Discurso durante a 115ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Justificativas à apresentação de Requerimento de voto de congratulações para a Professora Marilena Chauí, que em 20 de junho do corrente, foi agraciada com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Paris.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • Justificativas à apresentação de Requerimento de voto de congratulações para a Professora Marilena Chauí, que em 20 de junho do corrente, foi agraciada com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Paris.
Publicação
Publicação no DSF de 09/09/2003 - Página 26456
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, SOLICITAÇÃO, INSERÇÃO, VOTO, CONGRATULAÇÕES, MARILENA CHAUI, PROFESSOR, RECEBIMENTO, TITULO, UNIVERSIDADE, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA.
  • ESCLARECIMENTOS, AUSENCIA, ROBERTO REQUIÃO, SENADOR, DESRESPEITO, ANTONIO PALOCCI, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF).

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, quero hoje fazer um requerimento, nos termos do art. 222 do Regimento Interno, de inserção em ata de voto de congratulações para a Professora Marilena Chauí, que, em 20 de junho do corrente, foi agraciada com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Paris 8.

É motivo de grande alegria para nós brasileiros sabermos que a nossa brilhante filósofa Marilena Chauí foi agraciada em 20 de junho de 2003 com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Paris 8 (Vincennes-Saint-Denis).

No último dia 28 de agosto, tive oportunidade de testemunhar, no auditório apinhado do edifício de História da Universidade de São Paulo, a bela homenagem que a comunidade de professores, estudantes e admiradores dos mais diversos campos de atividade prestou a esta professora que tem sido uma extraordinária luz de abertura de caminhos, de novas janelas e formas criativas de pensar não apenas para os estudantes que lotam as salas onde ela tem dado aulas, mas para todos aqueles que aprenderam a saborear os seus livros, artigos, entrevistas e palestras.

Marilena Chauí nasceu em 1941, em São Paulo, filha de Laura e Nicolau Chauí, casada com Michael, mãe de José Guilherme e Luciana. Toda a sua brilhante carreira universitária como filósofa está associada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Cursou nessa instituição a graduação entre 1960-1964. Em 1967, defendeu a dissertação de mestrado Crítica do Humanismo na Filosofia de Merleau-Ponty. A tese de doutorado, finalizada em 1970, chama-se Introdução à Leitura de Espinosa. Em 1977, tornou-se Professora Livre-Docente da USP com a tese “A Nervura do Real - Imanência e Liberdade em Espinosa”. Continua Professora Titular da USP. As suas áreas de especialização são a História da Filosofia e Filosofia Política. Suas pesquisas principais voltam-se para o estudo do pensamento do filósofo Espinosa e para as questões associadas à democracia e à cultura. Entre 1989 e 1992, foi Secretária Municipal da Cultura no Governo da Prefeita Luiza Erundina de Souza*.

Em 1992, Marilena Chauí era uma das possíveis indicações do PT à sucessão de Luiza Erundina. Tinha inclusive todo o respaldo da Prefeita, assim como o meu - que acabei sendo o candidato -, caso ela aceitasse. Entretanto, decidiu ela que deveria continuar a sua vida acadêmica, por meio da qual tem exercido formidável influência sobre as pessoas, inclusive internacionalmente, dado o seu reconhecimento além de nossas fronteiras.

Dentre as suas principais obras, estão os livros: Política em Espinosa (2003); Introdução à História da Filosofia (2002); Experiência do Pensamento; Filosofia; Escritos sobre a Universidade; Brasil - Mito Fundador e Sociedade Autoritária; Da Realidade sem Mistérios ao Mistério do Mundo; Nervura do Real; Figuras do Racionalismo; Repressão Sexual: essa nossa (des)conhecida; O que é Ideologia; Conformismo e Resistência; Introdução à História da Filosofia; Espinosa; Convite à Filosofia; Cultura e Democracia; A questão da Democracia, todos entre 1980 e 2003. Além do livro que escreveu com sua mãe, Professoras na Cozinha, e do que escreveu com Maria Sílvia de Carvalho Franco, em 1978, Ideologia e Mobilização Popular.

Para Marilena Chauí a filosofia é uma forma de expressão de seu próprio pensamento, de seus sentimentos, desejos e ações para escolher um modo de vida, um certo modo de interrogação e uma certa relação com a verdade, liberdade e justiça. Diz Marilena Chauí:

O desejo de viver de uma existência filosófica significa admitir que as questões são interiores à nossa vida e à nossa história e que são elas que formam nosso pensamento e nossa ação. É a razão pela qual a filosofia foi sempre para mim uma forma de luta e de combate no seio da sociedade e da política [conforme expôs em sua conferência de aceitação do título na Universidade de Paris].

