresentando requerimento de informações perguntando ao Ministro José Dirceu* quem é Brasília que está insatisfeita, essa Drª Brasília prepotente, que quer impedir a expressão alheia. Quero saber quem é essa cidadã que está tão incomodada com o fato de um economista, como economista, tecnicamente, levantar queixas e críticas ao Projeto Orçamentário. Deve ser Brasília da Silva, Maria Brasília. Nunca ouvi falar em ninguém chamado Brasília, a não ser que Brasília seja a própria Casa Civil e que de lá esteja comandando esse big brother que ameaça instalar uma espécie de um parafascismo - com essa capa de esquerda, mas parafascismo -, e essa é uma prova do parafascismo que aqui está.
Recuaram. O Presidente Lula soube disso, o Ministro Ciro Gomes - que é amigo do Dr. Maurício Dias David, que foi assessor direto da campanha de Ciro Gomes para Presidente da República - entrou em ação, o Presidente Lula recuou e o Dr. Monteiro de Castro, que tem nome de rua, mas está faltando - digamos assim - mais firmeza de caráter para poder um dia merecer ser nome de rua neste País, diz assim: “Maurício, não vamos mais fazer nada contra você”. Então, o Maurício está salvo. Mas os outros Maurícios não estão. O Maurício que não tem a ligação com o jornalista Elio Gaspari não está. O Maurício que não tem a ligação com o Ministro Ciro Gomes não está. O Maurício que não tem a ligação com o Líder do PSDB não está.
Recebi uma carta do Maurício David que quero ler para que ela faça parte dos Anais da Casa, Sr. Presidente, e faça parte do meu discurso:
Meu caro Arthur:
Você sabe da admiração e respeito que tenho pela sua trajetória política e pela sua liderança. Você é um daqueles amigos e companheiros que a gente aprende a bem-querer, por encima das eventuais divergências políticas que se tornam menores frente a nossa busca comum de um Brasil melhor e mais justo.
Mas não é para elogios fúteis que estou lhe escrevendo no dia de hoje. Na verdade, queria trazer ao seu conhecimento um fato que reputo grave e que pode ser o espelho de tendências perigosas e que, tal como o ovo da serpente que descrevia Bergman, pode estar guardando dentro si o germe do despotismo.
O Jornal do Brasil publicou no sábado passado, dia 30, a seguinte nota na coluna de Boechat
E prossegue o economista Maurício Dias David:
Jogo Bruto.
O BNDES instalará comissão de inquérito, segunda-feira, para julgar o economista Maurício Dias David, assessor da presidência do banco.
Anteontem, em entrevista a Lucia Leme, na TVE, ele criticou o Orçamento da União, anunciado pelo Planalto.
Ontem, foi avisado de que avisa ‘irritado Brasília’ e que poderá ser punido.
Esse tal de ‘Brasília’ dever ser algum fascista infiltrado no Governo do PT”.
Essa é a opinião do jornalista Boechat.
Prossegue Maurício David:
De fato, Arthur, participei na noite de quinta-feira, 29, de um programa de televisão na TVE chamado Olhar 2003. Um programa leve, de uma hora de duração, transmitido à meia-noite, horário certamente em que a audiência não é tão significativa na competição com os programas de variedades ou de projeção de películas dos outros canais de televisão.
A mim me tocava falar da proposta orçamentária apresentada na tarde daquele mesmo dia pelo Guido Mantega. Minha participação foi tranqüila, comedida até. Perguntado sobre o que achava do Orçamento apresentado, comentei que havia sido uma decepção para mim (e salientei que achava que também havia sido decepcionante para a sociedade brasileira como um todo) porque eu (a sociedade) esperava, vindo de um governo liderado pelo PT, um Orçamento que fosse criativo, elaborado com imaginação, que apontasse para a correção dos problemas estruturais que a economia vem sofrendo.
Perguntei como ficaria a situação do Ministro Cristovam Buarque, que estaria, pelo orçamento apresentado, sem os recursos para ajudar as universidades federais que estão em situação quase falimentar; perguntei como se faria a reforma agrária, sem dinheiro no orçamento para tal; e a saúde, na mesma situação; e as Forças Armadas sem poderem se reequipar, e por aí afora.
