Discurso durante a 115ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Lamenta o ocorrido com o chinês espancado em penitenciária brasileira.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. SENADO.:
  • Lamenta o ocorrido com o chinês espancado em penitenciária brasileira.
Aparteantes
Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 09/09/2003 - Página 26454
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. SENADO.
Indexação
  • REPUDIO, VIOLENCIA, POLICIA CIVIL, ESPANCAMENTO, CIDADÃO, NACIONALIDADE ESTRANGEIRA, PRESIDIO, BRASIL.
  • COBRANÇA, PROVIDENCIA, PRESIDENTE, SENADO, IMPEDIMENTO, ENTRADA, OFICIAL DE JUSTIÇA, CITAÇÃO, SENADOR.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Como Líder. Sem revisão do orador.) - E ainda se quer dar a oportunidade de falar ao Senador Eduardo Suplicy. Por isso, peço a V. Exª que, em vez de prorrogar a sessão por dez minutos, faça-o por vinte minutos, porque, assim, eu usarei dez minutos e S. Exª, os outros dez minutos.

O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes) - Acompanharemos atentamente a necessidade de tal prorrogação.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um dia desses, senti muita tristeza quando assisti a um filme chamado O Expresso da Meia-Noite. Trata-se de um filme revoltante que conta a história de um cidadão apanhado em uma irregularidade e que foi recolhido a uma penitenciária turca. Ele sofreu e nos chocou a todos nós espectadores com experiências que nunca imaginamos que pudessem existir numa penitenciária. Depois, eu soube que os diretores do filme foram proibidos de entrar na Turquia a partir daí, e que aquele filme passou a ser uma vergonha nacional para a Turquia e para o povo turco.

Na semana passada, vi com tristeza o caso do Chang, um chinês, também apanhado em situação irregular, com trinta mil dólares, pela Polícia Federal e foi repassado à Polícia Civil. Não entendi por que ele foi parar numa penitenciária com enorme rapidez: foi preso em um momento e, na mesma noite, foi passado para uma penitenciária. E quando a família o encontrou lá, ele estava em coma; espancado e torturado na cadeia, não conseguiu sair com vida do hospital.

Nunca imaginei que pudéssemos ter no Brasil a vergonha expressa naquele filme que mostrava a polícia turca. Nunca imaginei que pudéssemos ter aqui sessões de espancamento para - dizem, pode não ser verdade - saber o código dos cartões de crédito do pobre chinês. E imagino a revolta da família! Imagino se esse caso fosse com um familiar de algum dos Srs. Senadores! Como reagiriam ao ouvir, depois, o Presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários dizer que era precipitada a afirmação de que ele teria sido torturado e que, ao que tudo indica, tratava-se de autoflagelo. Teria ele se autoflagelado nos braços e em situação de defesa?

E mais ainda, uma coisa me deixou de pêlo em pé, arrepiado: quatro policiais foram ao Instituto Médico Legal saber quem eram os legistas que haviam dado o parecer de que não se tratava de autoflagelo e que ele não teria metido a própria cabeça na grade ou cortado os braços ou machucado as costas.

            E eu - que sempre defendo a polícia - senti vergonha da nossa polícia, não de toda a polícia porque sei que ela não é toda assim, mas desses maus elementos que se acobertam de policiais e se acham acima da lei e, às vezes, são piores que bandidos. Esses, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, envergonham o Brasil. E eu me senti envergonhado.

Concedo o aparte ao Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Acompanho atentamente o pronunciamento de V. Exª. A comparação com o filme O Expresso da Meia-Noite é oportuna, embora as circunstâncias sejam extremamente diferentes. V. Exª tem razão, aquele filme traumatizou toda uma geração. Eu era jovem quando vi aquele filme e, depois daquilo, resisti muitos anos a aceitar qualquer possibilidade de visitar a Turquia. Aliás, perdi tempo, porque é um país lindo. Aquela imagem, abstraída daquele filme, não condiz com o povo turco, sua educação e sua formação. Mas, naquele episódio, nobre Senador, o jovem foi preso porque levava haxixe, drogas, e sabia previamente que a legislação era cruel com relação àquele tipo de crime. O caso do chinês brasileiro é bem diferente. Ele apenas tentava sair do País com uma quantidade de dólar não declarada na Receita naquele momento e superior à permitida por lei. Em casos como aquele geralmente a quantia é apreendida, quando não comprovada a sua origem ou não declarada, mas nada sofre o seu portador, que tem a oportunidade de contratar advogado. Realmente foi um fato muito estranho que vem tendo uma repercussão internacional muito grande. Neste momento, associo-me ao pronunciamento de V. Exª e faço votos de que esse não seja mais um caso sem uma solução esclarecedora. Questiona-se: por que ele tentou viajar sem declarar? O que se ouve dizer é que geralmente as pessoas temem mostrar, na saída do aeroporto, que estão levando quantias ou receiam declarar valores, pois correm o risco de serem submetidas a vexames, como infelizmente ocorreu com o falecido chinês e que lhe custou a vida. Cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento, que deve servir de alerta às autoridades brasileiras, para que se dê proteção a todos os brasileiros ou não-brasileiros residentes no Brasil que se destinam a outro país. Embora não seja legal o transporte de recursos superior ao valor permitido, ninguém pode passar pelas privações sofridas por ele e que a imprensa nacional divulgou e por que tantos outros passam. Infelizmente, no caso em tela, o fato custou-lhe a vida.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Senador Heráclito Fortes.

Há mais dois outros episódios que quero citar. O primeiro foi mostrado ontem no Fantástico: dentro de um presídio, o funcionamento de uma boca-de-fumo e o uso de telefone celular inteiramente liberado, depois de todo o périplo que foi anular as ondas de celulares nos presídios cariocas. É de arrepiar, de nos deixar envergonhados.

No caso do chinês, torço primeiro por que haja justiça, mas torço também por que nenhum diretor de cinema resolva fazer um filme sobre o episódio e mostrar o Brasil como um país useiro e vezeiro em tal prática. Eu não tinha tomado conhecimento de casos como esse e fiquei chocado. No outro caso, porém, lamentavelmente, todo mundo sabe que a maioria dos presídios tem boca-de-fumo.

O último episódio que quero relatar é ainda mais estarrecedor.

O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes) - Senador Ney Suassuna, interrompo seu discurso para comunicar que prorrogo a sessão por dez minutos.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Presidente.

No Senado da República, ocorreu a vinda de um oficial de justiça para citar Senadores que votaram, quando nenhum ato foi terminado ainda, uma vez que a matéria só foi votada na Comissão. Por isso, fico imaginando o que aconteceria se nós, algum dia, saíssemos daqui e fôssemos a um juiz que estivesse ainda fazendo sua sentença e lhe disséssemos que não poderia escrevê-la. Ou seja, ele nem a teria terminado, mas já estaríamos lhe dizendo que não poderia ser feita. Se conheço bem o Presidente José Sarney, S. Exª tomará uma providência, que não sei qual será, mas creio ser errado um oficial de justiça vir ao Senado da República para citar Senador, que tem imunidade para votar. Em um caso ocorre tortura, no outro, exagero, no terceiro, irresponsabilidade.

Pobre Brasil. Tomara que não continuemos assim e que as coisas se remendem, se consertem. Não sei qual será a nossa missão em termos de vergonha, se ainda teremos muitos fatos em nosso resto de existência para nos envegonharmos como me senti envergonhado nos três casos. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/09/2003 - Página 26454