Pronunciamento de Arthur Virgílio em 08/09/2003
Discurso durante a 115ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Artigo publicado ontem no O Estado de S.Paulo e O Globo, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, analisando o interesse nacional diante da globalização.
- Autor
- Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
- Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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ECONOMIA NACIONAL.:
- Artigo publicado ontem no O Estado de S.Paulo e O Globo, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, analisando o interesse nacional diante da globalização.
- Publicação
- Publicação no DSF de 09/09/2003 - Página 26465
- Assunto
- Outros > ECONOMIA NACIONAL.
- Indexação
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- LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANALISE, INTERESSE NACIONAL, GLOBALIZAÇÃO, DEFESA, INSERÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, PROCESSO.
O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em artigo publicado na edição de ontem de O Estado de S. Paulo e de O Globo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso analisa o interesse nacional diante da globalização, assinando ser necessário mais do que protecionismo e mera substituição de importação. Ele, que agora também assina um artigo semanal no jornal El Clarin, de Buenos Aires, sustenta que o interesse nacional deixou de confundir-se com o protecionismo comercial ou a simples substituição de importações: é necessária, isso sim, a busca de uma inserção adequada na economia globalizada.
Pela oportunidade do tema, passo à sua leitura:
INTERESSE NACIONAL E GLOBALIZAÇÃO
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
O último dia 31 de agosto marcou o terceiro aniversário do Primeiro Encontro dos Chefes de Estado dos países da América do Sul, realizado em Brasília. Àquele encontro se seguiu outro, no ano passado, em Guayaquil, no Equador.
Era de estranhar que, quase 200 anos depois da formação de Estados nacionais na região, nunca os presidentes se tivessem encontrado para discutir os problemas comuns e para procurar a melhor forma de coordenarem políticas econômicas favoráveis a seus povos.
No século 19 se dizia que os países vizinhos talvez tivessem medo, mais do que do porte do Brasil, de sua forma de governo. Cercado por Repúblicas - embora algumas delas "caudilhescas" -, o Império brasileiro poderia despertar o temor do absolutismo e do expansionismo. Embora nossos imperadores, Pedro I e Pedro II, sobretudo o último, não tivessem inclinações antiliberais, eram cabeças coroadas e descendiam de grandes famílias monárquicas européias, não apenas dos Braganças, mas dos Bourbons e dos temidos Habsburgos.
Apesar das guerras travadas pelo Brasil no século 19 contra alguns países sul-americanos, nos últimos 25 anos daquele século e notadamente com a República, nada mais havia para temer. O grande patrono de nossa diplomacia, o barão do Rio Branco, no início do século 20, já recomendava: atenção à Bacia do Prata e boas relações com os Estados Unidos. Foi o que fizemos.
Fomos à guerra duas vezes, em 1914 e em 1944, ao lado dos Aliados, americanos à frente, e procuramos administrar nossas relações com a América Latina. Mas continuamos, em larga medida, de costas uns para os outros.
A mudança veio com a formação do Mercosul. Deve-se ao governo Sarney o ter retomado as preocupações de Rio Branco e Vargas sobre a aliança do A-B-C (Argentina, Brasil, Chile) e de Juscelino Kubitschek com a Operação Pan-Americana e, com essa inspiração histórica, ter-se voltado para a América hispânica e lançado as bases do Mercosul.
Daí por diante, os governos do Brasil se empenharam na construção do Mercosul, com mais ou menos êxito, dependendo das flutuações econômicas. Mas o propósito político se manteve inalterável.
O passo na direção da América do Sul foi a conseqüência natural desta busca de inserção em terra firme. Seu propósito não isolacionista ficou claro com o convite ao ministro do Exterior do México para que participasse da reunião de Brasília de 2001. Dela derivou todo um plano de integração física (estradas, fontes energéticas, comunicações etc.) feito pelo BID em colaboração com a Corporação Andina de Fomento e com o Fonplata.
Progressivamente, como ainda agora no Peru, mais e mais países se associam ao Mercosul e os acordos de comércio se ampliam.
Esta é a questão central na consolidação de uma política de paz e integração: para responder à globalização é preciso que os países em desenvolvimento, ao invés de enfiarem a cabeça na areia como avestruzes, criando barreiras alfandegárias e aumentando tarifas, se preparem para defender os interesses nacionais num mundo assimetricamente globalizado.
É natural que se encontre mais correspondência, e talvez mesmo solidariedade, entre países da mesma região que estejam em fase de desenvolvimento similar do que com os países ricos do G-8. O acordo que o Brasil fez com o México há quase dois anos, mesmo limitado, permitiu que este país substituísse, de alguma forma, o fluxo de recursos provindos anteriormente do comércio com a Argentina, que, momentaneamente, se estancara. Foi um bom exemplo.
Mas esses esforços são insuficientes. No mundo globalizado os interesses nacionais se desdobram em vários tabuleiros. Em acordos hemisféricos, como o da Alca. Em acordos entre a União Européia e o Mercosul, em acordos bilaterais com a China ou a Índia - e isso sem esquecer as esferas multilaterais.
As negociações que o Brasil levou adiante em Doha, em novembro de 2001, sempre cooperando com os países amigos, foram importantes para a defesa de nossos interesses. Elas foram precedidas pela vigorosa batalha para garantir, no âmbito dos tratados sobre propriedade intelectual (TRIPs), a fabricação de medicamentos contra a aids. Nestes últimos dias, de novo, na preparação da reunião de Cancún, nossa diplomacia luta para que o ponto de vista míope, expresso na proposta norte-americana-européia, não prevaleça, evitando-se assim o possível fracasso da conferência.
O espírito desse acordo só pode ser na linha do que defendi em Quebec, em 2001, sobre a Alca: ela será bem-vinda se permitir acesso aos mercados mais dinâmicos, regras compartilhadas sobre antidumping, redução das barreiras não-tarifárias, eliminação do protecionismo das regras sanitárias e correção das assimetrias existentes no comércio agrícola. Essa orientação foi sustentada por mim diante de todos os chefes de governo do Hemisfério. Outra não pode ser nossa atitude nas tratativas da OMC.
O interesse nacional deixou de se confundir com o protecionismo comercial e com a mera substituição de importação. Ele reapareceu, mais forte, na busca de uma inserção adequada na economia globalizada. A tática pode levar-nos à defesa de trilhas diferenciadas, mas a estratégia é a mesma e tem como foco aumentar nossa participação na produção e na exportação dos bens necessários a uma economia em expansão, numa sociedade que deseja reduzir a pobreza e lutar por uma globalização menos assimétrica.