Comentei que até então o governo e o próprio Lula vinham dizendo que no ano de 2003 o governo estava engessado pelo orçamento preparado na gestão anterior, do Fernando Henrique. Qual será a desculpa agora, perguntei, se o orçamento de 2004, o primeiro preparado pelo PT, é uma mera projeção do orçamento anterior? A entrevistadora ainda me perguntou: mas não há um aumento de x bilhões no orçamento, e eu respondi argumentando que o orçamento era exatamente o mesmo que o legado pelo governo anterior, uma vez que somente se havia corrigido pela inflação de 2003 e pela projeção da inflação média de 2004.
Argumentei que o orçamento é o espelho de um governo e que, em assim sendo, este orçamento apresentado ia em contra da doutrina e do programa histórico do PT. E isto é uma contradição, salientei.
E muito mais não disse, exceto que no debate que se seguiu destaquei que, ao contrário do prometido, a proposta orçamentária havia sido insuficientemente discutida com a sociedade. Fizeram-se algumas reuniões, falei, mas foram para inglês ver, algumas poucas reuniões, contadas nos dedos das mãos, para o teatro da “participação da sociedade civil”. E arrematei que o Ministro Guido Mantega havia apresentado, na minha opinião de técnico, um trabalho ruim e insuficiente.
Tudo isto numa linguagem coloquial, com é a do programa, sem perorações ou levantamento de voz, sem xingamentos ou frases emocionais.
No dia seguinte, sexta-feira, 29, (isto é poucas horas depois da emissão do programa), fui convocado ao gabinete do Diretor de Administração do BNDES, Márcio Henrique Monteiro de Castro ( aí quem diz que ele tem nome de rua sou eu, não é o Sr. Maurício David. Eu é que acho que seu nome é de rua. Mas, é preciso dignidade no exercício da vida pública, para se merecer virar nome de rua, após a morte), que me comunicou que as minhas críticas haviam “irritado profundamente Brasília”, que o BNDES recebera um chamado de lá e que o Banco se via obrigado a abrir uma Comissão de Inquérito para me punir. “Vou designá-la na próxima semana”, me avisou.
Considero, Arthur, uma grave violação do direito constitucional da livre expressão de pensamento esta tentativa de estabelecer o delito de opinião em base a considerações técnicas sobre o orçamento apresentado. Como cidadão, tenho todo o direito de ter a opinião, e de expressá-la sobre qualquer ato do governo (de qualquer governo). Eu mesmo, apesar de ter sido um dos assessores diretos do Ciro, na recente campanha presidencial, votei e fiz campanha para o Lula no segundo turno das eleições, acompanhando a posição que o Ciro adotou.
Vejam que David sofreu na ditadura e continua sofrendo agora, no Governo que se diz democrático.
Sou funcionário do BNDES há 24 anos . Fiz concurso para o Banco em 1979, ao voltar ao Brasil, após 10 anos de exílio, que me levaram ao Chile, à Alemanha e à Suécia, país este onde nasceu, no exílio e sem direito a documentos brasileiros, o meu filho mais velho; logo após começar a trabalhar no BNDES, fui vítima das chamadas “cassações brancas”, vindo o SNI ao BNDES e exigindo a minha demissão “por estar proibido de trabalhar no setor público”. Somente retornei ao Banco em 1987, com a Anistia Política que se seguiu à convocação da Constituinte. Novamente demitido em 1990, ao começar o governo Collor, vi-me novamente obrigado a retornar ao exílio - desta vez por ter perdido o emprego -, tendo vivido quatro anos na França, onde preparei o meu doutorado em economia, na Sorbonne, e vi a minha tese sobre a pobreza e a desigualdade no Brasil ser aprovada, avec les félicitacions du Jury et récommendation de publication, uma honraria raramente concedida a teses preparadas por estrangeiros na França.
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Arthur Virgílio, gostaria de, no tempo regimental, aparteá-lo, porque o Presidente disse que posteriormente não será possível fazê-lo.
O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Assim que concluir a leitura, concederei o aparte.
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Obrigado.
O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Uma honraria raramente concedida a teses preparadas por estrangeiros na França.
Novamente anistiado pelo Governo Itamar, vi o meu retorno ao BNDES assegurado por decisão judicial de 1996, no sentido de que fosse cumprida a anistia concedida por decisão do Congresso Nacional.