“Devemos praticar a filosofia como crítica da criação, mas fazê-la tendo como guia o lema de Espinosa - cautela.” Foi sob o signo da crítica à ditadura e ao autoritarismo que escreveu sua tese de doutorado sobre Espinosa e seu pensamento, questionando seu contrário, indo até a origem “da crença, da tirania e da escravidão cujas contradições exigem um trabalho de investigação que se abre à verdade e à liberdade porque ela nasce do desejo de verdade e de liberdade.”

A liberdade de pensamento, segundo Espinosa, exige uma visibilidade clara e plena da prática política e, conforme Marilena Chauí em sua obra Política em Espinosa, é “poder pensar e poder agir sem obediência a idéias, preceitos, mandamentos e decretos transcendentes”.

Durante a ditadura, quando o Departamento de Filosofia da USP encontrava-se “à sombra”, Marilena diz que aprendera com Claude Lefort o sentido do político não como produto puro da força, mas como uma lógica do poder, e descobriu a democracia como “uma indeterminação e uma criação temporária, ou seja, como uma invenção histórica e instituição de direitos e como uma negação do poder incorporado ao da identidade entre o saber, a lei e o poder”.

Desde 1970, participou das lutas contras as várias formas de destruição da universidade pública e laica imposta pelo Estado brasileiro que, segundo ela “nos impôs primeiro aquilo que podemos chamar de ‘universidade funcional’ e que foi oferecida à classe média para compensá-la pelo seu apoio à ditadura, ao lhe dar a esperança da ascensão social por meio do diploma universitário: é a universidade da massificação e do treinamento rápido, dos quadros destinados ao mercado de trabalho das empresas privadas que vieram se instalar no Brasil.”

Nos anos 80, a luta contra a ditadura e pela democracia norteou seus pensamentos, sua obra e suas ações e foi com esse espírito que participou com entusiasmo da fundação do Partido dos Trabalhadores, que, como ela própria diz, “foi o momento mais lúcido da democratização do Brasil, na medida em que sua existência significa a recusa ao autoritarismo social e político que sempre relegou às classe populares brasileira uma posição e um papel subalterno”.

Para Marilena Chauí, o Partido dos Trabalhadores, como partido socialista, introduziu no Brasil a idéia de democracia, como a criação dos direitos sociais, econômicos e políticos e a idéia da república, do espaço público das decisões e do poder.

Em seu discurso de agradecimento, no dia 28 de agosto, na USP, quando tantos de seus amigos lhe foram abraçar, Marilena Chauí narrou de forma especial a razão pela qual havia aceito receber aquele título, pois Espinosa, seu grande mestre, havia dito que muitas vezes nos perdemos de nós mesmos quando ficamos em busca das honras. Dissera, todavia, que elas são boas quando desejamos com moderação. Alguns episódios e reflexões fizeram-na aceitar o título, uma honra, como ela própria conta:

Conta minha mãe que, em 1946, visitou nossa pequena cidade interiorana - Pindorama, no interior de São Paulo - um pianista polonês, que deu um concerto. Depois de tocar esplendorosamente por mais de uma hora, o pianista levantou-se e indagou se havia na platéia quem tocasse piano e convidava os pianistas locais a tocar algumas peças. Embora houvesse no público três professores de piano e algumas alunas adolescentes, ninguém se apresentou. Para surpresa e pavor de minha mãe, eu, com cinco anos de idade e recém-iniciada no piano, levantei-me, fui ao palco e toquei “Danúbio Azul”, numa versão simplificada. O que minha mão, a platéia e o pianista jamais souberam foi o motivo de eu ter ido executar infantilmente o “Danúbio Azul”. Longe de ser a pretensão de alguém que se julgava pianista, dirigi-me ao palco porque não pude suportar que o pianista polonês convidasse alguém para reunir-se a ele naquilo que amava fazer e que ninguém se juntasse a ele, deixando-o solitário no palco. Foi o sentimento de sua enorme solidão que me levou ao piano.

O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes. Fazendo soar a campainha.) - Senador Eduardo Suplicy, permita-me interrompê-lo.

Consulto o Plenário sobre a prorrogação da sessão por cinco minutos, para que o orador conclua a sua oração. (Pausa.)

Não havendo objeção do Plenário, está prorrogada a sessão por cinco minutos.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Assim poderei concluir esse bonito relato e outro episódio ainda mais belo, Senador Papaléo. Agradeço a V. Exª.

