Fala da Presidência durante a 118ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem a Salvador Allende, ex-Presidente da República do Chile, falecido em 11 de setembro de 1973.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a Salvador Allende, ex-Presidente da República do Chile, falecido em 11 de setembro de 1973.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/2003 - Página 26761
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, SALVADOR ALLENDE, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, POLITICA, PAIS, ELOGIO, VIDA PUBLICA.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.

A presente sessão especial destina-se a reverenciar a memória de Salvador Allende, ex-Presidente da República do Chile, nos termos do Requerimento nº 484, de 2003, de autoria do Sr. Senador João Capiberibe e outros Srs. Senadores.

Agradeço a honrosa presença dos Srs. Embaixadores de diversos países, especialmente a do Embaixador do Chile.

Desejo abrir esta sessão salientando que a morte de Salvador Allende foi uma tragédia anunciada. O Chile tinha uma história democrática, era um exemplo de persistência no regime das leis, da construção soberana, e tentava, num mundo conturbado pelas intervenções militares, realizar uma solução de socialismo dentro da democracia.

Hoje, sabemos, diante dos documentos que foram liberados, o tamanho da ingerência nos assuntos chilenos. De qualquer modo, não se pode ignorar que a obra de formação social e econômica que atravessara os séculos XIX e XX até às políticas de Frei e Allende está nos fundamentos do Chile de hoje.

Recordo que, poucos anos depois da queda de Allende, recebi aqui no Senado Federal, juntamente com o Senador Franco Montoro, o Presidente Eduardo Frei. Ele já estava atingido pela doença que o levaria à morte. A sua figura já dava sinais de extrema fraqueza, tinha a palidez daqueles que sentem fugir a saúde. Mesmo assim, ele percorria a América Latina e vinha ao Brasil para pedir solidariedade naquele momento difícil, em que estava mergulhado numa luta onde desaparecia o processo político para predominar a força militar.

Foi então, no almoço que lhe oferecemos - um pequeno grupo, não eram mais do que quatro Parlamentares - no restaurante desta Casa, que ouvimos daquela figura, do homem público sofrido, naquele momento de sombra que passava o seu país, o conselho de que evitássemos que o Brasil entrasse numa confrontação. E acrescentou: “Só sabe o que é a liberdade quem perde a liberdade”. O Presidente Frei nos disse isso naquele momento, e nunca esqueci essa frase dita pouco tempo antes de sua morte, em sua peregrinação pela América do Sul e no Brasil.

Depois, como Presidente da República, juntamente com Raúl Afonsín e Andrés Perez, que era então Presidente da Venezuela, desenvolvemos um esforço global para que o Chile voltasse ao processo democrático, já que um dos fundamentos do Mercosul era, sem dúvida alguma, o de que toda a América Latina se inserisse no processo democrático.

A essa época recebi, em Buenos Aires, a oposição chilena, tendo à frente Aylwin, e aqui, no Brasil, algumas vezes, seus enviados, como Juan Somavía, que foi extremamente participante dessa luta, numa boa conspiração em favor da liberdade de que falava Frei.

Naquela época, foi feito um esforço muito grande para que a oposição chilena aceitasse o plebiscito e não marchasse para a confrontação, para que pudesse, mesmo com extrema dificuldade, optar pelo caminho do entendimento, na difícil abertura que, afinal, veio a concretizar-se.

O plebiscito foi feito, o povo chileno optou por eleições livres, e Aylwin, um homem extremamente bem informado, professor, político e estadista, foi eleito Presidente da República. Com ele estive também muitas vezes, mesmo quando eu já não era Presidente e apenas participava da Comissão de Paz para a América do Sul, que se reunia regularmente em Santiago, oportunidade em que conversávamos e até mesmo recordávamos alguns episódios daquele período difícil da história chilena.

Assistindo à posse de Aylwin na Presidência do Chile, quando Pinochet foi obrigado a entregar-lhe o poder, envolto em meu silêncio, recordei com imensa comoção todos os episódios que antecediam aquela manhã.

Nesta sessão, estamos todos recordando um episódio fundamental na história da América Latina e motivo de grande reflexão para todos os democráticos, que foi a resistência do Presidente Allende e os fatos que marcaram, naquele dia, o Golpe de La Moneda.

O sangue derramado de nenhuma forma pode ser justificado. O crime coletivo tem uma dimensão apocalíptica, varre a confiança no futuro, destrói a esperança no homem.

Esse é o exemplo que nos fica daqueles episódios.

O assalto a La Moneda e toda a tragédia chilena, da mesma maneira como hoje relembramos o atentado às Torres Gêmeas de Nova Iorque, ficarão na História como monumentos contra as soluções da violência, que nunca podem ser aceitas, contra estes caminhos da intolerância, de que devemos sempre nos afastar, e um guia de crença na via democrática, no diálogo, no entendimento, na política.

É com esse sentimento que hoje o Senado Federal, nesta manhã, inicia esta sessão em memória do Presidente Allende e de tudo que ele significou para a democracia na América Latina.

Com essas palavras, começamos esta sessão.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/2003 - Página 26761