O fato de ser atualmente assessor da Presidência no BNDES não implica que, como cidadão, eu não possa opinar sobre o que acontece no meu País. Pelo contrário, acho que tenho o dever e a orientação de fazê-lo.
E minha disposição é a de lutar por este direito com todas as minhas forças e em todas as instâncias necessárias ou possíveis. Não importa o que eu disse ou venha a dizer, até porque foi irrelevante. O que importa é que se possa assegurar o direito de todo homem de pensar livremente e de expressar o seu pensamento. A asfixia do direito à expressão do pensamento - a interdição ao debate - foi uma das causas históricas do desmoronamento do sistema soviético. Hoje é responsável, em grande parte, pelo drama que vive o povo cubano. Caso não estejamos alertas, essa ‘irritação de Brasília’ pode crescer pouco a pouco, talvez quase imperceptível num primeiro momento, mas podendo agigantar-se com o tempo e transformar-nos a todos em vítimas de um sistema que somente George Orwell pode imaginar, pois não há um Big Brother que está atento em Brasília, numa madrugada de um fim de semana, controlando o que se diz em um programa de televisão que, apesar de sua qualidade, tem uma audiência de traço nos Ibopes da vida?
Este é, Arthur, o quadro que eu queria fazer chegar ao seu conhecimento. Estou aguardando ser convocado por esta tal Comissão de Inquérito. Ante ela vou comparecer imbuído da responsabilidade de lutar, no meu pequeno e quase insignificante espaço, pelas liberdades fundamentais que vão assegurar um Brasil mais livre e justo e digno para os nossos filhos no futuro.
Receba um abraço afetuoso, extensivo a sua esposa, do seu amigo,
Maurício David.
Antes dos meus comentários finais eu concedo um aparte ao nobre Senador Eduardo Suplicy.
O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes) - Senador Arthur Virgílio, o seu tempo já esgotou e não são permitido apartes.
O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Senador Eduardo Suplicy, eu não tenho nenhuma dúvida que seria de solidariedade a Maurício David o seu aparate, nenhuma dúvida.
O SR. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - É que eu havia pedido ainda no tempo regulamentar exatamente prevendo que talvez tivesse dificuldade.
O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes) - Abrirei uma concessão pelo tempo de um minuto, nobre Senador.
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Menos, Sr. Presidente. Eu procurarei ser breve para respeitar o Regimento. Mas eu conheço o economista Maurício David e vejo que a sua carta é um apelo para que em nosso País haja a liberdade de expressão. Maurício David, pelo histórico de sua carta, é um funcionário de carreira ali no BNDS, com 24 anos de trabalho. Importante neste caso - é a minha recomendação à TVE e a quem se preocupou com o assunto - é que haja no programa em que Maurício David emitiu as suas opiniões a possibilidade completa para que o Ministro Guido Mantega e economistas que poderiam ser os que têm afinidades com o Governo, eu próprio, o Senador Aloizio Mercadante e outros, possam dialogar e defender o ponto de vista do Governo. V. Exª chama a atenção de algo importante. Muitas vezes, a Oposição exerce um papel fundamental para o bem do Governo do Presidente Lula. Neste caso, o importante é assegurar o debate para que o Governo também seja defendido, dada a livre expressão de opinião de Maurício David.
(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)
O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Concluirei, Sr. Presidente.
Senador Eduardo Suplicy, agradeço o aparte. Não tenho nenhuma dúvida da sua convicção democrática. Sempre recordo de um episódio em que, certa vez, Newton Cruz cercava o Congresso Nacional e pediu a alguns Deputados que acompanhassem os manifestantes à rodoviária - como se a nossa presença adiantasse de alguma coisa para proteger a integridade física dos manifestantes. Nem todos os Deputados solicitados foram. V. Exª e eu lá estivemos, assim como, se não me engano, o Deputado Guedes, do PCdoB de Minas Gerais. Fomos andando a pé, evitando a parte de trás dos Ministérios porque não havia garantia para nós e, portanto, não haveria garantia nossa a ser passada para quem quer que fosse.
Talvez o ponto não seja simplesmente ir alguém lá falar, porque a impressão que se dá é que haveria uma assimetria a favor de David e a favor de quem discorda do orçamento do Governo, mas, do ponto de vista da mídia, é o contrário. Sabemos que os Governos todos têm muito mais notícias para dar e, sobretudo no início, há uma presença avassaladora do Governo na mídia.