Se narro esse episódio é porque, e aqui vem minha resposta política, num mundo acadêmico hegemonicamente masculino, considerado intolerável a solidão das mulheres e por isso, ao ser chamada ao palco da honra, nele subi para que nele também estejam as mulheres.

Quem dera pudesse eu ser aqui uma mulher a relatar esse episódio tão significativo

Num ensaio belíssimo chamado “O Silêncio das Romanas”, o helenista e romanista Moses Finley nos lembra que as mulheres de Roma não possuíam nome próprio, pois seus nomes eram apenas os de suas famílias escritos no feminino. Dessas mulheres, escreve Finley, não possuímos nada, sequer uma carta, um poema. Possuímos apenas as inscrições em suas lápides, nas quais pais, maridos e filhos dizem que foram filhas, esposas e mães extremosas e amadas. Penso que a homenagem que hoje me é feita faz parte do reconhecimento do nome próprio das mulheres, e que, ao aceitá-la, contribuo para diminuir nossa solidão.

Num comovente ensaio, “Um quarto para si”, um ciclo de conferências dedicado à relação entre as mulheres e a literatura, Virgínia Woolf propõe uma ficção.

Imaginemos, diz ela, que Shakespeare tivesse tido uma irmã e que ela, como ele, fosse extremamente inteligente, sensível, talentosa para a poesia e para a dramaturgia. Enquanto ele recebia uma educação propícia a desenvolver sue talento, ela era treinada nos afazeres domésticos e na preparação para o casamento. Quando ele partiu para Londres, ela deveria partir com um marido. Inconformada, fugiu também para Londres. Ali, porém, não consegui publicar seus poemas nem encenar suas peças, não tinha abrigo, comida nem agasalho para os dias de frio. Numa noite de inverno, encolhida e na mais profunda solidão, ainda jovem, morreu na neve, ignorada por todos e de todos desconhecida. E escreve Virgínia:

A irmã de Shakespeare, da qual ninguém fala, vive ainda. Ela vive em vós, em mim e em inúmeras outras mulheres que não estão presentes aqui esta noite porque estão lavando os pratos ou ninando seus filhos. Mas ela vive, pois os grandes poetas não morrem jamais, são presenças eternas; apenas esperam a ocasião para aparecer entre nós em carne e osso. Hoje, creio, está em vós o poder de dar essa ocasião à irmã de Shakespeare. Eis minha convicção: (...) se tivermos 150 libras de renda e um quarto só para nós, se adquirirmos o hábito, a liberdade e a coragem de escrever exatamente o que pensamos, se conseguirmos sair da sala de estar e ver os humanos não apenas em suas relações uns com os outros, mas também com a realidade (...), então se apresentará a ocasião para que a irmã morta de Shakespeare tome a forma humana a que tantas vezes teve de renunciar. (...) Mas não há que esperar sua vinda sem esforço, sem preparação de nossa parte, sem que estejamos resolvidas a lhe oferecer um novo nascimento, a possibilidade de viver e de escrever. Mas eu vos asseguro que ela virá se trabalharmos por ela e trabalhar assim é coisa que vale a pena.

A honra e a homenagem que hoje tão generosamente lhe são feitas são o reconhecimento que é possível tirar as mulheres da solidão para vê-las dar vida á irmã de Shakespeare.

Sr. Presidente, aqui concluo essas bonitas palavras de Marilena Chauí e registro o requerimento em sua homenagem.

Sr. Presidente, no início da sessão, o Senador Álvaro Dias mencionou que o Governador Roberto Requião teria se referido ao Sr. Ministro Antônio Palocci inadequadamente, de forma totalmente descabida. Liguei ao Governador Roberto Requião, que me informou que de maneira alguma havia se referido ao Ministro da Fazenda daquela maneira, com quem sempre tem tido relação de respeito e colaboração. Também me informou o Governador que não tem dúvida sobre a integridade do Ministro. Disse-me que conversou, nos últimos dias, por 12 vezes como o Ministro Antônio Palocci, tendo chegado, inclusive, a entendimento quanto ao Fundo de Compensação para as Exportações dos Estados. Citou S. Exª que oito Deputados do Paraná votaram a favor da reforma tributária. Portanto, a menção do Senador Álvaro Dias não foi correta, Sr. Presidente. Aproveito para reiterar aqui o quanto considero extremamente íntegro o Ministro da Fazenda, Antônio Palocci, a quem conheço tão bem e sei da correção com que tem desenvolvido seus esforços à frente da política econômica brasileira.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/09/2003 - Página 26456