De V. Exª, não tenho nenhuma dúvida, tenho certeza com relação a V. Exª. V. Exª disse bem: não podemos deixar que nada atinja a liberdade de expressão. A questão que está posta é Maurício David, que foi cassado e expulso pela ditadura; Maurício David, que voltou e foi cassado outra vez pelo CNI ainda durante o Governo Figueiredo; Maurício David, que voltou e depois foi cassado de novo pelo ex-Presidente Fernando Collor; Maurício David, que voltou e que poderia ser cassado por Lula porque, supostamente, a partir da Casa Civil se monta um Big Brother para espionar os brasileiros. É essa a indignação que quero trazer, ou seja, o fato de que, como Maurício David conhece a mim, ao Ministro Ciro Gomes, a V. Exª e como ele próprio conseguiu escapar do cutelo, se não pusermos um basta nessa escalada autoritária, que a meu ver começa assim e vai terminar em escuta telefônica - isso é uma doença que pega e começa a grassar para dentro do Governo - teremos problemas em relação à democracia, teremos esse embate desagradável, de tanto eu como V. Exª estarmos aqui lutando para assegurar a liberdade de expressão a quem quer que seja.
Encerro, dizendo que fará parte dos Anais da Casa, por concessão e determinação de V. Exª, a carta de Maurício David e, claro, a matéria do jornalista Elio Gaspari, que faz finalmente duas declarações. Uma, de que o autoritarismo não me encontra agachado nunca; ele não me encontra em duas situações: nem agachado nem ao lado dele; ao lado dele, jamais; agachado, de forma alguma; mas me encontra de pé, altivo, impávido, cumprindo com o meu dever.
Por outro lado, para que aí fora pessoas respeitáveis da opinião pública e jornalistas sérios, como Jânio de Freitas e Dora Kramer, não pensem que isso aqui é um jogo em que um grupo faz chantagem contra o outro, volto a dizer o que, no começo, era a minha idéia aqui exposta: o PT escolhe qualquer tema do Governo Fernando Henrique para investigar, mais de um se quiser, dez se quiser, um em cada comissão parlamentar de inquérito; eu quero ser o primeiro signatário do pedido. Se quiser investigar o Ministro Eduardo Jorge, quero fazer agora mesmo a assinatura; mandarei redigir agora para saber se o PT quer assinar a investigação sobre o Sr. Eduardo Jorge. Se quiser que eu assine, eu assino, se quiser que eu peça, eu peço, se quiser que eu assuma a responsabilidade, eu o farei; esta é uma marca na minha vida, assumir a responsabilidade. Para mostrar que não há aqui um grupo de chantagem para cá e para acolá, quero a desobstrução da pauta da Comissão de Fiscalização e Controle, porque eu convoquei os envolvidos naquele escândalo, naquela podridão de Santo André antes de pensar em CPI, mas até agora não se votou o meu requerimento que é tão velho quanto o meu mandato de nove meses. Vou dizer com toda a clareza que o PSDB, o PFL e o PDT já encaminharam os nomes das duas CPIs que estão aqui: MST e loteamento de cargos. Estou requerendo uma terceira comissão parlamentar de inquérito. Peça o PT a que ele quiser, ou não peça a que não quiser, e se o PT quiser eu peço para ele, para se investigar o Sr. Eduardo Jorge e o Sr. Fernando Henrique Cardoso, Dona Ruth Cardoso, ou quem queira, mas vou pedir a de Santo André, sim, por entender que é fundamental mostrarmos que não há essa história de grupo de chantagista fazendo força contra grupo de chantagista aqui, porque isso só desmoraliza o Congresso e nos põe a todos de joelho. É preciso que se saiba, e que eles se defendam, que digam o que são, quero crer que não sejam chantagistas, eu não sou, e como não sou apresentarei a de Santo André e cumprirei com o meu desígnio, com o meu mandato. E para satisfação do meu mandato, eu devo ao povo brasileiro em segunda instância e em primeiríssima instância ao povo do Amazonas, que me elegeu na última eleição, como em tantas outras, com uma votação que me dá todo o orgulho de a ele servir.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Era o que tinha a dizer.
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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SENADOR ARTHUR VIRGÍLIO EM SEU PRONUNCIAMENTO.
(Inseridos nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)
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